Capítulo 15

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Por ser a última semana de férias, May curtiu naquela manhã de sexta o último dia do curso intensivo de pintura que fazia com Peter. Mais tarde, sentou-se com Peter no banco do jardim de sua casa e tocaram a nona sinfonia de Beethoven na flauta, fazendo um dueto. Peter podia ser somente um iniciante, mas acompanhava o ritmo com desenvoltura. Desde que May trocou de Psicóloga, esta lhe pediu que praticassem atividades cognitivas que estimulassem Peter a comunicar-se com o externo, fosse por meio da música, ou por meio da arte, atos que certamente exporiam suas emoções. Logo, May passou as férias se dedicando a isso.
Sorria para o garoto, sentados borboleta um em frente ao outro, quando foi interrompida por Any, que chegou ofegante ao jardim.
"May, tem um homem lá dentro falando sobre você com a minha mãe." Disparou num fôlego só. May parou de tocar e ergueu o olhar, curiosa. "Quem?"
"Não sei. Mas não se preocupe. Não deve ser ninguém da parte de sua mãe. Esse tem jeito de fino, intelectual, rico. Ele chegou de motorista."
"Fica aqui, bebê, que May vai ver quem é." Deixou a flauta e as cifras no banco, pegou na mão de Any e caminharam em passinhos leves até o corredor próximo ao local onde Barbara recebia o homem.
"Você poderia ir também, se fosse o caso..." Ouviu uma voz serena. Colocaram mais a cabeça ao lado da porta e espiaram de quem se tratava. Era um homem louro e alto. May teve uma vaga impressão de conhecê-lo. Ele continuou. "...Não há porque negar. Ela estará sob minha responsabilidade." Argumentou com um sorriso torto, charmoso e familiar. Imediatamente May o reconheceu, em choque.
"Por que seu filho não veio com o senhor? Eu ainda não o conheço." Barbara perguntou de uma forma contida, parecia sem jeito.
"Porque ele está na Capital do país, fazendo curso."
"Ah, May nunca fala dele." Refletiu. "Um dia ela disse que iria trazê-lo para jantar, mas ele nunca apareceu. Crianças..." Sorriu
"Será que ela vai negar?" May sibilou no ouvido de Any. "Ele é o pai de Wiliam. Deve ter vindo me convidar para algo... Engraçado, Wiliam não me avisou nada."

"Pelo jeito ela já negou." Any respondeu com uma torcida de lábio.
"Ah, não, eu quero ir." Resmungou e cruzou os braços, chateada pela negativa da tia. "Mas você nem sabe direito o que é." Any argumentou com um cochicho.
"Deve ser algo importante para Wiliam ter mandado o pai vir pessoalmente."
Barbara continuou o assunto, mas não sem antes dar uma disfarçada olhada para a própria roupa, ficando automaticamente embaraçada ao perceber que vestia roupas caseiras, um short de lycra e blusa regata. Sem jeito, encolheu-se no sofá e pôs uma almofada sobre as pernas, continuando a conversar.
"... Ele deve estar preocupado com o que vai encontrar aqui. Adolescentes sempre ficam receosos... O problema é o irmão dela. Este é muito ciumento."
O pai de Wiliam pareceu desconfortável com o assunto. May imaginou o porquê. Tia Barbara estava referindo-se a Wiliam como se ele fosse um adolescente.
"Eu até aprecio o senhor ter vindo aqui pedir, pois recentemente a bonitinha simplesmente foi dormir na casa de vocês e nem mesmo me pediu. Mas dessa vez eu não posso deixá-la..." Ao pressentir a negativa aparentemente incontestável da tia, May tomou fôlego, obrigou-se a sair do esconderijo e atravessou a sala. "Oi, tio!" Pôs o braço em volta do pescoço do juiz espontâneamente e lhe deu um beijo no rosto, como se conhecesse há tempos. Ele foi pego de surpresa, segurou em suas costas e olhou-a com o cenho franzido. "Como vai o senhor?"
"Vou bem." Respondeu no automático e deliberadamente avaliou-a com olhos cerrados. A menina usava um shortinho amarelo de ficar em casa, um top vermelho e os cabelos amarrado em rabo de cavalo. O juiz não acreditou que Wiliam fora capaz de envolver-se com aquela criança.
"Então, o Wiliam mandou me buscar?" Perguntou com confiança e não o esperou responder. "Eu já vou arrumar minhas coisas." Afastou-se e fez menção de subir a escada.
"May... " A tia interrompeu-a. "Mas eu não deixei v..."

"Por quê?" Contrapôs determinada. "Eu já até durmo com ele. Não vejo porquê você negar que eu vá com o pai dele." Argumentou dócil. Carlos abriu a boca perplexo com o que ouviu no meio e novamente avaliou-a, descrente de que Wiliam tivesse... Deus, seria possível?
"Você está sob minha responsabilidade." Barbara explicou calma. "Você é menor e não pode simplesmente viajar com... "
"Viajar?" Interrompeu boquiaberta, entre chocada e assustada, fitando o juiz, que observava com incredulidade cada uma das expressões obstinadas a frente. Conturbado, ele dizia para si que só fazia aquilo para dar um voto de confiança a Wiliam , mas encontrava-se atônito ao deparar-se com a situação real. Deus, uma criança! Resolvida, mas ainda uma criança.
Após recuperar-se do susto de ser convidada para uma viagem, May voltou ao tema, decidida. "Por que não posso viajar? Você sabe que, teoricamente, tenho idade para cruzar o continente." Teimou, sem dar chance de refutação, recebendo no mesmo instante um olhar reprovador de Barbara.
May sabia que, para a tia, o problema não era sua idade, mas sim, o fato de sair com um estranho. Por mais que Barbara quisesse não desconfiar do homem que exalava seriedade a frente, temia confiar nos homens, no geral. Para ela, quanto mais poderosos, mais subjulgavam meninas novinhas e inocentes. Com seus 34 anos, já viveu tempo suficiente para adquirir experiência nesse campo.

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