Capítulo 9

30 6 13
                                    

- Tem certeza que isso é prudente? - Pete perguntou, fazendo Patrick revirar os olhos.
- Pegar um dia de folga não vai fazer diferença.
- Não deveria estar no hospital salvando algumas crianças em vez de me ajudar a mudar? Nem tenho tantas coisas.
- Posso sair se quiser.
A intenção dele não era afastá-lo ou fazer com que se sentisse mal. Apenas sentia que estava obrigando a fazer algo que não deveria fazer. Precisava se virar sozinho.
- É o seu apartamento. Claro que pode ficar.
Pegou uma das pequenas caixas que permaneceram guardadas em um depósito desde que chegara na casa dos amigos até aquele momento.
O quarto estava começando a ficar parecido com um lugar habitável.
- Pode ser que tenha algumas coisas no armário que podem ter passado despercebidas, é só tirar e resolvemos o que faremos com elas. Bem, não se assuste com alguma coisa que meu amigo tenha deixado aí. Uma vez fui arrumar e acabei desistindo depois de perceber que ele esqueceu algumas coisas da namorada que com certeza eu preferia não descobrir o que eram.
Ele soltou um riso nervoso e saiu do local. O moreno seguiu com sua tarefa de guardar e organizar as suas roupas. Em uma parte encontrou alguns papéis no fundo, entrou no guarda-roupa, esperando que não fosse para Nárnia, e se abaixou para pegar as folhas.
- Pete, onde você está? - a voz do ruivo foi ouvida.
Rapidamente saiu do local, com os objetos na mão e um sorriso no rosto.
- Parece que saí do armário - falou, fazendo com que ambos começassem a rir.
- O que é isso? - questionou ao recuperar o fôlego.
- São desenhos, eu acho - franziu a testa.
- Oh... são meus. Nem lembrava que estavam aí. São idiotas.
Começou a olhar, encantado pela capacidade dele.
- Caralho, Patrick, você é muito talentoso, eu quero morrer.
O outro apenas riu e desviu o olhar, sentindo seu rosto corar. Tinha coisas bem antigas ali. Coisas que havia feito há mais de dez anos. Coisas recentes que havia feito há menos de um ano. Todas estavam ali por uma razão. Precisou se manter longe daqueles pensamentos. Lembrava de ter desenhado cada um deles. Pensando em só uma pessoa. Cada detalhe gravado em sua mente desaparecia lentamente. Chegou a um momento em que começou a imaginar como ele estaria nos tempos atuais. A realidade era muito diferente do que esperava.
- São muito bonitos. Eu até diria que parecem comigo, mas não tenho tanta autoestima assim - riu.
- Obrigado pelo elogio. E tenho certeza que não conseguiria te retratar perfeitamente.
Era uma bela mentira, mas uma profunda verdade ao mesmo tempo. Havia tentando descrevê-lo, contudo, nunca conseguiu fazer do jeito perfeito.
Continuaram a arrumar. Depois de algumas horas de limpeza e arrumação, finalmente terminaram, decidindo pedir uma pizza.
Enquanto comiam, sentiam-se como velhos amigos. Qualquer um que os visse naquele instante não imaginaria a história que tinham por trás. Bem, a verdade é que não queriam admitir que haviam sentido muito a falta um do outro. Após tantos anos, ter aquela presença de volta era como uma luz na escuridão. Era como se seus corações tivessem parado de sangrar e tivessem voltado a bater. Porém, cada batida doía, trazendo lembranças de bons tempos e a certeza de que estes nunca mais voltariam.
Alguns minutos depois que terminaram, enquanto ainda estavam sentados no chão do quarto contando piadas, a campainha soou.
- Vou ver quem é - o ruivo se levantou e caminhou até a porta.
Ray estava parado segurando um pequeno cachorro nos braços.
- Espero que valha a pena, meu irmão me fez assistir a todos os vídeos do parto. Eu definitivamente não queria saber como eles nascem.
Sorriu e esticou os braços, esperando receber o animal.
- Não. Você me prometeu algo antes.
Suspirou e deixou que adentrasse no local.
- Uh, oi? - Pete falou, se levantando ao ver o desconhecido.
- Olá, sou o Ray. Não precisa se apresentar, o Patrick já me falou bastante sobre você.
- Oh... - sentiu o rosto se aquecer.
Observava o rapaz com interessante. Era um tanto diferente, o filhote que segurava apenas reforçava sua imagem excêntrica. Também tinha um sotaque diferente. Canadense talvez?
- Pensei que tivesse um compromisso agora - o mais baixo falou, interrompendo o colega.
- Sim, claro. Ah, acho que isso te pertence.
Entregou o cachorro ao moreno, dando um grande sorriso e acariciando levemente a cabeça do animal antes de se despedir.
- Você me deve um favor. E, Pete, foi muito bom te conhecer finalmente. Depois de tantos anos escutando sobre ti, é ótimo saber que são bons amigos novamente.
- Sim, é bom sermos amigos. Amigos... - franziu a testa, vendo o outro se afastar.
Após alguns breves segundos de silêncio, tomou coragem para falar, levemente levantando a pequena bola de pelos que os encarava com um olhar feliz:
- Trick, o que é isso?
- Soube que os cachorros do irmão do Ray iriam ter filhotes, então perguntei se consegueria nos arrumar um.
- Nós vamos... ficar com isso? Isso é seu?
- É nosso. Quero dizer, mora no nosso apartamento. Apartamento que dividimos, digo.
- Isso vai morar com a gente a partir de agora?
- Sim. E para de chamar ele de "isso"! Você precisa escolher um nome para ele.
Encarou o bebê animal em seu colo e suspirou. Queria poder brigar. Gritar. Dizer que não estava preparado. Que era loucura. Porém, não conseguia resistir aos pequenos olhos brilhantes que o fitavam. E não estava falando somente do filhote.
- Por que quis um desses?
- Eu... acho que pode te ajudar a ficar menos sozinho aqui. Eles são uma boa distração e uma fonte de amor e carinho inesgotáveis.
Aquilo poderia dar certo. Iria transformar tudo que sentia por Patrick em vontade para cuidar dele.
- Tudo bem.
- Sério?!
- Esse carinha é fofo demais para eu conseguir recusar.
Novamente, não estava falando do animal.
Sentou na cama e colocou-o para andar sobre a superfície macia, observando todos os detalhes, desde o pelo branco brilhante até os olhos coloridos que o fitavam com curiosidade.
- Qual nome você quer? - fez carinho em sua orelha, fazendo com que se aproximasse mais - Qual nome você gosta, garotão? Que tal Bowie? Você gosta de Bowie?
Ele começou a pular em suas pernas, brincando com suas mãos.
- Acho que gostou - o ruivo disse, sentando ao seu lado.
- Então, primeira fase, nome escolhido. Agora só falta aguentar as coisas mastigadas.
Começaram a rir, brincando com seu mais novo companheiro. Era uma cena bela. Os dois não conseguiam parar de sorrir. Mesmo que tudo estivesse desmoronando, Pete teve a certeza que poderia contar com seu amiguinho. Muitas pessoas subestimam o efeito que bichos de estimação podem causar, dizem que eles não têm sentimentos, que não fazem diferenças. Mas elas apenas não enxergam o quanto uma bolinha de pelos pode tornar alguém feliz. Em momentos como aquele, não importa quantas coisas vá mastigar, morder, babar, destruir. O que realmente importa é o que ele está construindo. Uma relação que pode durar para sempre.

»●« »●«

Lar. Era como aquele quarto fazia com que Pete se sentisse. Podia não ser muito, porém, era suficiente para que sentisse que pertencia a algum lugar. Havia tido muitos conflitos consigo mesmo antes de finalmente decidir se mudar. Foi depois de semanas tentando reunir coragem para conversar no grupo que conseguiu dizer algo e recebeu ótimos conselhos. Ainda ficou alguns dias pensando, considerando, chorando, lembrando, até conseguir encarar seus amigos nos olhos e dizer que iria aceitar a proposta. Uma parte dele pensou que eles ficariam magoados e nunca mais iriam querer olhar para ele novamente. Contudo, foi o oposto. Eles só disseram que precisavam ter a certeza de que estava bem com aquilo.  Com certeza não se arrependida de uma coisa sequer.
Aquele dia havia sido ótimo. O melhor em muitos anos. Tinha sorte em poder ter momentos assim. Ele não se sentia mais sozinho. Seu reencontro com Patrick não tinha sido como sonhou. Mas não era ruim. Gostava da maneira que estavam vivendo, colocando todo seu passado para trás. Agora não tinha mais medo de expressar o que sentia. Nem havia razão em sentir. Eles eram amigos. Sem conflitos necessários em seu interior. Mesmo que algo sempre soasse estranho ao pensar naquilo. Parecia que não tinham sido feitos para serem amigos. Era como se só soubessem ser um casal ou estar longe um do outro.
Agora estava deitado em uma cama que era maior que a do seu antigo apartamento e o sofá dos amigos juntos. Tinha espaço suficiente sobrando para Bowie, que dormia pacificamente ao seu lado - mesmo que Patrick tivesse dito que não deveria deixá-lo dormir ali para não acostuma-lo a ficar na cama deles, porém acabou desistido depois de alguns minutos de insistência. Seus pensamentos rodavam em torno de decidir se deveria ou não ligar para Joe. Eles mereciam saber o que estava acontecendo.
Após alguns toques, o ruivo atendeu, observando a face do amigo com preocupação através da câmera.
- Olá, Andrew.
- Como você está, Pete?
- Bem. Muito bem, para falar a verdade - sorriu.
- Você... está sorrindo. Mais do que o normal.
Sentiu seu rosto se aquecendo e desviou o olhar.
- Joe, o Pete ligou. Vem falar com ele.
Após alguns segundos o garoto de cabelos cacheados apareceu na tela, sorrindo.
- Ooooooi, Peter, como está a vida no novo apartamento? Espera, o que é isso do seu lado?
- Ah, o Bowie.
- O que é um "Bowie"?
- Um cachorro.
Tocou no filhote carinhosamente, fazendo com que acordasse.
- De onde veio isso?
- Olha, não queria ser a pessoa a ter essa conversa com vocês, mas acho que está na hora de explicar de onde vêm os bebês.
Ambos revivaram os olhos.
- É sério.
- O irmão de um amigo do Patrick conseguiu ele para nós.
- Nós...? Você e o Patrick?
- Sim. Digo, nos moramos no mesmo apartamento. Não é como se fosse aqueles cachorros de casal.
- ... Okay, se você diz.
- Como vocês estão? - desviou o assunto, ainda pensando sobre sua resposta anterior.
- Bem. Sentindo a sua falta.
- Eu saí faz menos de um dia.
- E...? Sentimos falta do nosso filho, respeite isso.
Riu, sentindo as lágrimas de felicidade nublando sua visão. Ele nunca teve uma família. Tinha poucas lembranças de sua mãe e as que tinha do seu pai eram péssimas. As únicas vezes em que se sentira amado de verdade fora com seus amigos e namorado. E apenas um namorado. Todas as outras pessoas que namorou haviam sido totais idiotas.
- Eu amo vocês. Obrigado por tudo.
- Bro, nós te amamos mais.
Sorriu. É, ele pertencia a algum lugar. Seu lar era em Chicago. Perto de Andy, Joe, Bowie e, claro, Patrick. 

Astronaut ●Peterick●Onde histórias criam vida. Descubra agora