Bernardo e Abner

19: Saída com o urso negro

Abner explicou a situação para seus primos e tios, por último, para seu pai. A diferença era que havia trocado o gênero da pessoa com quem iria sair, para que ficasse mais convincente sua fala.

Como sempre, seu pai fez reclamações, dizendo que aquilo era uma grande perda de tempo e que ele só iria sair com a garota para transar e colocar mais um lobo-guará no mundo, sendo um filho para sustentar e piorar a situação da família. Abner ainda não tivera filhos e nem sabia se os teria devido a sua opção sexual por parceiros.

Ele foi mesmo assim. Assim que saiu do trabalho, pediu ao urso negro para que desse um tempo, o suficiente para que ele tomasse banho e voltasse para a esquina do mercado ― que era o local combinado ― para irem até o cinema no centro da cidade assistirem o que quer que estivesse em cartaz.

Regis também decidiu se arrumar e avisou a Abner que ele voltaria com uma condução para que fossem ao cinema. Ele tinha um carro? Ficou surpreso com isso. Isso o lembrava, de certa forma, de Bernardo, o urso pardo que tinha uma moto vermelha e o levava para o serviço todos os dias para trabalharem juntos. Mas Bernardo agora parecia ser uma lembrança tão distante quanto as nuvens.

Abner vestiu roupas bonitas e foi para o ponto de encontro, já às cinco horas da tarde; o sol estava baixo e deixava o ambiente menos quente. Sua camisa azul deixava seu pelo avermelhado em destaque e o mesmo acontecia com seu short caqui desbotado. Carregava uma mochila leve de um braço que cortava se peito em diagonal e pendia para o lado, batendo em sua coxa.

O urso negro também estava bem arrumado, com uma camisa de mangas curtas com corte em V na gola para destacar o excesso de pelo em seu peito. Ele esperava o lobo-guará em uma caminhonete longa, com a cabine de um assento longo. A traseira da caminhonete era longa e alta, assim como a própria cabine, em que havia uns pequenos degraus para poder subir. Era uma caminhonete de fretamento.

― Você já foi caminhoneiro? ― quis saber Abner assim que entrou na cabine e viu que o urso vestia um short caqui também. Naquele calor não havia sentido em usar uma calça.

― Quase ― defendeu-se o urso negro. ― Eu fazia fretamento quando era mais novo, mas parei anos antes de me casar. Só que continuei com a caminhonete.

― Não sei se vai dar para estacionar ― preocupou-se Abner, afinal, a traseira era muito grande para os espaços pequenos que havia na cidade.

― Vamos dar um jeito ― o urso negro deu a partida e foram em direção à cidade.

Não demorou muito e já estavam nela. O cinema ficava em uma rua estreita, sem muito espaço para veículos grandes como a caminhonete que era pilotada por Régis. Mas ele logo deu um jeito de estaciona-la em uma rua vazia, onde nenhum motorista o incomodaria. Além do mais, a essa hora do dia, anoitecendo, as pessoas só queriam ir para casa.

O cinema ficava dentro de um shopping pequeno e Régis não deixara a caminhonete muito longe do lugar. Havia várias pessoas lá dentro, indo e vindo das lojas, o que deixava o urso negro um pouco incomodado vendo todo aquele consumismo em excesso por parte das pessoas. Lógico, não eram todas, mas conseguia ver parte delas gastando seu dinheiro em coisas supérfluas. Para a sorte dele, o cinema ficava próximo de uma das saídas, assim conseguiria sair rápido daquele sufoco. Apenas suportou porque queria levar Abner para sair em algum lugar.

O lobo-guará percebeu o desconforto do urso negro e decidiram ir comprar os ingressos. Enquanto estavam na fila, Abner olhava os títulos e se decidia qual eles veriam. Se Régis não gosta de espaços assim, porque me chama para vir em um?, questionou.

Com o filme em mente, começaram a conversar na fila. ― Desde quando tem aquela caminhonete? ― quis saber Abner.

― Desde antes do meu primeiro casamento ― falou o urso negro. ― Meu finado pai conseguiu para mim faz muito tempo e usei para fazer algumas mudanças, isso inclui as minhas.