Capítulo 17

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Quando abriu os olhos, Patrick se arrependeu de ter acordado. Além da forte ressaca, o arrependimento o esmagava. Queria poder não lembrar da noite anterior, mas tudo estava claro na sua mente. Conseguia se lembrar perfeitamente da expressão no rosto de Pete. Isso o machucava profundamente. Sabia que havia feito-o ficar mal. Mas a sua maior preocupação era as coisas que haviam falado. Precisava consertar aquilo antes que terminasse com a sua amizade. Não podia perdê-lo novamente.
Lentamente, se arrastou para fora da cama, onde dormira de forma extremamente desconfortável, e chegou ao banheiro. A sensação era ótima de finalmente tomar um banho e se livrar daquelas energias estranhas. Sentia a água percorrendo cada centímetro de seu corpo, trazendo um alívio. Contudo, nada conseguia tirar dele o sentimento da culpa. Provavelmente o tinha assustado com toda sua história de paixão. Bem, era verdade o que dissera, no entanto, sabia que não deveria ter feito daquela maneira. Tinha sido imprudente e estava controlado pelo álcool. Precisava assumir as consequências de suas ações, por mais doloroso que isso fosse.
Após longos minutos, conseguiu tomar coragem para colocar uma roupa decente e sair do quarto. Tentava criar um discurso para o que diria, porém, sua tentativa foi destruída quando encontrou Pete colocando ração para Bowie. Seu corpo travou totalmente, não sabia como agir. As coisas só pioraram ao ver a dor em sua expressão.
- Olá, Patrick - sua voz estava carregada de dor e um pouco de raiva.
- Pete...
- Olha, não precisa se explicar. Já sei o que está acontecendo. Me desculpe, mas não posso fazer parte disso de novo.
- De novo?
Ele se aproximou, possibilitando que visse os olhos brilhando com as lágrimas.
- Já vi esse filme antes. Isso foi o começo.
- Ontem falei algumas coisas que não eram verdade, mas podemos consertar isso. Não vai acontecer novamente.
Foi impossível para o mais alto conter uma risada de desprezo.
- Vai acontecer novamente. Mesmo que você não queira. É um vício, Patrick. Não é uma escolha.
- Não é só porque seu pai era um viciado quer dizer que sou um também. A culpa não é minha que você não superou seu passado.
As palavras saíram antes que pudesse conter. Parecia que Pete havia acabado de levar uma facada. Bem, talvez isso fosse menos doloroso do que escutar aquilo. Parecia que todas as lembranças haviam voltado à sua mente. Era como se as cicatrizes estivessem pegando fogo em sua pele. Quase conseguia se lembrar do sangue quente escorrendo por seu rosto. Acima de tudo, sua última frase antes de desmaiar se repetia em sua mente.
- Me desculpe, eu...
- Não, Patrick, poupe suas palavras. Quer saber de uma coisa? Vá se foder. Não posso mais ficar aqui. Vou voltar para o meu quarto, nem pense em aparecer lá. Amanhã vou voltar para o apartamento do Joe. E o Bowie vai comigo.
- Pete, não, por favor!
- Por que se importa? Disse coisas que não eram verdade. Tenho certeza que a parte do seu cabelo e emprego foram verdadeiras. O que restou? Acho que se lembra?
- Você não entende!
- Não?! Não?! Você, mais do que qualquer um, sabe como eu sofri com meu pai. Onde estaríamos hoje se não fosse por ele? Eu não seria um fracasso total. Nós poderíamos estar juntos. Ele estragou a nossa vida. Tudo por causa dessa merda. Não entendo como consegue chegar perto disso. Ontem quando falou comigo, só conseguia pensar nele. Nem faz noção do quanto me machucou, ver no rosto daquele que mais amei a pessoa que mais me fez sofrer... 
Naquele ponto era incapaz de controlar as lágrimas. Suas frases eram cortadas por soluços e pausas para secar seu rosto.
- Por favor, me desculpe, não quis dizer aquilo.
- Não tem como voltar atrás. Você não tem mais salvação.
- Pete, não posso ficar sem a sua presença.
- Passou dez anos muito bem. Vai sobreviver. Aliás, você nem sente algo por mim. Eu estava certo, seu amor é uma mentira.
O ruivo sentia como se seu coração fosse explodir de tanta dor que sentia.
- Sabe, quando nós brigamos por causa daquela garota, tem coisas daquele dia que me lembro até hoje. Algumas são muito úteis agora. Como quando disse que eu era bom na cama, mas uma droga no amor. Bem, isso se aplica a você. Não passa de um babaca sem consideração pelos outros. E falei que não seria o primeiro nem o último, provavelmente só o mais bonito. Ah, como estava certo. Você sempre vai ser o mais bonito, de longe. Jamais importou com quantas pessoas eu ficasse, meus lábios sempre tiveram o seu gosto. Seu desejo se realizou. Passou anos sem sair da minha mente. Quando pensei que teria uma chance de deixar tudo bem novamente... percebi que é um otário. Nem sei o que estou fazendo aqui.
- Eu... eu...
- Não, Patrick, é inútil tentar se explicar. Não te culpo pelo seu vício, jamais poderia fazer isso. Só te culpo por negar, por fingir que não é real. Isso é o que vai te destruir.
- Pare de falar, Peter! Não aguento mais.
- Não me chame assim! Nunca mais nesse tom. Quando me chamam assim nas conversas normais, sinto nada. Mas desse jeito... é do exato modo que ele falava. Estou cansado de lembrar dele quando fala comigo. Eu só quero fica sozinho.
O mais baixo se sentia derrotado. Não havia algo que pudesse fazer para impedi-lo. Apenas pegou suas coisas e saiu do apartamento, sentindo seu corpo todo sofrer com o choro.
Sentou no banco de seu carro, incapaz de pensar. Tinha fodido com tudo. Absolutamente tudo. Estragou sua vida. Era um idiota. Merecia aquelas palavras. Merecia que ele fosse embora. Merecia sofrer o máximo que pudesse. Havia despertado os maiores pesadelos do outro, jamais seria capaz de se perdoar por isso.
Agia como se sua própria vida não tivesse sido destruída pela droga da bebida. O pai de Pete tinha acabado com seu maior amor, tirado dele o homem que sempre sonhara. Quando finalmente surgiu a oportunidade de tê-lo, arruinou tudo por causa da mesma coisa. As pessoas não entendem o quanto isso pode destruir alguém. Agora ele podia entender, mais do que nunca.
Era como de todas as suas células tivessem se enchido de tristeza e raiva. Seus pensamentos só giravam em torno do discurso que ouvira. Precisa clarear sua mente. Só havia um indivíduo capaz disso.
Gerard atendeu o celular após alguns segundos, felizmente. Teve certeza que sua voz foi quase inaudível quando disse:
- Você está livre agora?
- Sim, o Frank foi levar a Cherry em uma festa, daqui a pouco ele está de volta. Está tudo bem, Patrick?
- Não... eu... fiz merda. Posso ir até aí?
- Claro. O que você fez?
- Foi o Pete... falei coisas que não deveria.
- Vai ficar tudo bem. Quando chegar me explique melhor.
Desligou, observando como suas mãos tremiam. Quase não conseguia se concentrar na rua enquanto dirigia. Chegou mais rápido do pensava. Ou mais devagar, estava incerto. Tinha perdido a noção do tempo.
- O que aconteceu? Espera, o seu cabelo...?  - o moreno falou assim que abriu a porta.
- Eu me demiti do hospital, pintei o cabelo, bebi muito, muito mesmo. Disse que estava apaixonado pelo Pete, depois tentei beijá-lo. Nós discutimos há alguns minutos. Ele disse que eu era um viciado, como o pai dele. Falei que não era só por causa daquele homem que também seria. E mais outras coisas que são igualmente ruins.
O outro ficou alguns segundos em silêncio, tentando processar o que havia acontecido. A espera quase o matava. Cada segundo sentia como se não fosse capaz de respirar.
- Sabe que ele estava certo quando falou aquilo, não sabe?
- Como assim?
- Quando foi a última vez que passou uma semana sem beber? Ou melhor, quando foi a última vez que passou mais de três dias sem quase desmaiar por estar bêbado? Qual foi a última vez que não pensou em beber ao acontecer algo ruim?
Ficou pensativo. Eles estavam certos. Durante aquele tempo esteve apenas fingindo que estava tudo bem. Precisava parar de negar a realidade. Aquilo o destruiria mais e mais.
- Eu... preciso mesmo.... de ajuda.
- Olha, isso vai fazer bem para vocês dois.
- Ele deve me odiar agora.
- Nós dois sabemos que é impossível.
- As coisas que falei tornam bem possível. 
O mais alto revirou os olhos, observando enquanto o outro se jogava no sofá.
- Você fez merda, muita merda. Mas ele ainda te ama.
- Ele parou de me amar há muito tempo. Disse que vai voltar para o apartamento de Andy e Joe. Eu sou um completo babaca.
- Concordo com a última parte, só que não é tarde demais. Você ainda pode salvar as coisas.
- Acha que ele vai me perdoar?
- Não será fácil. Você mesmo percebe que foi um idiota. Porém, é possível. Precisa fazer com que valha a pena te perdoar. Falou sério quando disse que estava apaixonado por ele?
O mais baixo ficou quieto, encarando-o com uma expressão de culpa.
- Patrick?
- Sim, falei. É tão difícil compreender isso. É um sentimento péssimo. Ele já foi tudo que tive. Agora não sei como as coisas vão ser. Tenho medo de perdê-lo novamente. Iria ser pior do que na primeira vez, porque eu o teria nos meus braços depois de desejar isso por anos. Como poderia deixá-lo ir agora?
- Se não fizer algo, ele vai mesmo assim. Precisa se arriscar. Sei que não gosta disso. Mas da mesma maneira que se arriscou naquela maldita festa quando beijou Pete, ou quando decidiu aceitar aquele acordo idiota, você pode arriscar agora.
- Tem muito mais em jogo! Eu não o amava naquela época!
Gerard suspirou, se sentando ao lado do amigo.
- É disso que estou falando. Você vai ser mais cuidadoso agora. Precisa disso.
- Mas... não posso perdê-lo.
- E não vai! Acha que não tenho medo de perder o Frank quando discutimos? Lembra de quando passamos quase um mês separados? Tive tanto medo.
- É diferente.
- Sim. Você não tem fé nos sentimentos dele.
- Porque não sei quais são!
- Precisa descobrir. Se ele não te amar, vai embora de qualquer jeito. Precisa tentar. Ou vai vê-lo sair sem saber o que poderiam ter sido.
Patrick pensou por alguns segundos. Sua mente trabalhava com todas as possibilidades. Porém, ignorou isso. Estava cansado de pensar tanto. Quando conheceu Pete, foi a primeira vez em que se sentiu capaz de agir conforme seus instintos e sentimentos. Precisava daquilo de volta. Era o único jeito de conseguir o que queria. Não era o momento para desistir. Precisava ignorar seu medo. Seus sentimentos lhe davam coragem, não mais o pavor de antes. Ele se sentia quase como um adolescente de novo. Contudo, ainda carregava as coisas que aprendeu nos últimos anos. Sabia o que estava fazendo, não iria desistir.
- Vou falar com ele. Vou consertar o que fiz.
- Ótimo! Mas primeiro precisa descansar, parece que foi atropelado por um caminhão. Venha, tem um quarto de hóspedes, pode ficar aí até se sentir melhor.
- Tudo bem.
Patrick se levantou, sentindo tontura ao se levantar.
- Vamos dar um jeito nessa ressaca.
- Obrigado.
- Amigos são para isso. Quero que vocês sejam felizes. Merecem isso.
Sorriu. Tinha os melhores amigos do mundo. Agora só precisava trazer seu namorado de volta.

»●« »●«

Pete estava mal. Mais do que mal. Não teve vontade de sair da cama o dia todo. Seus olhos doíam por chorar tanto. Tinha certeza que seu rosto estava inchado. Não havia conseguido dormir, cada vez que fechava seus olhos as lembranças voltavam com força. As cenas da noite anterior se misturavam com as de seu passado distante. A voz de Patrick se misturava com a de seu pai, os gritos se tornando quase impossíveis de serem separados. Apenas pensar no cheiro de álcool lhe causava náuseas.
A única coisa que o fez sair da cama naquele dia foi a necessidade de alimentar Bowie. Ir até a cozinha causou extrema dor nele, porém, teve que fazer isso. Havia acabado de voltar para seu quarto, ainda conseguia ouvir o barulho da ração sendo mexida no pote enquanto o filhote comia com a vontade espetacular de sempre.
Pensava em como contaria aos amigos que teria que voltar ao seu apartamento, ainda sem emprego. Estariam decepcionados. Ele era um completo trouxa. Havia estragado literalmente tudo que tinha.
Teria que conseguir um jeito de ser útil de alguma maneira, não poderia simplesmente levar o Bowie para o apartamento deles e continuar morando lá como se absolutamente nada estivesse acontecido. Tinha que pensar numa solução.
Subitamente, escutou um som baixo, parecia meio longe. Parecia um violão. Curioso, se levantou, tentando ir na direção do som. Então escutou uma voz angelical. Ah, jamais poderia confundir.
"I, tonight, I feel like being alone..."
Patrick estava sentado no sofá, tocando enquanto tocava suavemente. Estava mais lindo que nunca, se é que isso era possível. Seus cabelos estavam totalmente loiros e brilhantes.
"It's been a long, long time, since I've had this line of doubt out loud"
Podia ver as lágrimas banhando sua face, como uma cortina de cristais sobre seu rosto.
"Everybody wants somebody who doesn't want them, or wants somebody else, baby"
O moreno estava completamente encantado com a cena. Era como se pudesse ver cada palavra que deixava seus belos lábios.
"A young man is a pull pin looking for a grenade..."
Já havia se perdido na letra, seu foco estava na maneira que se movia. Cada mínimo movimento era notado. Estava totalmente hipnotizado. Tinha certeza de que aquilo era a perfeição.
Quando terminou, ambos estavam sem ar. Não conseguiram falar imediatamente, ficaram parados encarando um ao outro, sentindo a atmosfera do ambiente tão leve e pesada ao mesmo tempo. Aquilo tinha sido uma confissão, precisavam decidir o que aconteceria dali em diante.
- Eu conversei com o Gee, depois que saí daqui. Você estava certo. Ele me fez perceber isso - Patrick finalmente disse - Vou procurar ajuda. Sei que preciso. Quero ficar melhor antes de ser tarde demais. Não quero me perder. Não quero te perder. Falei sério ontem quando disse que estava apaixonado.
Pete observou, ainda sem se pronunciar, enquanto colocava o instrumento de lado.
- Entendo se não quiser me perdoar, o que fiz foi horrível. Só que acredite quando digo que quero você. Não sei se sou capaz de passar mais um segundo sem a sua presença. Isso pode não ser um pedido em um jogo de futebol na frente de dezenas de pessoas, mas espero que consiga entender o que eu sinto.
O moreno caminhou lentamente até ele, colocou as pernas ao lado de suas coxas e sentou sobre seu colo.
- Eu te amo, sempre te amei e acho que nunca vou parar de amar.
Segurou seu rosto entre as mãos, fitando os olhos que tanto amava, apesar de não saber a cor exata. 
- Ontem, naquele encontro, quando ela me beijou... percebi que te amava. Saí correndo de lá. Literalmente.
- Não é estranho como eu estava morrendo para ser ela?
- Quando cheguei e te vi... pensei que estava tudo arruinado. Mas agora... as coisas parecem estar dando certo. Estou tão feliz. Finalmente tenho tudo o que sonhei.
O mais baixo passou a mão pela sua bochecha, secando uma lágrima solitária que escorreu.
- Não preciso de um pedido de namoro em um jogo, tenho o que preciso. Você. É a única coisa que precisa para ser perfeito.
- Falando naquele dia...
Tirou algo brilhante do bolso, dando um sorriso.
- Você guardou... - tocou levemente na corrente brilhante.
- Sim. Me mandou guardar e usar com alguém que realmente valesse a pena. Nunca encontrei a pessoa certa. Até agora.
Colocou o colar nele. Ambos estavam sorrindo tanto que suas bochechas doíam.
- Parece que Peterick está de volta...
- Finalmente.
Pete encostou a cabeça no ombro de Patrick, sorrindo. Sentiu os braços do outro firmes ao redor dele enquanto sussurrava:
- Não preciso de um céu bonito quando tenho você.

Astronaut ●Peterick●Onde histórias criam vida. Descubra agora