Capítulo 30

358 16 0
                                    

Na madrugada daquela noite, inquieto com a ordem dos acontecimentos, Wiliam deixou May dormindo na cama e
desceu as escadas para beber água. Surpreendentemente, no instante em que cruzou o corredor que daria na cozinha, ouviu sons de cochichos de Poncho vindos do canto próximo aos armários da despensa. "É muito arriscado você voltar, seja
quando for." Poncho alertou, nervoso. Wiliam desacelerou os passos, curioso. "Lógico que não." O outro interlocutor era Sebastian, que gesticulava, tentando convencê-lo.
"De acordo com Iam, será rápido. Eu só preciso dar um tempo sumido até que me esqueçam e me desvinculem de tudo." Wiliam franziu o cenho confuso com o tema discutido. Não era certo ouvir conversas particulares escusamente, no
entanto o assunto lhe interessou. Ouviu mais algumas frases sussurradas e abriu a boca desconfiado.
Agora que sabia que Poncho era cúmplice no caso Angelique, em que mais estaria metido? Perguntou-se atordoado. Será
que seu irmão foi corrompido? Wiliam fechou os olhos e encostou o topo da cabeça no portal, debatendo-se se os
confrontaria ou não com o assunto.
Mas e se Poncho fosse mesmo cúmplice de Sebastian, o que poderia fazer? Até seu pai deu abrigo a um fugitivo!
Portanto, quem era ele para fazer julgamentos ou intrometer-se em assuntos que não era da sua incumbência? Iria complicar mais a sua vida fazendo caso de algo que não tinha nada a ver com ele?
Obviamente não.
Poderia muito bem agir egoistamente e denunciar Sebastian como fugitivo à Justiça. Assim, Peter não teria que ir
embora, e sua mulher poderia ficar em paz com o garoto. Por outro lado, Wiliam sabia que magoaria Angelique, magoaria Barbara, magoaria principalmente May com essa perfídia. As duas famílias estavam tão intrinsecamente ligadas que qualquer novo ato seu de traição atingiria todos. Portanto o correto era nada mais que fechar os olhos para Justiça.
Resolvido a ignorá-los, Wiliam deixou o esconderijo fazendo barulho para que os dois advertissem sua presença e
dirigiu-se ao purificador de água.

"E ae?" Cumprimentou-os indiferente, apertou o botão do filtro de água gelada e olhou de canto para os dois, que
surpreendidos olharam um ao outro. "Oi... Estava, er, me despedindo de Sebastian." Poncho deu uma evasiva claramente embaraçado.
Embora o flagra sugerisse obscuras intenções, não permitir-se-ia ser pressionado por Wiliam, pensou Poncho,
principalmente porque precisava usar a verdade de acordo com as conveniências e necessidades da causa em que trabalhava. "Tô subindo." Evadiu-se rumo às escadas, deixando Sebastian na cozinha.
Sebastian permaneceu onde estava com os braços cruzados no peito, observando, impávido, Wiliam, que encheu mais
um copo com água tranquilamente e sentou-se sobre o balcão de mármore, em silêncio. Ambos se encararam inexpressivos, sem ódio, sem hostilidade. Wiliam foi quem quebrou o silêncio. "Desculpe-me, Sebastian." Disse impulsivamente, sabendo que não teria outra oportunidade como esta. E pensava, agora, que às vezes uma palavra dita, uma pequena satisfação, consertava mágoas profundas. É óbvio que julgava ainda ter motivos para manter-se desconfiado e em reserva, mas entendia que seus motivos eram infundados e totalmente egoístas,
pois se baseavam em acontecimentos presentes, referente à May e Peter, por isso sentia que o pedido de desculpas pelo passado de mal-entendidos era obrigatório. "Por toda a perseguição." Explicou. "E... por não ter estado ao seu lado." Pediu sinceramente, olhando contrito para o copo que apertava na mão. "E... obrigado por ter salvado minha irmã." Adicionou com um suspiro satisfeito consigo.
Sebastian franziu o cenho impressionado com sua atitude e sentou-se de guarda baixa à mesa, observando curiosamente o cunhado que tinha iniciado a noite bem hostil e que agora o surpreendia. Para ele, Wiliam ainda era o mesmo garoto de anos atrás, quando era um menino desconfiado e arredio. O garoto que Sebastian tinha se importado e tomado por amigo. Lamentava muito pelo que os anos fez com eles ao obrigá-los a traçar caminhos diferentes.

Por que, diabos, Helena teve que se interpor entre ele e Angelique? Por que Angelique optou pelo caminho mais fácil, que era a fuga de problemas? Por que um desastre tão grande aconteceu entre eles para separá-los por tantos anos?
Sebastian não acreditava que a perseguição do amigo iria se aferrar por densos anos. Não pensou que a teimosia iria terminar em um casamento forçado com sua irmã. Mas surpreendentemente aconteceu, apaixonaram-se, e hoje os dois estavam aqui, para começar a partir daqui uma nova etapa em suas vidas.
E no íntimo, Sebastian condenou-se por não poder confiar em Wiliam, mesmo agora. Se não fosse pela segurança dele
e sigilo da operação, não o deixaria sofrer a incerteza. Porque poderia dizer do que fugia, ou em que estava metido.
Não pensou que um dia voltaria a desejar ser próximo a Wiliam, mas desejava. E, contudo, o admirava, com todos os
defeitos. Admirava sua persistência. Admirava mesmo sua teimosia. Principalmente o admirava pela humildade de admitir seu erro e pedir desculpas.
Queria poder reconquistar sua amizade. A ruína dessa amizade foi uma chaga que lhe doeu por anos, além de todo o
sofrimento da ausência. É óbvio que se sentiu traído quando Wiliam negou-se a confiar nele, mas agora que Angelique lhe
contou o porquê de Wiliam ter atribuído a culpa a ele, tinha mais era que perdoar o cunhado por todas as tolices e
perseguições. Mais que isso, o motivo para Sebastian querer vingar-se do chefão costas-largas do tráfico na Califórnia avultou.
Iria fazê-lo ficar impotente, sem saída. Não haveria negociações, subornos, compras de sentenças. Seria seu fim, e ponto.
Por outro lado, Sebastian tinha outra opção: continuar colocando Wiliam a borda, sem de fato revelar-lhe. "Esquece isso, Wiliam." Disse por fim, depois de um longo silêncio. "Você também errou, Sebastian." Wiliam acusou sem preâmbulos. "Seu erro foi grotesco com alguém que sempre foi
leal a você. Alguém que nunca te questionou ou julgou. Que teve como objetivos primários encaixar-se, ser aceita, cuidar e proteger... Era elementar que ela estivesse a par da maternidade de Angelique." Expôs com neutralidade

RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora