3 - Cartas I

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Terça-feira, 19 de maio de 2015

Oi, pai. Como o senhor está? Hoje eu me peguei pensando muito no passado. Você se lembra quando nos mudamos daquela casa imensa lá da Penha e chegamos no apartamento? Como eu chorei. Um dia passei em frente a nossa antiga casa e vi que ela não era tão grande assim. Talvez por eu ser criança, tudo parecia ser gigante. Enfim, pai, eu me lembro da estranha sensação de algo novo que me embrulhava o estômago. Você e a mãe dormiram comigo algumas noites até que eu me acostumasse com o novo quarto.

Enfim, eu estou escrevendo esta carta para te dizer que mais uma vez eu estou com esta mesma sensação. Eu estou me mudando novamente. Mais uma vez, de uma enorme casa (e essa é grande mesmo) para um pequeno studio. Muito menor e muito mais bagunçado do que nosso apartamento no Tatuapé.

Contar para a Elisa do meu bebê acabou sendo mais difícil do que contar para a mãe. Você tinha que ver como a mãe ficou feliz. Eu não sei, mas eu acho que não ficaria feliz em ver minha filha grávida e sozinha em outro país, mas... você foi casado com ela tantos anos, sabe bem que ela é uma verdadeira caixinha de surpresas. Ela chorou, me perguntou se o pai era americano, e quando eu disse que sim (tudo bem, nós dois sabemos bem que não é), ela soltou um grito de felicidade. Eu precisei implorar para que ela não contasse para ninguém, e ainda assim, acho que suas amigas ficaram sabendo quase que na mesma hora.

Contar para o Jonathan foi ainda mais difícil do que para a Elisa. Você o conhece, sabe bem como ele cuidou de mim depois que o senhor se foi. Eu ouvi um belo sermão e confesso que quase desliguei o telefone em sua cara. Mas não desliguei, eu sei que ele estava certo. Ele estava preocupado comigo, inclusive quis vir até aqui para me fazer companhia, mas... eu não poderia fazer isso com ele e com a Dani, não a poucos meses de seu casamento. E aqui eu tenho o Steve, e todos vocês sabem como ele cuida bem de mim.

E é com o Steve o meu novo lar. Eu pensei diversas vezes em voltar para o Brasil. No dia em que Steve me deixou em casa e eu conversei com Elisa, eu percebi que ela ficou decepcionada. Não me disse nada, mas eu percebi. Eu a entendo perfeitamente, afinal, ela já tinha duas crianças que dão um baita de um trabalho, não seria nada fácil uma babá grávida que não daria conta dos dois e dali um tempo, de um recém-nascido. Mas não, ela não me colocou para fora. Ela realmente quis que eu ficasse lá, mas conforme os meses foram passando, eu vi que ali não era mais o meu lugar. Meu visto venceu ontem, eu concluí meus seis meses com Elisa e, bom... o Steve já havia me convidado para morar com ele. Eu sei que o senhor deve estar decepcionado comigo agora porque decidi ficar aqui, mas eu não podia voltar para o Brasil. Não agora.

Eu sinto muito sua falta, gostaria que o bebê pudesse conhecer o avô incrível que eu tenho certeza que o senhor seria. Estou escrevendo apenas para dizer que está tudo bem, mesmo em meio a todo este contratempo, está tudo bem.

Eu te amo.


Sábado, 20 de junho de 2015

Oi, pai. Mais uma vez estou te escrevendo. Ontem completou um mês que estou morando com o Steve. Ele ainda está dormindo no sofá – inclusive trocou o antigo por um mais confortável – e me emprestou sua cama, como ele sempre faz questão de frisar. Já temos um pequeno berço ao lado da cama. O closet está abarrotado de coisas, e acredite em mim, ele tem mais roupas que eu, mesmo usando sempre as mesmas. Nós nos damos muito bem, mesmo eu me irritando com a forma como ele é bagunceiro. Eu te juro pai, ele consegue ser pior que eu e o Jonathan juntos neste quesito!

Eu continuo visitando a Elisa com frequência. Ela me adotou como uma filha, e eu percebi que não consigo passar uma semana sem ver meus pequenos. Olivia continua acreditando que eu namoro Steve e que ele é o pai do bebê, mas eu não a julgo, afinal, na cabecinha dela se eu estou morando com ele, somos casados. Noah inclusive o chama de tio Steve. Elisa já entendeu que nós dois não temos nada e tenta tirar isso da cabeça dos dois, mas não adianta.

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