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Shawn

Camila se culpa por muitas coisas, e em alguns casos com razão. Foi tolice falar do treinamento com Spencer — mesmo que de maneira tão vaga — para Dina e Amelia. Mas ela tomou cuidado com as informações que decidiu divulgar. Foi cuidadosa, mas não o suficiente. Camila é jovem. Inexperiente. No entanto, está aprendendo, e aprender do jeito mais difícil, no fim das contas, é de fato a única maneira.

— Você não vai aprender a nadar lendo um livro — digo a ela, na viagem de volta para Albuquerque. Desta vez, achei melhor pegarmos um carro para voltar, em vez de nos arriscarmos em aeroportos de novo. — É a melhor maneira, Camila. Para aprender com os erros, você precisa errar. De verdade. Nenhum tempo de treinamento, nenhuma situação ensaiada vai ensinar melhor do que a vida real.

Camila está sentada em silêncio no banco do passageiro, olhando pela janela. Ela não quer olhar para mim. Mal disse uma palavra desde que saímos da casa do meu contato perto de Phoenix, meia hora atrás. A lua está baixa no céu da madrugada, parecendo enorme sobre a extensão escura da paisagem do deserto.

— Isso não é desculpa — diz ela, enfim, embora com voz distante.

— É uma desculpa — rebato. — Aqui não é Hollywood. Você não vai aprender as coisas que quer no tempo em que acha necessário. Você cometeu erros. Vai cometer muitos outros...

Ela se vira de repente para mim.

— Eu disse que não é desculpa. — Ela pronuncia as palavras entre os dentes, com os olhos arregalados e implacáveis. Implacáveis para si própria, não para mim. —Fui eu que me meti nisso. Eu escolhi esta vida. Falei para você que era o que eu queria. Implorei para você me ajudar. — Ela aponta com severidade o indicador para si mesma, hesita e cerra os dentes. — Eu escolhi esta vida. Não sou criança, Shawn. Você não pode me dizer que o que fiz não tem problema, que tenho o direito de errar. Porque, nesta vida, erros causam mortes.

Eu a admiro mais agora do que antes. Porque ela entende. Ela se recusa a pegar a saída mais fácil, aceitando o salvo-conduto que lhe ofereço. Ela se recusa a receber a permissão de errar, embora eu saiba que vai errar mesmo assim, porque é humana. E vai aprender com os erros mais depressa do que alguém que opta por aceitar as desculpas. Ela é uma garota desafiadora. Ela é durona, impulsiva e destemida até demais. Mas é determinada e forte. Apesar da falta de disciplina e de ainda não ter assimilado completamente o raciocínio criminoso e assassino, que é crucial para se manter viva, sei que ela pode dar certo nesta vida.

— Você se arrepende? Você se arrepende da vida que escolheu?

— Não — diz ela, com voz neutra, honesta, com os olhos observando o asfalto negro da estrada ser engolido pelo capô do carro. — Não me arrependo. E não quero desistir.

Ela ergue as costas do banco e me encara de novo.

— Eu quero matar Hamburg e Stephens — afirma, com determinação. — E aí, depois disso... — Ela faz uma pausa, mas não tira o olhar determinado do meu. Só desvio os olhos pelo tempo suficiente de olhar a estrada. — Preciso contar isso para você. É uma coisa que contei para Fredrik. Depois que Hamburg e Stephens estiverem mortos, não quero que eles sejam os últimos.

Desde o momento em que Camila me disse que queria matá-los pessoalmente, soube que eles seriam apenas os primeiros em uma longa série de futuros assassinatos. Dava para ver essa resolução nos olhos dela, a sede de vingança, a fome de sangue. A morte de Javier Ruiz por obra de Camila foi o que selou o destino dela. O primeiro assassinato é sempre o estopim, o instante na vida no qual tudo muda, no qual o caráter da pessoa assume uma forma nova e mais sombria. Sei que ela pensa em matar Hamburg todo santo dia, desde a noite em que o conheceu. Sei porque lembro o rosto do meu segundo alvo, o modo como o cacei durante uma semana como um assassino em série caçaria sua próxima vítima. Eu só conseguia enxergar o rosto dele. Tudo o que eu queria era acabar com sua vida miserável do modo como acabei com a do meu primeiro alvo.

KILLER - 2 LIVROOnde histórias criam vida. Descubra agora