Camila
Acordo devagar com um zumbido baixo e profundo, bem acima de mim, acompanhado por um som rápido e constante de vento. Minha visão está embaçada e enxergo apenas uma luz fraca e acinzentada, que de início se curva e se distorce ao atingir meus olhos. O ar parece muito úmido, as costas da minha camiseta e o espaço entre os meus seios e minhas axilas estão empapados a ponto de me fazerem sentir um calafrio terrível quando a brisa estranha me atinge. Minhas mãos estão amarradas atrás das costas, como amarrei as mãos de Izel quando ela veio atrás de mim depois que fugi no carro de Shawn. Penso nela por um momento, no modo como ela olhou para mim naquele dia, como seu cabelo escuro e suado grudava no rosto. Imagino que eu deva estar parecida com ela agora, só que meu cabelo ainda está preso em um rabo de cavalo. Logo percebo que meus tornozelos também estão amarrados.
Forço meus olhos a se abrirem completamente e luto para pôr minha visão em foco. Estou sentada em uma cadeira no meio de uma sala enorme, escura e empoeirada, em uma espécie de galpão velho.
Rio por dentro, pois vejo o rosto de André Costa na cabeça, como ele estava naquele galpão em Nova Orleans.
Tudo o que vai volta, suponho. E a vingança por todas as mortes que causei ou das quais participei está chegando mais cedo do que eu esperava.
A brisa estranha e o som de vento acima de mim, percebo agora, estão vindo de um grande ventilador industrial construído na parede, perto do teto alto. As paredes são feitas de concreto, e o teto de trilhos de metal que vão de uma ponta à outra é sustentado por pilastras compridas também de concreto. O lugar tem um cheiro forte de solvente, cola e outros produtos químicos que fazem mal aos pulmões.
Minha garganta está tão seca que dói. Meu primeiro impulso é pedir água, mas, assim como soltar a corda que prende meus pulsos e tornozelos, sei que nada que eu pedir será concedido.
Olho para baixo, sinto o peito dos pés ardendo e vejo que a pele dos dedos dos pés está dilacerada, indicando que em algum momento devo ter sido arrastada.
Passos ruidosos, como de solas duras, ecoam pelo espaço amplo quando Stephens se aproxima de mim.
Prendo um riso do ridículo daquela situação.
— Posso perguntar o que é tão engraçado? — indaga Stephens, com sua voz grave e também parecendo achar graça.
Sorrio em desafio quando ele para diante de mim, com as mãos nas costas.
— Pensei que você e aquele maluco de merda para quem você trabalha queriam me matar. — Eu rio. — Isto aqui é um pouco exagerado, não acha? — Abro um sorrisinho para ele.
Stephens dá um sorriso frio que imediatamente me lembra a expressão no rosto de Fredrik quando ele prendeu André Costa naquela cadeira de dentista. Em vez de responder, Stephens vira para a direita e vê outro homem se aproximar, trazendo uma cadeira. As pernas de madeira raspam um pouco no concreto quando ela é colocada no chão, ecoando pelo pequeno espaço que nos separa. Stephens se senta, ajeitando de maneira despreocupada seu belo terno preto, puxando a lapela e espanando uma poeira invisível da perna.
— É sério isso? — pergunto, balançando a cabeça. — Deixe eu adivinhar... Hamburg ainda quer seu showzinho. Não conseguiu comigo e com Shawn no quarto dele na mansão. Não conseguiu com o guarda-costas dele no escritório do restaurante. A propósito, fiquei feliz em saber que aquele merda morreu. Era seu amigo? — Meu sorriso fica mais evidente.
Os olhos de Stephens sorriem. Ele cruza a perna e põe as mãos com delicadeza no colo. É muito enervante como ele parece calmo e imune às minhas palavras. Mesmo assim, não deixo que ele perceba que isso me incomoda.