20: Palavras erradas

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Abner manteve contato com Régis. Sempre chegava mais cedo que o habitual no serviço, esperando que as portas abrissem, só para passar um tempo com o urso negro. Não parava por aí. Depois de terminado o trabalho, Abner ficava um tempo a mais ao lado de Régis para conversarem sobre o dia ou sobre algo particular em suas vidas.

O urso negro estava bem interessado em Abner e percebeu isso pelas saídas que davam juntos sempre que havia tempo para isso. Geralmente duas ou três vezes ao mês. Certo dia, perguntou quando era o aniversário do jovem lobo-guará, pois queria dar um presente a ele. Até mesmo Abner ficou surpreso com a pergunta, pois se lembrou de que seu aniversário estava próximo.

Em casa, os primos fizeram um bolo pequeno para comemorar. O pai dele, Juca, observava toda a festa sem incomodar. Os tios o abraçaram e os avós apenas comemoraram da forma que podiam: sentados na cama.

Juca chamou o filho para uma conversa em particular. Para surpresa de Abner, seu pai estava sério, sem vestígios de raiva e falava sem erguer a voz de modo agressivo.

― Tive uma conversa com seus tios ― começou. ― Quero que saiba que eu não concordo com isso, pois nós precisamos de você. Mas eles insistiram que você deveria voltar para sua casa, lá no sul, em Campo Grande.

Por um momento, um sorriso se abriu no rosto de Abner. Seu pai estava finalmente deixando-o se libertar daquele lugar e dele. Mas quanto tempo essa posição iria durar?

― Você não tem muito dinheiro, pois vive pagando as contas aqui em casa vez ou outra. Então eles ordenaram que eu parasse de pegar seu dinheiro ― continuou se esforçando para continuar aquela conversa de forma pacífica. ― Para que você pudesse juntar para pagar a passagem.

Abner pode sentir a força que seu pai fazia para dizer aquilo, pois discordava de cada palavra que saía de sua boca. Pensou em dar um abraço em seu pai, mas deixou a ideia só no pensamento com medo de que ele mudasse de ideia.

Com o valor das passagens, não demoraria muito para juntar um dinheiro e sair dali. Poder voltar para sua casa real. A casa que considerava como sua. Poderia ver Bernardo de novo. Falar com ele de novo depois de tanto tempo. A última vez em que teve uma conversa com ele foi pelo celular. Contudo, o pai, ao pegar emprestado seu celular, acabou o quebrando e jogando fora, isso incluía todos os contatos dentro dele ― Bernardo estava nessa lista. Ganhara um celular novo no dia seguinte, mas nada tirou a dor de perder o número da pessoa que sentia um afeto especial. Às vezes, perguntava-se se foi de propósito que seu pai fez isso, para que não mantivesse mais contato com as pessoas de Campo Grande.

Rondonópolis não era uma cidade ruim. Era até uma cidade legal, mas seu pai havia feito o favor de destruir sua experiência, fazendo com que odiasse um lugar que sequer conhecia. A culpa não era da cidade, não era dos moradores, nem do que a cidade tinha a oferecer, mas sim de seu pai, que agora não estava pedindo redenção, só falando a opinião da casa e que não poderia ir contra ela.

O lobo-guará deu a notícia ― de que partiria em algum momento ― ao urso negro, que ficou com um sorriso triste no rosto, pois queria ter mais tempo com seu mais novo amante. Já estavam naquilo há dois meses e o urso negro queria que aquilo perdurasse e Abner percebeu.

― Você parece meio triste ― notou o lobo-guará.

― É que eu precisarei viajar e só vou voltar daqui alguns meses ― revelou. ― Queria que ainda estivesse aqui quando eu voltasse.

― Quanto tempo isso vai demorar? ― quis saber o lobo-guará, pois dependendo do tempo, poderia até esperar.

― Não mais do que quatro meses ― informou. ― Queria que você estivesse aqui ainda.

Bernardo e AbnerOnde histórias criam vida. Descubra agora