Sons distantes. Pressão na cabeça. E a voz. Aquela familiar voz. Ouvia-a sempre nos delírios da mente. Não. Não só em
delírios. Era mais além, gravada em seu interior, como se fizesse parte de sua alma. Queria recordar de onde a conhecia, compreender o que a voz suave e terna dizia.
Travava uma luta com a escuridão para quem sabe mantê-lo próximo. Não. Não queria que ele se fosse novamente.
Era a voz de um homem. E muito adiante percebeu que ela lhe despertava sentimentos aprazíveis. Era naquela voz que se segurava e lutava para romper a barreira do vazio e escuridão.
Seus olhos finalmente se abriram, acordou do sono profundo e pode conhecer o dono da voz. Ele sorriu. E algo no seu olhar denunciou frustração ao perceber que não foi reconhecido. Queria lhe dizer que ele não fosse embora. Queria-o perto, confiava nele. Conhecia-o, ainda que não lembrasse de nada além da sua voz.
Nos dias seguintes, dias longos, notou preocupação e tristeza em seus olhos. Sabia que ele sofria por ela não
conseguir se comunicar ou se lembrar dele... Será que ele se ia, por causa de suas debilidades?
Ele estava sempre próximo, sempre a tocando, sempre a acompanhando nas fisioterapias. E em sua mente
entorpecida, queria enfrentar a dormência dos ossos atrofiados, a languidez do corpo adormecido para que ele não se fosse, pois seu mundo passou a existir desde que rompeu a escuridão e encontrou-o.
Via tantos sentimentos desconhecidos naqueles olhos. Afeto. Veneração. Preocupação. Não podia revelar. Mas o
amava dia após dia. Sentimento tão grande que doía.
No seu organismo, a ansiedade, fissura, ia e voltava. E fazia seu corpo tremer. Depois era acometida por sonolência. E
por fim, o choro. Ah, o choro. Doía chorar. Não sabia por que chorava. Sabia que algo se perdeu no tempo. Estava perdida na memória e a única coisa a qual se apegava era a ele. Ao sorriso. Ao rosto daquele homem, forte, de olhos dourados.
Será que o amava desde sempre?Graças a ele, com o passar dos dias os aparelhos de monitoramento não eram mais preciso. Mas os remédios, os
malditos remédios, eram imprescindíveis toda vez que seu corpo se debatia e tremia na cama. E só ele conseguia abrandar a ansiedade e depressão quando autorizava a injeção daquele líquido em seu braço.
Ele era seu herói. Seu protetor.
Sonhadora, ela olhou para o jardim, contemplando o verde e flores, com a fisioterapeuta empurrando sua cadeira de
rodas e finalmente o encontrou. Usando seu habitual jaleco branco, ele sentou-se no banco do jardim e pegou sua mão.
Passaram um tempo juntos, tempo em que ele falava de coisas incompreensíveis, como o nome Peter, a cidade Los Ângeles, então depois de um tempo seu telefone tocou.
Percebeu a ânsia em seu rosto quando gesticulava segurando o móvel, ele olhou-a por minutos intermináveis e
suspirou, com semblante infeliz. Seu príncipe chorava quando se ajoelhou próximo a cadeira, tocou sua mão dormente e a beijou, fazendo-a compreender só segundos depois o que queria dizer. "Temos que ir para casa, meu amor." Sussurrou. ...
A sala de inteligência ultimamente era praticamente sua casa. De dia cumpria expediente e, à noite, as horas furtivas
em frente aos aparelhos de escuta consumiam grande parte de suas horas. Evitava assim levantar suspeitas de seus colegas. O que eles diriam quando soubessem que um dossiê embasado em provas irrefutáveis levantadas sob autorização judicial era argüidas por um novinho nerd e invisível?
Naquela madrugada de terça, encontrava-se tão compenetrado que nem mesmo viu as horas passarem. Por isso, após quem sabe o décimo café, reuniu todos os arquivos que juntou, pôs em sua mochila, fechou a porta da sala de Inteligência e caminhou pelo corredor, sendo automaticamente atraído pelos sons de conversa que saíam da sala de Julian, às sete da manhã. "Eu não entendo por que você quer armar isso. Você sabe que seu pai não concordará." Era a voz de Julian. Mas o
que o surpreendeu foi a resposta da interlocutora."Eu o quero." Foi a psicóloga da Agência quem respondeu. "O único jeito de ganhar a confiança dele, é estando ao seu
lado quando o mundo lhe virar as costas." "E onde a prisão delas entra nisso?" "Eu tenho que ter estratégias para separá-los. Busque o que você tiver para incriminá-las. Implante provas. Cave o
passado." Determinou. "Tá. E quanto a Emily? Ela não é de confiança. Ela irá para o lado que vender notícia. Inclusive ela está com medo de
nos liberar as fotos depois que o juiz ameaçou-a." Julian alertou-a. "Você não entende, Julian." Acusou nervosa. "Eu tenho que me acercar de todos os meios. Se a menininha perdoá-
lo por prender o irmão, com as fotos soltas a Justiça exigirá que ele se mantenha longe dela, por ela ser menor." Disse maquiavélica. Eugenio encostou-se na parede e atentou os ouvidos. "Por quê?" Rachel respondeu com um suspiro. "Eu o amo. Simplesmente isso." "Seu problema é orgulho ferido por ele estar com uma menina mais nova." "Mais nova?" Refutou ofendida. "Ela é um bebê. E não. Não é orgulho ferido. Eu sei que ele está usando-a para atingir
Sebastian. Nós somente iremos ajudá-lo no trabalho." "Mas você não se importa do seu Wiliam ser indiciado?" "Se for preciso... De qualquer maneira, o pai dele é poderoso. Não vai permitir que ele sofra as conseqüências.
Entretanto..." Sorriu diabolicamente. "Serei eu quem estará lá a consolá-lo. Serei eu a psicóloga do Estado designada a cuidar dele. Coitadinho." Ironizou.
Julian sorriu com ela, mas ele tinha seus próprios planos reservas para livrar-se do tenente.
Eugenio entrou em outra sala para continuar ouvindo, quando Rachel continuou a falar. "Esse chip foi decodificado. Nele tem todas as informações que você precisa. Consiga um mandado e espere o momento certo para prender Sebastian. Faça de
um jeito que Wiliam esteja presente." "Okay, madame. Mas e seu pai?" "Ele não precisa saber, por enquanto." "Depois disso, você promete convencer seu pai a me deixar sendo oficialmente o chefe da DEA, não é?"
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Recomeço
RomanceMaite cresceu rodeada de maldade, drogas e prostituição. Emergiu íntegra em meio à lama que viveu e construiu uma nova vida em que se dedica a resgatar e encaminhar viciados em drogas à recuperação. Wiliam é um homem amargo, austero, solitário. Sofr...