Sentado em frente à lareira ornamental da mansão Levy, Carlos não lembrava a figura austera que representava a
Corte. Em seus trajes casuais, camisa pólo branca e bermuda creme; mais parecia um relaxado avô mimando o neto,
enquanto balançava um copo de vinho na mão. À sua frente, Peter rabiscava seu caderno de desenhos, observado pelo avô e Barbara, com os cabelos ruivos soltos e calça jeans com camiseta. Ela estava sentada no chão, ao lado de Peter, assistindo-o. "Pretendo ir embora amanhã, Carlos." Barbara avisou, casual. "Por quê?" "Não faz mais sentido ficar aqui." Explicou, sem olhar em sua direção. "Vou alugar uma kitinete depois irei ao Forum
informar meu endereço." "E o Peter?" Carlos perguntou. Temia não acostumar-se novamente com a solidão de sua casa depois de experimentar dois meses cheios de companhias e movimentos. "Peter vai comigo, por enquanto." No instante em que ouviu seu nome, Peter levantou o olhar do papel e olhou de um ao outro detidamente. Depois
sorriu sozinho, inclinou a cabeça novamente e olhou para o papel. "Vocês podiam ser namorados." Comentou distraído com o desenho, pegou o lápis de cor azul e pintou as formas geométricas que tinha de tarefa de casa.
Os olhos dos adultos tomaram a direção do menino, confusos. Peter continuou, como se eles não estivessem perto. "Avô e avó deviam ser namorados ou casados para o Peter poder ficar com os dois. Aliás, o Peter devia morar com todos
juntos. O tio Will, o pai Sebastian, o tio Poncho." Trocou de lápis de cor, entretido.Barbara queria que o chão se abrisse para se esconder. Sentia a pele queimar de constrangimento. Não que já não
tivesse pensado no juiz como homem. Porque já pensou. Porém, sabia que ele era superior, quase inalcançável para alguém como ela. Portanto, qualificava seu sentimento deslocado como gratidão ao juiz por sua disponibilidade em ajudar sua família, cuidar das meninas quando elas precisaram e ter se disposto a ajudá-la a sair da prisão. Também o admirava por sua tranqüilidade, inteligência e condescendência. E vez ou outra se pegava pensando nele como homem... Em como seria se sua
história fosse outra... Mas o choque de realidade mostrava sua incapacidade de ao menos iludir-se com alguém da estirpe
dele. Alguém como ele jamais se interessaria por ela. Somente policiais casados, bêbados de beira de estrada e caminhoneiros lhe deram um segundo olhar. E desde muito tempo ela excluiu esse e qualquer tipo de homem de sua vida. "Você também acha isso, Barbara?" Carlos perguntou, tranquilo, enquanto estudava o semblante embaraçado da
mulher. "O quê?" Perguntou e para ocultar a face guardou os lápis de Peter no porta-lápis. "Que os avós de Peter deviam ficar juntos." Instilou sugestivamente. Ela suspirou, encarou-o e sentiu o clima pesar.
Ele estava testando-a, ela sentiu. E sua resposta desencadearia uma série de probabilidades.
Encararam-se até que perceberam o movimento de Peter juntando os materiais, ele recolheu os lápis e ficou em pé. "Peter está morrendo de sono." Parou em frente à Barbara e lhe deu um beijo. "Boa noite, tia-avó Barbara." Ela também
levantou para acompanhá-lo. "Não precisa ir com Peter." Levantou a mão para impedi-la e caminhou até Carlos. "Boa noite, vovô." Os dois presenciaram em silêncio Peter subir devagar as escadas. Barbara sentiu o coração pulsar ansiedade. Olhou para
cima da lareira e vislumbrou a foto de Helena, como se estivesse vigiando-a. "Boa noite, Sr. Levy." Deu um passo desajeitado em direção às escadas. Carlos registrou o movimento e suspirou,
pensando nas complicações que um avanço seu desencadearia. Jogou tudo para os ares e seguiu-a antes que ela alcançasse as escadas."Podemos conversar?" Carlos propôs. Barbara parou com as vistas baixas. "Por que você não olha para mim?" "Por quê?" Torceu os lábios com desgosto. "Pelo óbvio." "Não é claro para mim. A única coisa clara para mim é a tensão entre nós." "Deixe-me subir. Não vamos estragar a amizade que conquistamos." Tentou afastar-se, recriminando-se internamente
por sua fraqueza. "Somos adultos, Barbara. Por que você quer fugir? Você me atrai." Inclinou-se e segurou seu queixo. "Diga não, apenas." "Olhe para você...?" Apontou para ele exasperada. "Eu sei onde é meu lugar." Ele deixou os dedos caírem de seu rosto. Por anos, conviveu com pessoas que se aproximavam dele por causa de seu
nome, bens e influência. E agora, Barbara, em quem via uma beleza simples e cálida generosidade, negava-o pelo mesmo
motivo. Isso era frustrante. "Se você pensa assim, não vou defender um ponto que já está sentenciado." Afastou-se um passo atrás. "Em todo
caso, eu peço que fique aqui pelo menos até quando as crianças voltarem de lua-de-mel. Depois você decide o que fazer. Seria bom ter companhia para minha filha que virá morar aqui a partir de terça." Sugeriu com um sorriso amistoso. Ela prendeu os olhos em sua boca, atraída. "Pode ser." Respondeu intimamente arrependida por ter podado todas as possibilidades. "De qualquer maneira, por hoje eu aceito sua companhia para um filme e uma pipoca." Ele rematou decidido, segurou
sua mão e puxou-a para sala de TV sem lhe dar chance de negar. Não deixaria sua falta de segurança afastá-lo. Não perderia algo precioso, quando depois de muitos anos encontrou.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Recomeço
RomanceMaite cresceu rodeada de maldade, drogas e prostituição. Emergiu íntegra em meio à lama que viveu e construiu uma nova vida em que se dedica a resgatar e encaminhar viciados em drogas à recuperação. Wiliam é um homem amargo, austero, solitário. Sofr...