Capítulo 31

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Embora o vazio e solidão fossem imenso, Wiliam decidiu levar sua vida à frente. Como nos últimos anos tomou
decisões por motivos errados, onde não foi senhor de suas decisões, tinha que recomeçar pelo jeito certo, ver onde errou e por de volta a vida no eixo. Sua primeira atitude foi pedir que limpassem o antigo laboratório de sua mãe dentro da
propriedade da mansão Levy. E enquanto a reforma de seu apartamento ainda se seguia, ele ficou na casa do pai, comprou
aparelhos modernos para o laboratório fechado há mais de seis anos e passou a ocupar seu tempo livre pondo em prática
seus conhecimentos em Química.
Em principio, ele começou despretensioso, só para matar o tempo. Testou seus conhecimentos com sabonetes, aromatizantes. E o que o inspirava a desenvolver era o perfume de May que ainda enchia o ar do quarto, impregnado travesseiro, no banheiro, nas roupas. Os primeiros dias de vazio e distância foram difíceis, mas as correspondências iniciais o
deixaram otimista.
De: Tio Will
Para: Flor de Lótus
Olá, florzinha. Sinto sua falta. Se eu pudesse pedir algo essa noite, pediria que você estivesse aqui para assistirmos TV juntos, caminharmos pela praia, conversarmos... Mas enquanto sinto sua falta, ocupei o tempo livre fazendo experimentos simples no laboratório. Quando não estou no trabalho, estou no laboratório em casa. Pelo menos assim tenho menos tempo de sentir sua falta.
Sabe aquele livro fictício sobre qual menti um dia que iria escrever? Comecei a rascunhar algumas páginas.
Nada com muitas pretensões. É somente por passatempo, hobby. Dizem que um homem só é completo quando planta uma árvore, tem um filho e escreve um livro. Árvore eu já plantei. O livro eu estou rascunhando, e o filho... Espero que um dia você me dê.
O título é: Recomeço. Porque recomeçar é o que eu estou vivendo. Recomeço é rever onde se errou e traçar novamente um caminho. Isso dói. Mudar tudo dói. Mas estou conseguindo. Inclusive estou pensando em investir profissionalmente na vida que deixei para trás há quase sete anos. A carreira de químico. E você? Como vai? Faça algo por você também.

PS.: ‭Sinta-se miserável sem mim, porque estou morrendo sem você.‬ ...
De: Florzinha
Para: Tiozão
Olá. Aqui é lindo. Terra dos cangurus. Estou feliz com o fato da língua oficial ser inglês. E o país tem como rainha Elizabeth. Imagina onde estou? Bom, estou estudando. Fazendo uma aceleração e em alguns meses, quando
completar dezoito, faço provas eliminando o secundário. E sabe qual a parte boa? Uso o nome de casada.* M.L.* Gostou? Soa tão bonito! No mais, aproveitei e me matriculei em um curso de aperfeiçoamento em pintura.
Quanto a P., ele sentiu o baque da mudança de escola, de professores, amiguinhos... Consequentemente
ficou mais apegado a mim. Mas devagar, está se adaptando. Por outro lado, a relação dele com ela está na mesma.
Eu sinto muito por ela. Por fim, sinto saudades de você.
PS.: A praia daqui lembra ao local da nossa lua de mel... O que me faz pensar muito em nós. ...
O tempo pareceu arrastar para ele. Dias transformaram-se em semanas. Semanas em meses. E, no decorrer dos dias,
sempre que tinha um tempo Wiliam ia ansiosamente a pontos de Cyber café diferentes trocar e-mails.
Surpreendentemente, um abençoado entorpecimento abrandou sua dor. Uma espécie de anestesia emocional que o
impedia de sofrer ou deliberar sentimentos frustrantes. Era como se tivesse se aberto um hiato no tempo.
Certa manhã, Wiliam pedalava pelas ruas de Los Ângeles sob um tranquilo sol de domingo, passou em frente à igreja
que May frequentava e parou embaixo da árvore que costumava ficar para ver May com Peter. Foi nocauteado por uma
corrosiva nostalgia e sentou-se no meio fio. Presenciou o momento em que Daniel saiu, juntou-se animado a outros jovens e
entraram num carro. Wiliam suspeitou para onde iriam e imediatamente montou na bike, seguindo-os pelas ruas de Los
Ângeles. Chegou a tempo de vê-los iniciar o trabalho da pastoral. Consistia em conversar com decadentes viciados, alimentar, recolher.
Wiliam franziu o cenho uns segundos, com a saudade de May aumentando e machucando.

Era tarde, mas só agora deu atenção a algo que para May era tão importante. Ela amava fazer aquilo. E nunca quis aplausos ou reconhecimentos. Fazia por gostar. Gostar de fazer o bem. "Pai, o senhor tem visto a Barbara?" Perguntou logo que voltou para casa, encontrando seu pai na sala lendo um livro.
Tudo tinha mudado ali. Silêncio, sem Peter e May. Restou somente vazio e solidão. "Sim. Vi ontem, e hoje irei almoçar com ela. Por quê?" Ergueu os olhos curiosamente. "Eu preciso falar com ela urgente." Avisou ansioso e sentou-se ao lado do pai no sofá.
Carlos assentiu, fez a ligação solícito e passou o aparelho para Wiliam. "Olá, Barbara." Wiliam cumprimentou-a. "Olá, Wiliam. Tudo bem?" Questionou ansiosa. "Sim." Respondeu e foi direto ao ponto. "Barbara, você estaria disposta a fazer aqueles bolinhos que May fazia?" No sábado seguinte, Wiliam encheu seu SUV de mantimentos e seguiu para a casa de recuperação que May prestou
serviços voluntários. Foi um observador comedido, com silenciosa contemplação, entretanto sentiu-se feliz pelo pouco que
fazia. Qualquer felicidade era melhor do que não ter nada. Principalmente porque estar lá evocava lembranças de May. Era
como se ela estivesse lá. Podia imaginá-la sorrindo, conversando. ...
...Sabe, florzinha, existem diversas formas de vícios. Eu fui viciado. Recebia doses diárias de amargura, que era o que alimentava o meu vício na vingança sem causa. 'Hoje sei que violência gera violência, revolta gera revolta, só o amor nos cura. O perdão anula tudo'.‭ ‬
Quanto à família, Anny vem para Los Ângeles todo fim de semana. Poncho é um marido bobo. Os dois ainda
nos fazem rir muito. Ela está uma grávida linda. Super bajulada por Poncho. Barbara mudou daqui quando vocês se
foram, mas está saindo com meu pai de vez em quando. E eu suspeito que os dois estejam bem envolvidos. Ah, vou voltar para o apartamento. A reforma terminou. Saudades.

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