Depois de ouvir de seu pai um discurso moral sobre como seus filhos davam trabalho mesmo adultos, Wiliam foi liberado ― como um adolescente que vive sob o teto do pai―, para ir ao passeio programado. Isso após prometer que seria discreto, que não se exporia em público e nem faria novas demonstrações de posse, como no dia anterior... Wiliam comprometeu-se.
Com mais um motivo de preocupação, causado pelos inconseqüentes recém-casados, Wiliam mergulhou em sua introspecção pelo tempo seguinte em que caminharam nas ruas. Para ele, por mais que quisesse estar feliz e viver o momento, o desassossego era como uma larva que rastejava para sua mente. Uma tormenta cansativa e repetitiva, a qual ele almejava sobrepor. Mas a impotência o impedia de solucionar.
Seguiram silenciosos por algumas ruas olhando vitrines. Com os braços cruzados no peito, May observava-o de canto de olho vez ou outra, tentando desvendar pela matiz do seu rosto o que o preocupava. Não dava para saber o que sentia. Parecia distante. Queria ter um barômetro para medi-lo, já que ele mudava tão rapidamente.
Depois de um tempo de silêncio, já cansada do afastamento emocional dele, May resolveu interromper o silêncio. "Será que o casamento irá acontecer?" Perguntou enquanto desviava seu interesse para uma vitrine.
"Acredito que sim. Poncho deve manter a cerimônia social hoje e depois resolver questões legais. Se ele quiser, nem precisa falar com Maria sobre o ocorrido. Seria melhor deixar o assunto para depois, quando esfriar."
"Você acha que ele deve mentir para ela?" Especulou naturalmente.
"Não, exatamente." Fez uma careta ao perceber a semelhança de situação. Ambas tratavam de mentiras. "Só acho que, se ele quer mesmo casar, esse ocorrido não vai mudar nada."
"É sério que você pensa isso?" Questionou e inclinou-se para olhar uma sandália no manequim. "Que não vai mudar nada ele ter transado com outra? Ter se casado com outra?""Para eles, não. Eles têm um relacionamento adulto. Têm seus meios de ver as coisas. Eles consideram as coisas fáceis de resolver. Não vêem tudo pelo lado romântico, mas pelo lado prático." Deu de ombros, indiferente.
"Ah, entendo. Coisas românticas são coisas de adolescentes sonhadores que não sabem de nada da vida." Suspirou um pouco desencantada. "Gosto dessa roupa." Apontou para um vestido de alças longuete verde bebê, justo, com bordados de renda na barriga e busto.
"Não está muito..." Moveu as mãos no ar, buscando palavras. "Juvenil?"
"Adolescente, você quer dizer?" Pegou em sua mão e afastaram-se daquela vitrine. "Escolha você, então, o que quer que eu vista." Propôs com um dar de ombros, olharam mais alguns vestidos pelo vidro e ele apontou para o segundo andar da boutique, mostrando lá um modelo no manequim.
"Aquele é bonito." Era um vestido verde musgo, longo, de alças, com as costas nuas. Por algum motivo May achou que aquele modelo parecia-se com o que a doutora usava na noite anterior.
"Tem certeza que está escolhendo para mim?" Apontou incrédula para o vestido.
"Aquele ali também é bonito." Não prestou atenção em seu tom de voz e mostrou um vestido vinho, também de alças, mas dessa vez não tinha decote nas costas. Era liso e simples.
"Vamos entrar, Wiliam. Quero ver o que mais você escolheria para mim." Puxou sua mão e entrou. A seguir, uma série de roupas foi exposta. Vestidos longos e escuros, saias lápis, vestidos tubinhos pretos, terninhos. Ao fim, com um suspiro triste, May sentou-se cansada no sofá e pediu o vestido verde bebê da vitrine. "Eu vou levá-lo. Não preciso experimentar. Me dê um tamanho p" Indicou com a voz inanimada.
Wiliam pagou a conta, pegaram a embalagem e saíram. Lá fora, após ver a expressão desentendida no rosto dele, viu- se obrigada a se explicar o porquê de sua escolha. "O casamento é de dia. Posso usar roupas claras."
"Não sei por que você pediu que eu escolhesse, se já sabia o que queria." Comentou sem humor."Você não entende, não é?" Parou e acariciou seu rosto, compreensiva. "Não entende que eu gosto de ser quem eu sou. Tenho dezesseis anos e nada muda isso."
Ele não disse nada para contestar sua assertiva, mesmo percebendo um traço de desapontamento. Seguiram para um restaurante francês, fizeram seus pedidos, e ela ficou calada, pensativa... Talvez, se ele a amasse, não teria vergonha de deixá-la ser quem era. Às vezes tinha impressão de que ele queria que ela fosse diferente. E isso piorou com o sermão do pai hoje sobre os filhos, a idade dela e exposição.
Por instantes, enquanto comia sua salada, observava-o meditativa. Por que se apaixonou por ele tão facilmente? O que ele tinha que lhe ganhou? Talvez porque em sua visão indulgente, idealizou que ele fosse frágil, carente. Quando o viu a primeira vez, teve vontade de colocá-lo no colo, e então vigiar o seu sono, só para expulsar os fantasmas que o assombravam. Mas então descobriu o paradoxo que ele é. Como alguém podia ser tão desigual? Uma fragilidade duelava com fortaleza. Como exemplo, quando imobilizou aqueles ladrões no shopping. Ali não viu receio, a não ser um olhar felino de defensor. Ele é confuso.
"Daria o mundo para saber em que você pensa." Ele estendeu a mão sobre a mesa e tocou o seu rosto carinhosamente.
"Penso em você." Sorriu meiga, virou o rosto e beijou sua mão. "Eu queria saber mais sobre você... Quantas coisas suas eu perdi... Queria saber mais de sua história, sonhos, conquistas." Revelou saudosa, e levou um garfo com alface americana a boca.

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Recomeço
RomantizmMaite cresceu rodeada de maldade, drogas e prostituição. Emergiu íntegra em meio à lama que viveu e construiu uma nova vida em que se dedica a resgatar e encaminhar viciados em drogas à recuperação. Wiliam é um homem amargo, austero, solitário. Sofr...