1: Procurando emprego

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Abner preparou o café pela manhã, bebeu um pouco e foi para a entrevista de emprego programada para as oito da manhã. Ele estava esperando por uma ligação há pelo menos um mês e conseguiu uma ontem. Poderia ter comido pão, se tivesse. A mãe lhe deu um abraço antes de ir. O padrasto estava dormindo.

Pegou o ônibus e chegou na empresa pouco antes do horário marcado. Outros também estavam esperando na mesma sala. Boa parte estava com seus pais (ou pai, ou mãe, ou ambos). Ele estava sozinho, pois sua mãe e seu padrasto precisavam trabalhar pela manhã.

Os candidatos às vagas foram chamados à outra sala, menor e com cadeiras escolares de braço para apoiar cadernos. Eles precisaram se contorcer para sentarem-se nas cadeiras daquele espaço minúsculo. A avaliadora era uma lontra e entrou na sala agradecendo a vinda dos candidatos, mas que ocorreria uma entrevista em outra sala separada e eles seriam chamados um a um.

Quando foi sua vez, ele disse tudo o que já tinha feito, o que sabia fazer e qual o seu objetivo profissional.

― Bem... ― o entrevistador era uma onça e olhava o currículo que Abner havia levado. ― Você ainda não tem experiência, isso?

― Não, não tenho ― Abner ficou acuado e isso deu para perceber pelo movimento de sua causa se recolhendo ao se enrolar em seu quadril.

― É um mau currículo, para ser bem sincero com você ― prosseguiu o entrevistador, o que deixou Abner mais acuado. ― Sem uma experiência profissional, ainda mais considerando a sua idade, é... complicado. Com vinte anos você deveria ter tido alguma experiência.

― Eu já trabalhei de garçom em uma lanchonete e já trabalhei em descarre...

― Não, não ― interrompeu o entrevistador. Eles se encararam por um instante longo. ― Creio que você já sabe a resposta que vamos dar.

― Eu não consegui a vaga ― murmurou Abner com tristeza.

― Sinto muito ― falou o entrevistador. ― Mas espero que consiga uma em breve.

Eles apertaram as mãos e Abner foi embora. Enquanto seguia para casa dentro do ônibus, ele refletia "o que eu fiz de errado?". Ao voltar para casa, já estava na hora do almoço, mas estavam apenas as panelas sobre o fogão deixadas pelo seu padrasto.

Ele comeu um pouco e foi para o quarto refletir um pouco. Pensou em que lugar mais poderia mandar currículos. Deitou-se na cama e dormiu para afastar a tristeza por não ter passado na entrevista. Assim que acordou, já era quase meio da tarde. Tomou um banho gelado, lavando seu pelo de lobo-guará e se preparando psicologicamente para entregar seu currículo para as empresas industriais que havia no bairro ao lado. Ele se vestiu com uma camisa sem estampa com mangas médias que iam até metade do antebraço, calça e um sapato confortável. Como andaria ao sol, pegou o boné ― agora surrado ― que ganhara de presente anos atrás de seu pai.

Saiu para entregar as várias cópias de seu currículo sempre com a dúvida em mente: será que vão me aceitar? Será que serei chamado? E se eu não for chamado? O sol aquecia seu pelo e fazia a pele por baixo suar. O bairro empoeirado, vento e caminhões passando, não ajudavam muito também. Como não seria chamado para mais nenhuma entrevista hoje, então ele nem se preocupava e continuava seguindo. Assim que via uma indústria, ele já ia à portaria e entregava uma cópia do currículo.

Retornou para casa cansado de andar. Seu padrasto, um leão alto, de juba espessa, troncudo e barrigudo, estava na sala, vendo TV, assistindo as notícias. Sua mãe chegaria em breve.

― Como foi hoje? ― quis saber o padrasto.

― Foi bem, até ― respondeu Abner.

― Não conseguiu passar na entrevista, não é? ― ele já desconfiava.

― Não, não passei ― foi sincero.

― Entregou currículo hoje?

― Sim, acabei de voltar ― disse. ― Espero que alguém me chame logo para trabalhar.

― Eu também.

Dava para sentir a irritação de seu padrasto na forma como falava. Não havia motivo para culpa-lo, afinal, Abner já morava lá havia um bom tempo e não ajudava em quase nada. Seus poucos trabalhos pouco rendiam e, mesmo assim... Evitou pensar nisso afim de que não ficasse mais chateado do que já estava.

Tomou um banho e ficou refletindo sobre o que faria da vida. Essa reflexão lhe trouxe pensamentos tristes e eles fizeram com que ficasse mau. Tentou trazer pensamentos mais alegres, mas eles voltavam para a parte financeira, tornando-o de volta à tristeza. Como poderia ajudar nas contas da casa se não tinha um emprego?

Quando sua mãe (uma lobo-guará assim como ele) chegou em casa, pediu para que se arrumasse para irem até a casa da vizinha da frente pois ela estava assando um belo churrasco. Abner apenas lavou o rosto e foi junto com ela.

A vizinha, Dona Benta, uma ursa bem alta e barriguda, era uma pessoa bem pacata e também agitada. Adorava uma festa ao som de alguma dupla sertaneja. Ela e sua mãe eram bem amigas. Assim que acontecia alguma coisa de interessante na vida de Dona Benta, ela já ia até a casa de sua amiga reportar o acontecido.

Por hoje, ela fazia um churrasco em comemoração ao aniversário de seu filho mais velho: Bernardo, que estava ao fundo da casa, preparando o churrasco.

― Entre, entre ― disse ela alegremente ao vê-lo em frente à porta de entrada. ― O Bernardo está ao fundo ― informou. ― Lembra-se dele?

― Não! ― respondeu Abner sinceramente. Dona Benta só havia falado dele e mostrado algumas fotos. Mas Abner nunca o viu pessoalmente.

Sua mãe estava aos fundos da casa, saboreando a carne assada que Bernardo estava preparando. Ao chegar aos fundos, encontrou o tal Bernardo: um urso grande, alto, gordo em formato de barril, musculoso de certa forma também. Estava em frente a uma pequena churrasqueira assando a carne em espetos curtos.

Bernardo e AbnerOnde histórias criam vida. Descubra agora