À noite, ao chegar cansado em casa, deparou-se com a foto dela em sua cabeceira e seu livro no criado mudo. Antes que percebesse, estava com o livro na mão, folheando-o. A leitura ganhou sua atenção e não parou mais.
Duas semanas se passaram. O silêncio em seu celular tornou-se insuportável. Queria vê-la. A saudade crescia em seu peito, junto ao desespero pela constatação. A dor corrosiva desse sentimento estranho atravessava as barreiras erguidas, lenta, mas, inexoravelmente, ganhando força a cada dia. E como um viciado, todos os dias parou furtivamente entre as árvores só para vê-la descer, conversar, depois entrar no Junior.
Não sabia o que sentia. Não tinha respostas para essa intensa condição desassociada de sensações. Sempre guardou distâncias das pessoas. Sentia-se superior por não render-se a sentimentos. O que sentia agora só podia ser um eco inconveniente de desejos promíscuos.
Certa sexta-feira, a garota seguia rumo ao portão com os amigos em volta, olhou na direção de Wiliam e suspirou dramaticamente. Um sentido em Wiliam pressentiu que ela sabia ser ele. Sem desviar o olhar, mas alarmado com a dedução, girou a chave e preparou-se para fugir.
Os passos determinados da garota em sua direção o interromperam. Inferno.
‒ Por que não vem falar comigo, Wiliam? ‒ encurralou-o acusadora ao alcançá-lo.
‒ Quê? ‒ fingiu-se de desentendido, questionando-se por que não acelerou quando teve tempo. Era desconcertante ter sido flagrado bisbilhotando-a. Agora que desculpa iria dar?
‒ Por que vem à minha escola todos os dias e não fala comigo? ‒ pressionou orgulhosa, em movimentos tensos enquanto colocava um fio solto de cabelo atrás da orelha. Ele suspirou impotente, desligou a chave na ignição, tirou o capacete e passou a mão no cabelo.
Poderia revelar que se sentia vulnerável, como nunca, além de sentir carência e solidão depois que a conheceu e não sabia lidar com isso? Não. Negaria o quanto pudesse sua fraqueza diante desses sentimentos confusos e contraditórios.
‒ Er, você não apareceu mais... ‒ conseguiu dizer diante do olhar intimidador. ‒ Eu só queria saber se estava tudo bem.‒ Mais de duas semanas seguidas?! ‒ destacou, cética. ‒ Bastava ligar. É tão difícil dizer alô? ‒cobrou séria, com sentimentos estranhos ardendo em seu coração, além de sensação de contrações no estômago.
Wiliam desviou seu olhar para o pneu dianteiro, indisposto a enfrentar aquela confrontação pessoal, ainda que soubesse que algo ali precisava ser resolvido, independente do que aquela relação fosse.
A garota vislumbrou-o uns segundos e só então descobriu que aquele incômodo que sentia no estômago todos esses dias era saudade. Queria tanto abraçá-lo. Queria beijar seu rosto, acariciar seu cabelo... Queria cuidar dele.
Resistiu o sentimento platônico e observou os conflitos expostos no semblante do rapaz.
‒ Você não vai mais aparecer? ‒ Wiliam sufocou sua arrogância ao perguntar e fez uma careta frustrada pela certificação da resposta antes mesmo que ela proferisse.
‒ Não ‒ May respondeu convicta e apertou o fichário que carregava junto a si. ‒ Minha presença era indesejável desde o início. Além disso, o que eu fazia não significava nada para você ‒ deu de ombros, conformada. O clima era bem distante entre os dois. Quase se podia sentir as ondas de desconforto no ar. O sinal tocou na escola, e ela olhou para o portão, preocupada. ‒ Aliás, seria bom se me devolvesse meu livro.
Wiliam sentia que seu tempo esvaía. E protestando contra isso, seu peito reagia ilogicamente, exigindo que não a deixasse ir.
‒ Eu o terminei ‒ revelou quase suplicante, apelando internamente que ela estendesse o convite. ‒ E sua presença não é indesejável ‒ admitiu com um suspiro, obliterando todo orgulho.
‒ Isso quer dizer o quê? ‒ a adolescente incitou-o, o coração aos poucos bombeando mais rápido pela perspectiva.
Ele olhou-a fixamente. Intensamente. Seu coração pulsou disparado e, encorajado pela receptividade franca que dela irradiava, foi compelido a falar.
‒ Que eu quero que você volte a ir... ‒ convidou-a tímido. ‒ Eu gosto, er, como posso dizer... ‒ esfregou os dedos na fronte, embaraçado. ‒ Eu gosto e quero você perto ‒ declarou solene, parando de resistir à tentação.

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Recomeço
RomanceMaite cresceu rodeada de maldade, drogas e prostituição. Emergiu íntegra em meio à lama que viveu e construiu uma nova vida em que se dedica a resgatar e encaminhar viciados em drogas à recuperação. Wiliam é um homem amargo, austero, solitário. Sofr...