Camila
Saio de manhã cedo, usando o carro que Shawn deixou na garagem para o caso de eu precisar em uma emergência. Ir até a academia de krav maga de Spencer e Jacquelyn em Santa Fé não é exatamente uma emergência, mas mesmo assim é importante para mim. E não posso mais ficar parada em casa desse jeito, quando poderia estar praticando.
Estou treinando com Spencer há meia hora. Odeio o fato de ele pegar leve comigo, mas acho que ao mesmo tempo me arrependeria de pensar assim caso ele decidisse me bater com aquele punho que parece um tronco de árvore.
— Acompanhe os movimentos dos ombros — orienta Spencer, movendo-se em círculos ao meu redor, nós dois meio curvados, com os braços em guarda alta à frente.— Soque. Um. Dois. Esquerda. Direita. — Ele demonstra enquanto fala, lançando seus punhos imensos no ar diante dele.
Faço exatamente o que ele manda, de novo e de novo, para aperfeiçoar a técnica. E então o golpeio com força, mas ele intercepta e se defende com facilidade de todas as minhas tentativas.
Ele me ataca e, por instinto, me esquivo e ando ao redor dele, longos fios do meu cabelo que escaparam do rabo de cavalo presos entre meus lábios e grudados no nariz. O suor escorre da minha nuca e desce pelas costas, grudando na pele o tecido fino da camiseta preta de um jeito nojento.
Spencer me ataca de novo e eu uso algo que já aprendi, golpeando-o no meio da garganta, um lugar vulnerável, o que o faz perder o equilíbrio no mesmo instante. Parto para cima dele com velocidade antes que ele consiga se recuperar e seguro sua nuca, curvando-o para baixo e enfiando o joelho em seu rosto, uma, duas, três vezes seguidas. Ele cambaleia para trás, apertando a mão sobre o nariz. Se Spencer quisesse me machucar de verdade, não teria parado. Teria lutado contra a tontura e a dor e continuado a me bater até me matar.
— Cacete, garota — diz ele, misturando riso à voz grave, abafada pela mão. —Acho que você quebrou meu nariz.
Balanço a cabeça para ele, decepcionada por ele ter parado, embora tenha aprendido semanas atrás a aceitar que ele sempre vai parar.
— Não, acho que ele já era torto — rebato, brincando.
Ele ri de novo e tira a mão do rosto para apontar para mim com um ar ameaçador, com o olho direito mais fechado que o esquerdo.
Vou até a borda do tatame preto, onde minha toalha está jogada, e a uso para enxugar o suor do rosto. Puxando a gola da camiseta, tento me refrescar, contente por estar usando uma calça de malha preta aderente que reduz o suor.
Fredrik passa pela porta alta de vidro na entrada da academia. Não parece feliz. Ele atravessa o tatame usando um jeans escuro, camiseta cinza bem justa e um All Star branco novinho em folha com cadarços vermelhos. Não consigo decidir o que é mais imperativo: explicar para ele o que estou fazendo ou perguntar se ele acordou de manhã achando que era outra pessoa.
— Como você me encontrou? — Jogo a toalha molhada no tatame, ao lado dos meus tênis pretos.
— Por que você saiu? — pergunta ele, por sua vez.
Reviro os olhos e balanço a cabeça, olhando para Spencer, não muito longe, que observa Fredrik e a mim com curiosidade, os enormes braços cruzados rigidamente sobre o peito maciço. A mulher dele, Jacquelyn, entra no prédio pela mesma porta por onde Fredrik acaba de entrar.
Eu me viro para Fredrik.
— Quantos anos você tem? Vinte? — pergunto, correndo os olhos pelas roupas dele.
Ele fica bem nelas, admito, mas duvido que um dia eu vá me acostumar a vê-lo usando qualquer coisa além de terno. É que não consigo imaginá-lo torturando um homem até a morte usando All Star. Afasto essa imagem estranha da minha mente.