Capítulo 1

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Aviso: a história contém assuntos de vício e alcoolismo

Aviso²: preciso dizer que essa capa perfeita foi feita por stumpandmirrors
POR FAVOR, ADMIREM ESSA OBRA DE ARTE

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Ele encarou sua imagem refletida no espelho. O cabelo negro estava dessarrumado, assim como suas roupas. Era isso que ganhava por dormir em um sofá pequeno e desconfortável. Bem, pelo menos tentar dormir, já que as olheiras indicavam que havia passado a última noite acordado.
Nunca poderia reclamar de onde estavava ficando, afinal, não pagava nada, tudo era a boa vontade dos amigos. As vezes desejava que tivesse passado o último mês em um local mais confortável, entretanto, sabia que não era possível. Precisava arrumar um emprego antes.
Batidas na porta foram ouvidas, levando o foco de seus pensamentos, seguidas por uma voz:
- Pete? Está tudo bem?
Abriu a porta, forçando um sorriso.
- Bom dia - Joe cumprimentou, tentando esconder seu mau-humor matinal.
- Bom dia.
Saiu do banheiro, indo se deitar de volta no sofá. Sentiu suas costas doendo ao contato com a superfície.
- Bom dia, flor do dia.
- Bom dia, Andy.
- Quer um bolinho vegano? Acabei de comprar.
- Não estou muito com vontade de comer agora.
- Dormiu bem?
Finalmente o ruivo apareceu à sua vista, sentando-se no braço do móvel em que estava deitado.
- Claro.
Andy sabia que era mentira, podia ver pela expressão cansada. Mas também sabia que o amigo só não falava a verdade para proteger seus sentimentos.
O que não sabia, no entanto, era que aquela não tinha sido a única razão pela qual passara a noite em claro. Era o aniversário de dez anos do pior dia de sua vida. Toda vez que tentara fechar os olhos, as imagens voltavam a sua mente. Claras como nunca. Seus pesadelos eram constantes, porém, naquela data ficavam piores. Seus sentimentos ficavam a flor da pele, qualquer pequena coisa poderia lembrá-lo do pior momento de sua vida.
- Conseguiu alguma resposta? - disse antes de morder o pequeno bolo.
Era óbvio que se tratava das vinte empresas para quem mandara o currículo nas últimas semanas.
- Recebi só três respostas. Todas recusando.
- Ah... não se preocupe. Você vai conseguir.
As esperanças nunca se esgotavam. Mesmo que soubessem que ninguém gostaria de contratar um fracassado cujas únicas habilidades eram jogar futebol e tocar baixo.
- Vou sair com o Joe hoje, meu carro está aí se precisar.
Ele sabia que não precisaria. Nunca havia entrado em um carro nos últimos dez anos. Com certeza não dirigiria um.
- Okay. Eu vou... dormir mais um pouco.
- Durma bem - disse, levantando-se.
Ele fechou os olhos, tentando pegar no sono. Por algum milagre, conseguiu. Entretanto, não foi na paz que gostaria. Assim que seus olhos se fecharam, as lembranças começaram. Eram tão reais que podia sentir como se estivesse de volta no tempo. Podia sentir o sangue quente escorrendo em sua pele, escutar seus gritos, nublados pelo barulho agudo que mexia com seus sentidos, sentir a dor se espalhando por todo seu corpo e as lágrimas banhando sua face.
Acordou suando. Seu coração batia tão forte que sentia como se estivesse morrendo. Uma pequena parte dele desejou que estivesse. Tudo que mais queria era poder esquecer do que aconteceu. Apagar aquele dia de sua memória para sempre. Na verdade, gostaria de esquecer todo seu passado. Principalmente esquecer dele. Da única pessoa que amou verdadeiramente. Ah, como queria esquecer que ele existira.
Pete se levantou, indo para a cozinha. Pretendia comer as sobras do jantar da noite anterior, porém, algo brilhando chamou sua atenção. Talvez se dirigisse um carro, as lembranças parariam. Era a primeira vez desde os seus dezoito anos que desejava entrar em um. Parecia ser a melhor opção. Andy havia dito que poderia pegar se precisasse, então não tinha problema.
Após passar segundos encarando o objeto, finalmente pegou as chaves, sentindo seus dedos tremerem contra o metal frio.
Medo e ansiedade percorriam seu corpo enquanto descia até o andar térreo. Nem sequer reparou no carro antigo, com os bancos sem estofamento, o volante sem alguns pedaços e um rádio com o vidro quebrado, impossibilitando de ver em qual a estação se encontrava. Tudo que conseguia focar era no suor escorrendo por sua face, nas mãos trêmulas e nas batidas cardíacas tão fortes que nublavam seus outros sentidos.
Era uma sensação estranha, dirigir depois de tanto tempo e do que ocorreu. Cada movimento deixava-o mais tenso. Estava bem devagar, o que irritou algumas pessoas. Alguns começaram a buzinar, passando rapidamente por ele. Aquilo despertou péssimas lembranças e começou a perder o sentido na direção. Sua visão estava embaçada pelas lágrimas e seu raciocínio comprometido pelos maus pensamentos. O desespero aumentava a cada segundo e a cada veículo que passava rapidamente ao seu lado. Sabia que precisava parar antes que sucumbisse totalmente ao medo.
Finalmente conseguiu visualizar um estacionamento. Era uma loja qualquer, ele não se importava. Nem quando parou o veículo conseguiu se sentir mais aliviado. As coisas só estavam piorando. Sentia como se estivesse sufocando, precisava sair dali o mais rápido possível. Parecia que o oxigênio estava lentamente se esgotando 
Sem querer, derrubou as chaves em um lugar que não conseguia pegar no momento de aflição. Tentou abrir manualmente, porém, aquele carro era tão antigo que aquela parte do sistema não funcionava direito. Estava cada vez mais difícil de respirar e seu coração batia tão rápido que não conseguia pensar em outra coisa. Só precisava sair dali.
Provavelmente estava batendo na porta, sem perceber, pois logo uma pessoa se aproximou.
- Está tudo bem? - a voz estava meio nublada, pelo vidro e por seus sentidos confusos.
- Me tire daqui, por favor - começou a chorar, não conseguindo mais controlar o que sentia.
Sentiu a maçaneta sendo puxada, contudo, nada aconteceu.
- Está trancada. Consegue destravar?
Aquela voz despertava um sentimento estranho nele, como um lembrança tão distante que não era capaz de reconhecer, mas que sabia de sua existência.
- Não...
- Ok, fique calmo. Tente respirar. Pense em algo bom. Respire fundo. Você consegue.
Não conseguia enxergar quem estava do outro lado, entretanto, era uma grande ajuda. Aos poucos, começou a raciocinar melhor. Seus sentidos estavam ficando mais claros.
- Consegue destravar agora?
Pegou a chave, com muito esforço. Apesar de ainda estar se sentindo mal, conseguiu destrancar. Assim que o desconhecido abriu a porta, saiu do veículo, caindo de joelhos no chão frio. Seu corpo todo tremia enquanto tentava recuperar a respiração. Podia sentir a presença do outro atrás de si, mesmo que não conseguisse vê-lo.
Alguns minutos se passaram até que finalmente pudesse se acalmar totalmente. Tinha certeza que havia pessoas encarando toda a situação. Porém, estava tão aliviado em ter saído que não ligava.
- Está melhor? - o homem estendeu a mão, ajudando a se levantar.
De repente, as coisas pareceram se encaixar. A voz, a mão que o segurava. Todos pertenciam a um rapaz. Alguém que nunca poderia esquecer. Nem em um milhão de anos.
- Qual o seu nome?
Finalmente fitou os olhos cuja cor nunca foi capaz de definir. Os olhos que um dia o observaram com amor. Os olhos que amava ver antes de dormir. Os olhos que acreditava serem a coisa mais bela de todo o universo.
- Você sabe meu nome, Patrick.
Encarou-o enquanto uma expressão confusa se formava em sua face, sendo logo substituída por surpresa.
- Pete...?
Palavras não eram necessárias. Bem, a verdade era que não sabiam o que falar. O que realmente se deve falar ao encontrar seu ex-namorado de dez anos atrás? Só ficaram fitando um ao outro.
- Você está bem?
- Sim... obrigado.
Observou cada detalhe de seu rosto. De um lado, suas feições estavam mais maduras. Parecia estar mais lindo que já era, se isso fosse sequer possível. Os óculos davam uma expressão mais séria - e ousou pensar, mais sexy. Era como se o tempo não tivesse passado, por outro lado. Ainda estava o mesmo garoto da última vez que se viram. Era o mesmo rosto que via em seus melhores sonhos e piores pesadelos. O mesmo rosto que havia mentalizado nas noites que chorara e nos dias que sorrira. O mesmo rosto que sonhara em rever pelos últimos nove anos.
- O que... faz aqui, em Chicago?
Na realidade, nem ele sabia direito. Claro que havia sido por ter perdido o emprego há alguns meses e não ter conseguido arrumar outro. Suas últimas despesas foram usadas para pagar o aluguel e a passagem. Estava vivendo com pequenos serviços que fazia e a ajuda dos amigos. Mas o que não sabia era o que realmente pretendia encontrar lá.
Não havia tempo para pensar naquilo. Precisava dar uma resposta rápida e simples. Uma meia verdade.
- Estou morando com Joe e Andy.
- Oh... como eles estão? Faz tempo que não os vejo.
A última vez que havia os visto tinha sido em sua formatura do ensino médio. Foi difícil para Patrick não correr até eles e perguntar se ainda conversavam com Pete e saber como ele estava. Porém, sabia que seria melhor para ambos de esquecesse aquilo de uma vez por todas.
- O que acha de... uh, tomarmos um café e conversar? Temos muito o que falar, imagino. Se não estiver ocupado, claro.
- Óbvio que sim. Vamos. Claro.
- Ótimo.
Era uma situação um pouco constrangedora, contudo, o moreno precisava se distrair naquele dia e dar um jeito de esperar até que Andy pudesse buscar o carro. Definitivamente não dirigiria de volta.
Caminharam desconfortavelmente até uma Starbucks que havia ali perto, sem trocar palavras. Estavam nervosos. Era mais do que encontrar seu colega da escola ou ex-namorado. Era encontrar a pessoa que mais amou em toda sua vida. Aquilo seria difícil, mas não podiam desistir. Não quando haviam tantas coisas em jogo. Era uma chance única. E nenhum estava com vontade de desperdiçar. 

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