Capítulo 25

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Despedir sempre foi difícil. Despedir nessas circunstâncias um pouco pior. Ficaria a incerteza, insegurança e culpa,
maldita culpa. A fugaz alegria de não perdê-la duelava com infinita insatisfação. Tinha consciência que precisava ir embora e lhe dar espaço, mas a necessidade de mantê-la cativa era maior que qualquer prioridade, ou senso prático.
Após algum tempo deitados abstraídos no sofá, ouviram o barulho de carros estacionando, ela sentou-se retesada,
esfregou os olhos e ajeitou o cabelo. Olhou-o ainda com mágoa, a seguir disse com a voz rouca: "Espero que esse, er... acordo fique entre nós." Pediu sem emoção. Ela pensou que se escondesse dos outros os termos abjetos do arranjo, poderia manter seu orgulho intacto.
Wiliam queria dizer algo antes de deixá-la subir, talvez beijá-la e insistir que a amava. No entanto, decidiu que por
hoje pressionou-a demais. Deixou-a no pé da escada e caminhou para a saída.
No dia seguinte, domingo, depois de um sono perturbado, ele sentia-se inquieto em sua própria casa. Queria ver May. Mas não queria sufocá-la. Devia lhe dar tempo para digerir os acontecimentos. Portanto, passou o dia vendo TV, sozinho... Como foi nos últimos anos.
Por um instante, enquanto olhava o ambiente de cores sóbrias e decoração masculina de seu apartamento, lembrou-
se que certa vez May disse que pintaria as paredes de rosa-shock. Também lembrou que uma vez ela disse que faltava um cachorro na casa. Seria interessante começar a vida a dois satisfazendo suas vontades, pensou.
Segunda-feira o incômodo do fim de semana o perseguiu. Não podia continuar como estava, com a vida a passar diante dos olhos. O conselho de Poncho serviu para fazê-lo enxergar e agir. E a volta forçada com May o incitava a se dar um
rumo, tomar decisões sérias, em oposição à horrível apatia que viveu nos últimos tempos.

Sua primeira ação foi ir à corregedoria da DEA denunciar Rachel por assédio sexual e se dispor a ser atendido por outro profissional. Isso além de registrar uma queixa contra ela no Conselho de Psicologia. Também se ocupou com papéis e parte legal de um casamento com menor. Simultaneamente respondia na Justiça Federal por crimes cometidos no exercício da função.
No quarto dia após fazer a proposta a May, ela mantinha-se distante, apegada ao forte hábito de esconder o que
sentia, sempre com sinais de tensão e hostilidade na postura rígida quando o via. E foi assim que reagiu quando ele fez o anuncio do casamento na casa do pai e colocou no dedo dela a aliança que tinha comprado com o nome dele gravado no
externo, uma proclamação que ela lhe pertencia. Ela recebeu com atitudes mecânicas e frias. No entanto, ele surpreendeu-se quando durante o jantar captou pelo canto do olho ela analisar minuto após minutos o grosso anel no dedo furtivamente.
Tempo, Wiliam decidiu enquanto a observava. Poncho estava certo. Só o tempo fortaleceria os laços frágeis.
Os jantares nos dias seguintes seguiram tensos. Ela mantinha-se quieta, sempre solícita, educada e atenciosa com todos, mas conversando o menos possível na presença de Wiliam. Todo tempo o isolava ou fugia de contato. As intimidades
correspondiam a toques roubados e beijos frios nas despedidas e chegadas.
Carlos não entendia por que sempre que Wiliam chegava, May perdia completamente o humor e ficava silenciosa.
E, certa noite, logo que Wiliam saiu, levou-a a biblioteca e resolveu abordá-la. Ela relutou inicialmente em revelar, depois
compreendeu que só ele poderia ajudá-la, então expôs com toda cautela a insidiosa chantagem. Paralelamente pediu a ele,
tutor provisório, que a auxiliasse, conduzindo-a ao juizado para testemunhar em favor de Wiliam na acusação de corrupção de menor. Ela tinha esperança que, se absolvido dessa acusação, Wiliam desistiria da idéia do fatídico casamento. "Isso não será possível, criança." O juiz tentou dissuadi-la, perplexo com tudo.

"Mas por quê?" Ela teimou chateada por não poder contar com ele. "Eu realmente induzi Wiliam a crer que eu tinha uma vida sexual ativa. Eu o enganei." "É errado mentir em juízo." Advertiu. "E você se engana se acha que Wiliam vai desistir de casar com você por isso." Avisou decepcionado com o filho.
Todavia, depois de muita insistência de May, no dia seguinte ele a levou ao Juizado. Wiliam compareceu a mais uma audiência no Fórum, local onde várias Varas funcionavam, e quando saía da sessão a qual testemunhava contra Julian, surpreendeu-se ao notar no corredor o pai em uma porta. Aproximou-se curioso, e sua suspeita cresceu ao registrar May, vestida de saia preta e camisa escura, sentada de costas para a porta, usando saltos altos de bico fino e cabelo preso num coque. Completamente formal.
Aquela não parecia nem de longe sua May, pensou chateado. Ela vestia-se para parecer mais velha. "Oi, pai." Cumprimentou baixo. "O que May faz aqui? Algum problema com a mãe dela?" Perguntou preocupado ao
vê-la conversando com uma juíza enquanto a ajudante colhia seu testemunho. "A víbora não concordou em assinar a autorização para o casamento?" Carlos torceu os lábios, olhou desaprovadoramente para o filho e puxou-o pelo braço para o corredor. "O que você pretende fazer?" Apontou discretamente para dentro da sala. "Você a chantageou a casar com você, ainda usou meu nome!" Wiliam cerrou os olhos surpreso que o pai soubesse, já que o combinado foi ocultar, e compreendeu que tinha que convencê-lo de suas boas intenções. "Se eu não fizesse isso, ela não casaria comigo." Defendeu-se, inflexível. "E você acha que está certo?" Franziu o cenho incrédulo, depois deixou os ombros caírem, aborrecido. "O erro foi meu em sempre lhe dar tudo que queria. Hoje você é um mimado impulsivo. Não consegue ouvir um não." "Não se trata disso, pai." Balançou a cabeça, negando. "Eu a amo." Aclarou com humildade. "E tenho que ter um meio
de mantê-la próxima a mim." Carlos oscilou, quase comovido e encarou-o pensativo.

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