3 - Cenoura

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Após o intervalo, quando o professor chegou, ele lançou a Anne um olhar gélido. Era o que eu temia... ele sabia dos comentários e parecia culpá-la também.

Sei que ele era meu professor e que devia respeitá-lo, mas nunca gostei muito do Sr Phillips. Sempre apoiando alguns alunos, independente do que faziam e indiferente a outros. Sempre impaciente e grosseiro, até violento algumas vezes. Acredito que lançaria mão da palmatória para nos disciplinar se visse necessidade, método que eu sempre achei abominável.

Se ele decidisse descontar em Anne, ela estaria em maus lençóis.

Mas eu tinha uma missão, falar com ela e lhe dar aquela maçã. E comecei minha empreitada para chamar sua atenção.

Ela parecia concentrada nas contas de multiplicação. Joguei um papel, para que ela olhasse para mim.

Ela não olhou. Pelo contrário, endireitou o corpo e fixou os olhos determinadamente na lousa à sua frente.

Tracei uma nova estratégia, meu giz iria cair perto dela e eu teria que levantar para pegar, então lhe entregaria a maçã e falaria com ela.

E assim eu fiz, joguei o giz perto dela, levantei, me abaixei ao seu lado. Peguei o giz, olhei para ela e coloquei a maçã em sua mesa.

- Toma.

Ela porém, estava determinada a não me olhar e assim fez.

- Oi...

Eu só queria que ela me olhasse. Não sei, simplesmente isso. Nem precisava me agradecer pela maçã ou pela ajuda mais cedo. Talvez um sorriso... mas não, nem um mísero olhar.

Então, aconteceu. Eu me tornei o garoto ridículo e imbecil que sempre desdenhei. Aquele garoto que faz qualquer coisa para chamar a atenção de uma garota, mesmo que isso a ofenda. Sim, eu me tornei esse garoto.

Olhei para ela, para seus lindos cabelos vermelhos, arrumados em tranças e... não me orgulho disso... eu o puxei.

- Cenoura! - eu disse.

A reação dela foi surpreendente, mas confesso que merecida.

- Eu não vou falar com você! - foi o que ela gritou quando bateu com sua lousa em meu rosto.

- Agora falou! - eu disse sem graça

Porém, o impacto foi tão grande que quebrou a pequena lousa e chamou a atenção de todos, inclusive do Sr Phillips.

- Shirley! - o professor gritou - Venha aqui, já! Que comportamento grosseiro! Foi isso que lhe ensinaram no orfanato? Inaceitável!

Anne estava assustada, acredito que nem mesmo ela esperava tal reação de sua parte. Mas pensando bem, era uma atitude compreensível se analisarmos toda a tensão que aquela menina havia vivido naquele dia. Toda a humilhação a qual foi submetida.

E eu tinha participado daquilo, sem querer eu sei, mas querendo ajudar acabei piorando tudo. Eu, Gilbert Blythe tinha, definitivamente, me tornado um grande imbecil.

"Ann Shirley tem um gênio terrível"

Foi o que o Sr Phillips escreveu na lousa e mandou Anne ficar parada, diante dessas palavras, na frente de todo mundo. Ele não teve nem a compaixão de escrever seu nome corretamente, como se toda aquela humilhação já não fosse suficiente.

Minha vontade era ir até a lousa e colocar um E em seu nome, mas isso não soaria bem depois do que eu havia feito.

- Fique aqui quieta, e o resto de vocês, silêncio! Que isso sirva para mostrar que nós não toleramos atos de violência desta natureza aqui, nesta sociedade civilizada!

Muito civilizada de fato, pensei comigo.

- Foi culpa minha, Senhor! Eu que... a provoquei... - tentei amenizar de alguma forma.

- Quieto, Blythe. Isso não pode servir como desculpa. - ouvi risos na sala - Quietos, todos vocês! Voltem à lição!

Me sentei para não piorar ainda mais a situação. Estava mortificado com tudo aquilo.

Anne ficou lá, parada, as pessoas cochichavam umas para as outras. Alguns estavam chocados, outros riam.

Olhei para ela e achei que, a qualquer momento eu veria as lágrimas finalmente brotarem de seus grandes olhos azuis. Me sentia imensamente culpado por colocá-la naquela situação.

E então, seu olhar mudou, sua expressão se tornou determinada. Ela fixou os olhos na porta, no fundo da sala de aula e começou a andar.

- Aonde pensa que vai? - perguntou o professor

Anne não se intimidou, continuou andando, determinada, corajosa, fascinante...

- Volte já aqui!... Shirley... Volte aqui!

Ela chegou à porta, abriu e saiu. Deixando todos boquiabertos.

My Anne with an EOnde histórias criam vida. Descubra agora