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Camila

Dahlia e Eric só voltam para o quarto algumas horas mais tarde, depois de escurecer. Eu já tinha tomado banho, vestido short e camiseta e deixado a luz apagada para parecer que estava dormindo. Assim que ouvi o cartão passando pela porta, pulei na cama e me espalhei pelo colchão, como sempre faço quando durmo de verdade. Eric entrou na ponta dos pés, tentando não "me acordar", mas me virei, soltei um resmungo e abri os olhos para mostrar que acordei. Ele pediu desculpas e perguntou se eu queria ir com ele e Dahlia a uma boate ali perto, insistindo que, se eu não fosse, ele também não iria. Mas logo rejeitei essa ideia. Percebi que ele queria muito ir e não posso culpá-lo: se eu estivesse no lugar dele, não iria querer ficar em um quarto escuro de hotel às oito da noite de uma sexta-feira, em uma das cidades mais animadas dos Estados Unidos.

Eric e Dahlia saírem era exatamente do que eu precisava. Passei aquelas duas horas inteiras tentando inventar uma desculpa para explicar a eles por que eu ia sair, aonde iria e por que eles não poderiam ir junto.

Eles resolveram isso para mim.

Minutos após Eric sair do quarto, espero Dahlia — em seu próprio quarto, ao lado do nosso — tirar o biquíni e se vestir. Pelo olho mágico da minha porta, eu os vejo indo embora pelo corredor. Conto até cem enquanto ando de um lado para outro sem parar. Então pego minha bolsa e vou até a porta. Ando depressa pelo corredor na direção oposta e chego ao quarto secreto, do outro lado do prédio.

Com certa paranoia de ser flagrada, vasculho minha bolsa e encontro tudo, menos a chave do quarto. Enfim consigo senti-la entre os dedos e me apresso para entrar, travando a porta com a corrente. Abro a mala ao pé da cama e tiro minha peruca curta platinada, passando os dedos para ajeitar as mechas desalinhadas, e então a deixo sobre o abajur ao lado para que não perca a forma.

Visto um Dolce & Gabbana curtinho e me maquio com cores escuras e pesadas, o que, depois de passar um tempão praticando em casa, faço bem. Então calço as sandálias de salto alto. Andar de salto é outra coisa que passei muito tempo tentando aprender. Meu alter ego, Karla Seyfried, saberia andar de salto e o faria bem. Por isso, eu precisava acompanhar.

Em seguida, molho o cabelo e o divido em duas partes atrás. Enrolo cada metade e cruzo uma sobre a outra na nuca. Vários grampos depois, meu longo cabelo está bem preso no couro cabeludo. Visto a touca da peruca e depois a própria peruca, ajustando-a por muito tempo até deixar tudo perfeito. Por fim, prendo uma bainha de punhal em torno da coxa e a cubro com o tecido do vestido.

Fico de pé diante do espelho de corpo inteiro e me avalio de todos os ângulos possíveis. Estar loura é estranho. Satisfeita, pego a bolsinha preta e a enfio debaixo do braço, com a pequena pistola formando certo volume nela. Estico o braço para girar a maçaneta, mas deixo minha mão cair junto ao corpo.

"Que droga eu estou fazendo?"

O que precisa ser feito.

"E por que eu estou fazendo isso?"

Porque preciso.

Não consigo tirar da cabeça as coisas que aquele homem confessou, as pessoas que matou por causa de um fetiche sexual doentio. Todas as noites desde que Shawn me deixou, quando fecho os olhos, vejo o rosto de Hamburg e aquele sorriso de gelar o sangue que ele abriu quando me curvei sobre a mesa, exposta na frente dele. Vejo o rosto de sua esposa, esquelético e combalido, seus olhos fundos turvados pela resignação. Ainda sinto até o fedor da urina que secou em suas roupas e no catre infestado onde ela dormia, naquele quarto escondido.

Meu peito se enche de ar e eu o prendo por vários segundos, antes de soltar um longo suspiro.

Não posso esquecer. A necessidade de matá-lo é como uma coceira no meio das costas. Não posso alcançar naturalmente, mas vou me curvar e torcer os braços até doerem para coçar.

KILLER - 2 LIVROOnde histórias criam vida. Descubra agora