5 - O Incêndio

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(T1E4)

O incêndio era na casa dos Gillis.

Ruby Gillis estudava comigo, era uma menina bonita, posso dizer. Mas sempre me pareceu um pouco boba, sei lá. Ela me olhava com um semblante engraçado. Uma vez Charlie disse que isso era porque ela gostava de mim. Mas, enfim, isso não importava agora. Fiquei feliz em descobrir que ninguém havia se machucado. Toda a família Gillis estava a salvo.

Observei que o incêndio se concentrava no segundo andar. Provavelmente algum acidente com velas ou lamparinas. Billy Andrews chegou com uma escada e eu subi para tentar apagar o fogo através da janela do que parecia ser um quarto.

A comunidade estava toda lá, tentando ajudar de alguma forma. Havia muita conversa e gritaria de todos. Billy gritou para que trouxessem baldes de água e começou a me entregá-los para jogar no fogo. Assim nós fizemos por um algum tempo, mas não parecia haver muito resultado. O fogo estava aumentando.

Foi quando comecei a ouvir o nome de Anne. Parecia ser a voz de Diana chamando pela amiga.

Finalmente, pensei comigo. Depois de resolvermos aquele incêndio, talvez eu tivesse a chance de falar com ela. Sei lá, deixar aquela história para trás. Sermos amigos, ou pelo menos bons colegas de turma, se ela voltasse à escola, claro.

- Anne! AAAnne! - a voz de Diana parecia alterada.

O que será que estava acontecendo? Mas não pude olhar para Diana, pois vi um vulto passando. Havia alguém na casa!

Os Gillis não estavam todos a salvo? Não, eu havia visto a família reunida lá embaixo! Então, quem havia entrado naquela casa em chamas?

Pouco tempo depois, a pessoa voltou e eu pude ver com clareza!

- Anne?

Foi tudo o que consegui dizer antes de ela fechar a porta do quarto em que eu estava. Pensei em entrar na casa para tirá-la de lá, mas o fogo e a fumaça me impediam. Os baldes de água continuavam chegando e eu continuei jogando-os no fogo, precisava continuar. Precisava apagar aquele incêndio.

Pouco tempo depois finalmente as chamas pareciam estar cedendo. O fogo estava diminuindo. Gritei por mais água, e intensifiquei o trabalho.

Entre um balde e outro dei uma olhada em volta. Vi que Anne havia saído da casa, estava abraçada com Diana e Marilla. Não sei o que ela fazia no meio de um incêndio, mas pelo menos estava bem.

Levou algum tempo, mas conseguimos extinguir o fogo. Pela manhã tudo já estava calmo e começamos a nos organizar pra reconstruir o que havia sido destruído.

Em meio às conversas sobre o que havia acontecido naquela noite. A Sra Gillis me contou que Anne havia sido a responsável pela diminuição da intensidade do fogo.

Sim. Anne havia entrado numa casa em chamas porque leu que o fogo precisa de oxigênio. Agora eu entendia o motivo dela estar fechando as portas e o porque de as chamas começarem a ceder logo depois.

Estavam todos admirados com a inteligência e a coragem daquela menina, e... confesso que também a admirei por isso. Nem me importei que ela tivesse levado todo o crédito pelo fim do incêndio. Depois disso a comunidade, com certeza a veria com outros olhos.

Achei que não era o melhor momento para falar com ela, talvez numa outra oportunidade, quando as coisas estivessem mais calmas.

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Como combinado, no dia seguinte começamos o trabalho. As aulas seriam suspensas por uma semana para que todos pudessem ajudar.

No nosso primeiro dia de trabalho Billy estava trabalhando perto de mim. Eu definitivamente não gostava de Billy Andrews, mas também não podia evitar sua companhia. Apesar de não suportar suas atitudes e comentários cheios de preconceito e maldade. Frequentávamos a escola juntos, tínhamos o mesmo grupo de amigos, morávamos na mesma comunidade. Simplesmente não poderia evitá-lo sem ser rude.

- Olha lá! A esquisitona e sua nova irmã gêmea! - Billy comentou com seu ar debochado de sempre.

Olhei para ver de quem ele falava e vi Anne e Ruby chegando à obra. Elas traziam uma cesta grande, provavelmente algo que Marilla, ou elas mesmas haviam feito. Estavam ajudando. Fazendo sua parte, como todos faziam.

- Trazendo comida? Nem me importava que fosse o Quasimodo! - comentei.

Ruby olhava para nós enquanto carregava a enorme cesta que dividia o peso com Anne e acabou tropeçando e caindo de cara nas folhagens do chão.

- Ruby! - disse Anne preocupada - Ruby, você está bem?

- Foi demais! - disse Billy gargalhando - Meninas são inúteis. Ela devia ter ficado em casa, na cozinha.

Pensei em dar alguma resposta e colocar Billy em seu lugar, mas não precisei.

- Qual é o seu problema, heim? - disse Anne, defendendo a amiga.

- Vão para casa, assar biscoitos! - disse Billy.

- Preste atenção! - eu falei, será que ele não estava enxergando? - Elas já assaram!

Percebi que Ruby ainda estava sentada no chão, choramingando e decidi descer para ajudar. Além disso, era uma chance de mostrar a Anne que eu não concordava com Billy, que eu ainda era um cavalheiro.

- Essa casa é da Ruby, esqueceu? - Anne continuou enfrentando Billy.

- Vão embora daqui, e deixem os homens trabalharem.

- Que tal você me dar esse martelo para eu terminar o trabalho que você está deixando de lado porque está sendo ofensivo?

As pessoas a nossa volta estavam atentas à discussão e começaram a rir. Com certeza aquela não era mais a menina aterrorizada que encontrei no bosque. Ela estava mais confiante, estava enfrentando Billy.

- Vem cá. - eu disse ajudando Ruby a se levantar - Você está bem?

- Obrigada, Gilbert!

Ruby me respondeu com aquele olhar engraçado que ela sempre ficava quando falava comigo. Isso me deixava sem graça. Mas não era com ela que eu queria falar, então me dirigi a Anne.

- Imagina! E... obrigado por virem aqui e alimentar as feras! - eu disse esperançoso por um retorno dela.

Anne me olhou por um segundo e eu pude ver novamente aqueles olhos. Hoje eles estavam ainda mais azuis, talvez pela empolgação da briga com Billy. Eu esperei a resposta, mas não veio. Ela simplesmente desviou olhar.

- Muito agradecido! - o Sr Cuthbert falou atrás de mim.

- De nada! - Anne respondeu para ele.

Ela havia mesmo me ignorado. Com certeza ainda estava brava comigo.

Mas era a minha chance, pela primeira vez Anne estava próxima de mim depois da ofensa que eu lhe fiz. Eu precisava puxar um assunto, quebrar o gelo. Porém, não consegui falar nada, não encontrei palavra alguma...

- Matthew, você pode levar a cesta depois? - ela falou com o Sr Cuthbert.

- É melhor eu levar se não quiser levar bronca!

Ruby me encarava e isso me deixava ainda mais sem graça. Já Anne, estava determinada a não olhar para mim. Eu continuei ali, mudo, sem encontrar nada para dizer. Que situação mais embaraçosa.

- Vamos Ruby, vamos para casa. - Anne finalmente falou e saiu puxando Ruby pelo braço.

Tudo o que me restou foi voltar ao trabalho.

Depois desse incidente vi Anne uma ou duas vezes na obra. Mas ela não voltou a se aproximar de mim. Talvez porque Billy insistia em trabalhar ao meu lado. Ou para me evitar mesmo.

My Anne with an EOnde histórias criam vida. Descubra agora