A sala de reuniões do Departamento Antidrogas do Governo Americano - DEA, em Los Angeles, mantinha um clima tenso na reunião pós-operação. O chefe da unidade andava de um lado ao outro, sob o olhar atento de seus subordinados, com um cupcake na mão enquanto era feito o relatório da operação.
Longos e exaustivos dias de investigação antecederam a operação que envolvia o flagrante de narcotraficantes. Uma combinação tática com ações pontuais e cirúrgicas foi minuciosamente arquitetada, onde pistas recebidas por informantes foram estudadas e decodificadas, direcionando- os a ocupar pontos estratégicos no local onde supostamente ocorreria a negociação e distribuição de um grande carregamento de cocaína.
Entretanto, a operação foi um fiasco.
Os agentes participantes ouviam o relator receosos. Ao se tratar de casos em que se suspeitava do envolvimento do bioquímico Sebastian Rulli, o Agente Especial Wiliam Gutierrez Levy, chefe da
unidade, normalmente imparcial e distante, transformava-se significativamente. Fúria velada e frustração eram claras no seu semblante.
‒ Não posso crer que todos esses meses de investigação nos levaram a isso ‒ apertou o cupcake na palma. ‒ Bolos. Bolos de laranja ‒ fez uma careta inconformado. ‒ Fomos manipulados, só há essa explicação ‒ juntou o pacote de bolo aos outros sobre a mesa e suspirou, controlando-se. ‒ Sabemos o que um caso desses significa ‒ ressentiu-se, internamente, deparando-se com o cunho pessoal do caso.
"É Sebastian quem me traz cocaína" podia ouvir novamente Angelique repetir no fundo de sua mente.
Wiliam esfregou a testa ansioso. Não era sensato permitir que os presentes suspeitassem de seus motivos. ‒ Significa tirar as drogas das ruas, livrar adolescentes de vícios, diminuir a violência ‒ discursou meramente retórico enquanto gesticulava com as mãos no ar, controlando, sob a máscara de frieza e indiferença, a amargura e a dor que a lembrança de Angelique despertou.
Do outro lado da sala, dois integrantes da equipe de Inteligência cochichavam entre si, um deles pondo em questionamento os motivos do chefe.‒ O Agente Especial Levy deve ter um caso mal resolvido com o bioquímico, um caso de amor ‒ zombou baixinho o agente Martin.
‒ Penso que ele foi traído ‒ acrescentou com escárnio o agente Paul.
‒ Os agentes Martin e Paul podem compartilhar conosco o assunto que os diverte? ‒ Wiliam sugeriu austero, os braços cruzados no peito, exalando intolerância e mau humor.
Eugenio, agente recém-formado integrante da Inteligência, aproveitou a interrupção e manifestou-se discretamente. ‒ Chefe, o senhor teria um tempo para mim?
Wiliam estudou o nerd de óculos por segundos, suspeitando que o assunto devia tratar-se de informação obtida ilegalmente.
‒ Dispensados, senhores ‒ avisou aos restantes, esperando que deixassem a sala.
Eugenio começou a falar ao estarem completamente a sós.
‒ Eu consegui pegar algo suspeito em uma gravação ‒ expôs, inseguro de como seria recepcionada a informação. O chefe costumava ser Caxias no que se referia a escutas ilícitas em outros casos. ‒ Um telefonema de uma das meninas de Sebastian‒ explicou, pegou o chip em sua mochila e entregou-o a ele. Wiliam deu um meio sorriso a Eugenio.
‒ Vejamos ‒ sentou-se em frente a um computador e ligou as caixas de som da sala de reunião. O som da conversa eclodiu no ambiente.
"... Florzinha, eu já disse para não ligar desse telefone".
Wiliam fechou a mão em punho ao ouvir a voz de Sebastian. Automaticamente lembrou-se de como ele gostava de apelidar pessoas com nomes de flores. Angelique apelidou de Crisântemo. Sua mãe, Lisandra Gutierrez Levy, de Líria.
"Eu precisava de alguns itens" disse uma voz de adolescente em tom rouco e arrastado. "Perto da casa do Jason tem um mercado grande. Ele pode ir comigo" propôs animada.
"Não. Você sabe que eu não quero que fique por aqueles lados. Do que você precisa, Maite?""Açúcar, farinha de trigo especial. Acho que uns cinco quilos de cada. Também preciso de laranjas, maçãs, embalagens de plástico".
Wiliam examinou a proposição, encarou Eugenio e entrecerrou os olhos com desconfiança. Açúcar e farinha de trigo no submundo do crime era gíria que se referia à cocaína. Wiliam inclinou-se com as duas mãos na mesa e continuou a sondar a conversa.
"Também quero um pouco de fermento".
Um golpe com o punho no ar foi dado por William, triunfante. Se alguém dentro da casa do bioquímico ligou pedindo o que supostamente era solvente, a droga era modificada dentro de sua propriedade, deduziu.
"Só isso?" Sebastian gracejou.
"Não" ela sorriu. "Por isso eu queria ir. Tem muita coisa para comprar. Mas vou fazer a lista e te mandar por mensagem".
"Tudo bem. Algo mais?"
"Anny manda um beijo" disse mais baixo. "Ela tá com saudade".
"Fala para ela não fazer drama. Passei o dia todo a menos de cem metros daí" retrucou brincalhão.
"Mas você não entrou em casa" reclamou carinhosamente.
"Vou tentar passar aí mais tarde e pegar vocês acordadas"
Fez-se uma pausa.
"Sebastian..."
"Hummm".
"Eu também estou com saudade de passar um tempo com você" cobrou manhosa. Sebastian suspirou.
"Eu sinto falta de vocês, mas eu preciso trabalhar... Agora tenho que ir. No fim de semana vou arrumar um tempo e levar vocês a uma matinê para dançar" prometeu, impaciente.
"Sebastian, não queremos ir a uma matinê" negou decidida. "Queremos dançar numa festa de adultos".
"Quando vocês forem adultas, pode ser que eu leve. Em primeiro lugar, vocês nem podem entrar em uma casa de festa".
"Na boate que você é sócio a gente pode" sugeriu obstinada.
"Flor..." Sebastian a censurou.
"Tá, Sebastian" desanimou-se. "Eu já cresci. É injusto. Para um monte de coisa eu tenho que ser adulta, para o que eu quero, não" argumentou.
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Recomeço
RomanceMaite cresceu rodeada de maldade, drogas e prostituição. Emergiu íntegra em meio à lama que viveu e construiu uma nova vida em que se dedica a resgatar e encaminhar viciados em drogas à recuperação. Wiliam é um homem amargo, austero, solitário. Sofr...