Vamos conversar 2/2

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SARAH

Eu estava perplexa.

- Quando você disse "eliminar coisas" Oque significa ? Stephen, você já matou alguém ? -

Balançou a cabeça de forma positiva e eu arregalei os olhos.

- Não fica assim, por favor...me desculpa...me desculpa -

- Pelo amor de Deus. Eu fui largada naquele orfanato e nem por isso eu entrei numa vida dessas, eu tinha tudo pra ser a pior pessoa do mundo.
As crianças não gostavam de brincar comigo, eu vivia só, eu apanhava. Todos me odiavam, Stephen...sabe porque eu tive TANTO pânico a ponto de sair do orfanato daquele jeito, naquela noite ? Porque não foi a primeira vez que eu senti aquele medo, na verdade, da primeira vez, eu não só senti medo, como senti algo bem pior -

As lembranças dolorosas daquele dia retornaram em mimha mente.

- Eu fui estuprada pelo pai do Guilherme, e quando contei pra mãe dele, ela disse que era culpa minha.
Eu fui devolvida, fui adotada de novo e devolvida de novo, e de novo. Toda vez que eu voltava, eu apanhava, e esperava anciosamente, dia após dia, alguém me adotar e me amar de verdade como filha -

Suspirei.

- Durante a minha vida toda, eu vi todos irem, e eu ficar.
O Gui, era minha saída pra tudo, eu tinha um carinho especial por ele, um amor, na verdade, ele preenchia aquele vazio.
Nós transamos algumas vezes, mas ele foi embora e prometeu voltar e até voltou. Me engravidou, não que eu não tenha parte nisso, mas, quando eu contei sobre a grávidez, ele não respondeu, só me bloqueou de tudo.
Mesmo assim eu continuo aqui. Tentando ser melhor a cada dia -

Não iria poupá-lo de ouvir algumas verdades.

- Você tem razão, é um filhinho de papai, não precisava disso, não sabe nem a metade do que muitas crianças passam num orfanato ou na rua, deveria ter ocupado a cabeça e tratado seus traumas em um especialista, não no crime -

Soltei as mãos dele e limpei meu rosto.

- Stephen, sai disso, você vai acabar se machucando...e...nem seus pais, nem a Maria merecem isso. Se um dias eles souberem, vão ficar decepcionados -
Apertei minhas mãos com as unhas lembrando de coisas que eu tentei esconder durante tanto tempo. - Me conta sobre a Raquel -

- A Raquel ?? - Assenti. - Acho que o pivô do meu surto, no dia em que te expulsei...foi ela.
Eu estava no quarto ano da faculdade e já estava a dois anos com ela. Gostava mesmo daquela mulher, e ela me amava. Bom, foi o que achei -

Bufou.

- Maria sempre me avisou e eu fui cego e surdo. Raquel vivia comprando coisas caríssimas com meus cartões de crédito, se mudou pra minha casa, e eu dei um carro pra ela, não ligava pra nada, dinheiro não era o problema, nunca foi.
Mas aí, ela fez uma grande surpresa para me dizer que estáva grávida, e esse foi meu sonho desde muito novo -

O sorriso em seus lábios não era de felicidade.

- Eu enlouqueci, dali pra frente era só a Raquel e meu bebê que importavam. A gente nem transava mais, e tudo bem, era pra segurança do bebê, eu não me importava.
A barriga dela começou a crescer, eu estava alucinado, era a época MAIS FELIZ DA MINHA VIDA -

Um misto de pena me invadiu ao vê-lo chorar outra vez.

- Lá pelo quinto mês e meio, numa tarde quente, a Raquel foi tomar banho e deixou o celular na cama. Começaram a chegar mensagens consecutivas, e então fui olhar, nunca tivemos segredos um com outro, tínhamos acesso livres a celular e outras coisas. Mas, tentei desbloquear e a senha não era a mesma de sempre, só consegui com minha digital, ela não sabia que tava cadastrada.
Eu li as mensagens dela com um tal de Endew, a Raquel chamava ele de amor em todas as respostas escritas pra ele. Tinham fotos dela nua, e muito mais. As mensagens que me fizeram pegar o celular foram as seguintes.
"Gostosa, quando nosso filho nascer, até a faculdade dele já vai estar garantida, graças a esse trouxa"
"Assim que você se separar dele, tiraremos nossas merecidas férias, e eu vou foder você todinha" -

No momento eu só sabia ter dó de Stephen, jamais iria desconfiar de algo assim.

- Sarah, eu nunca senti tanta dor quanto aquele dia.
A Raquel saiu do banheiro me olhando com cara de assustada e eu coloquei ela pra fora.
Eu...sentia vontade de morrer a todo segundo daquela noite, fui parar no hospital completamente babado e drogado. Quase tive uma overdose.
Uma semana depois, o cara bateu tanto nela, a ponto do bebê morrer. Depois disso, eu fui convidado a entrar pra Máfia...e fui fundo, aceitei, eu não estava nem aí pra nada -

Me olhou outra vez.

- Até você aparecer, é claro.
Aquela noite, foi um reflexo do que houve há anos atrás. Me perdoa, eu sinto muito por tudo oque te aconteceu -

- Stephen...- Abraçei ele apertado sentindo um pouco de sua dor. - Para..não pede mais perdão por nada -

Sussurrei e fui pro chão ao lado dele.

Continuei abraçada a Stephen, que deitou a cabeça em meu pescoço soluçando de tanto chorar.

- Calma...eu estou aqui, não que você mereca, mas estou - Rimos.

Fiz carinho na cabeça dele e o mesmo me apertou num abraço gostoso.
Em meio a tantas confissões e mágoas, eu não sabia oque fazer nesse momento, apenas decidi seguir meu coração, mesmo que não fosse a coisa certa.

- Sarah...eu preciso que você volte pra minha vida, que você volte pra casa -

Me levantei passando as mãos no rosto, peguei um copo de água pra me acalmar, dei um pra ele com a mesma finalidade e me sentei novamente no chão.

Respirei fundo e comecei.

- Olha, você me pediu perdão...me pediu desculpas, mas...- Passei minha mão no rosto dele. - Eu tenho dignidade...não é assim tão fácil. Eu disse que iria pensar se me contasse, e já estou pensando. Mas voltar agora, não dá, e muito menos voltar pra sua casa -

Eu tinha saudades de lá, saudades dele. Mas não iria voltar.

- Sei que, assim que eu colocar os pés lá, vou me lembrar de absolutamente tudo, aliás, lembrar mais uma vez.
E outra, tem minha gravidez, não sei como você vai ir reagindo com o avanço dela, ou como vai ser quando minha filha nascer, não quero depender de você para o sustento dela, vou continuar aqui, e mais pra frente a gente vê oque faz -

Acabou concordando comigo.

- Posso te dar um beijo ? -

Não esperava aquilo, mas assenti.

Stephen se aproximou calmamente e me beijou, foi um beijo calmo, mas com desejo e muita saudade.

- Eu ainda te amo tanto...tanto -

- Stephen...eu também te amo, mas, não complica as coisas de novo.
Vamos dar tempo ao tempo -

- Quem tá complicando é você. Na minha opinião a gente reatava agora mesmo e você sabe -

- Pelo amor de Deus, não faz isso -

Me levantei e abri o frasco de vitaminas, peguei um comprimido e engoli com água. Eu queria fugir daquele assunto.

- Acho que já até sei porque não quer.
Aquele cara do bar te interessa, né ? Oque estava toda hora de conversinha fiada com você - Levantou esperando respostas.

- É impressão minha ou está me cobrando alguma coisa ? Olha, faz um favor, vai embora, volta quando deixar de ser babaca, se for possível ! - Bufei e fui pro quarto, peguei a arma dele e coloquei na mesa. - Some com isso daqui, e sorte sua eu não falar nada com a Maria -

Me virei e fui pro banheiro com um puta enjoo. Cerca de dez minutos depois escutei a porta bater, ele enfim tinha ido.

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