Desde aquele dia eu não consigo parar de sentir esse sentimento tão intenso. É como se a muito tempo eu não sentisse esse friozinho na barriga que é ser bombeiro. Ao mesmo tempo, me sinto leve e feliz por tudo ter dado certo. Pelo menos, 80%. Seria melhor se não houvessem mortos, mas fizemos o possível, eu sei disso.
O trabalho é duro, desgastante, mas eu não poderia estar mais feliz em outra profissão. Acho que puxei do meu pai essa parte de mim que quer salvar o mundo a todo custo e sem importar como.
Cheguei em casa faz dez minutos, já é de manhã. Umas 07h30, para ser exato. Agora tenho três dias de folga. Três dias muito desejados. As operações das últimas 24 horas me deixaram extremamente cansado, preciso recarregar minhas energias. Vou ver se tomo um banho e como alguma coisa.
Acordo com meu celular tocando, percebo que acabei capotando ali mesmo, no sofá. Era minha irmã, segundo o nome no visor do aparelho.
— Maia?
— Já está em casa?
— Estou sim, por quê? Aconteceu alguma coisa?
— Eu não estou me sentindo muito bem, tem como você vir me buscar aqui na faculdade?
— Claro, claro. Estou saindo de casa, em trinta minutos eu chego aí.
— Ok.
Me levanto rápido, caçando as chaves pela casa, e, ao olhar para o relógio de parede da sala, noto que já se passa das 10h. Tranco tudo e desço de elevador até o estacionamento, entrando no carro logo que o vejo. Passei pela portaria dando bom dia, mesmo sendo um porteiro novo, que nunca vi.
Em todo o percurso, eu só conseguia pensar na minha irmã. Essas crises dela estão cada vez mais frequentes, mesmo com os remédios e todo o cuidado possível. Creio que piora nas épocas de provas, como agora, já que a ansiedade vai a milhão.
Do contrário do que pensei, cheguei até mais cedo. Consegui uma vaga para estacionar o carro algumas ruas depois do campus, e com isso, adentrei o local vagando meu olhar por cada canto e rosto que tinha ali, a fim de encontrar minha irmã. Não achei, então decidi mandar uma mensagem avisando que cheguei e onde eu estava. Recebi uma resposta dela pouco depois dizendo que estava descendo para se encontrar comigo. Enquanto isso não acontecia, fiquei prestando atenção nos estudantes. A maioria deles andavam bem vestidos. Maia deve adorar analisar todas as peças e deduzir o que tem de certo e errado em cada uma delas. Aliás, ela cursa Design de Moda. É apaixonada por roupas, esboços e manequins. Inclusive o quarto dela é cheio dessas coisas, deixando isso bem visível. Aquele é o mundinho dela. Ambiente do qual é palco de suas criações. Maia é uma das pessoas mais focadas e talentosas que eu já vi — e não digo isso porque ela é minha irmã, hahaha.
Dentre os vários e vários jovens que passavam, uma me despertou a atenção. Era um rosto familiar, eu só não lembrava de onde. Isso se não era coisa da minha cabeça.
Ela tinha os cabelos loiros, usava uma regata branca e uma calça solta de tecido leve, na cor marrom, cobrindo metade de seus sapatos, que eram sapatilhas pretas. Foi tudo muito rápido, em um piscar de olhos ela já tinha sorrido para o jardineiro por educação e atravessado a rua.
— Miguel?
Volto à realidade após viajar no mundinho de cada pessoa que passou, em menos de 10 minutos que fiquei esperando Maia. Por falar nela, a voz feminina não poderia ser de outra pessoa senão dela.
— Você está bem? Fiquei tão preocupado — me aproximo, abraçando a mesma.
— Estou melhor. Tive uma crise de ansiedade que acarretou em uma crise de asma. Foi horrível, mas passou, e agora eu estou bem. Só quero ir para casa e descansar. Parece que minha cabeça vai explodir — seu rosto demonstrava o cansaço.
— Você estava sozinha quando tudo aconteceu? — Indago, começando a caminhar junto com ela até onde estacionei meu carro.
— Não, meus colegas me ajudaram.
— Menos mal — ela assente, concordando.
Entramos no carro, que não estava muito longe, e durante o caminho de volta para casa fomos conversando sobre como foi nossa manhã e fazendo planos para mais tarde.
— Você está... diferente — ela sorri.
Paro no farol vermelho e olho em seus olhos de jabuticaba, rindo.
— Eu? Por quê?
— Isso que eu te pergunto — risos. — Mas se te conheço bem, tem alguma coisa que você não consegue tirar da cabeça.
— Muito vidente você — semicerro os olhos, debochando.
— Fala logo. No que você não consegue parar de pensar? — Revira os olhos, mal contendo o sorriso.
— Eu não sei ao certo. É que eu vi uma moça no campus da faculdade enquanto eu te esperava. Parecia familiar, mas não tenho certeza. Enfim, era só isso.
— Você embra como ela era?
— Ela tinha cabelos loiros e longos, era alta e elegante. Vestia uma regata branca e uma calça marrom, meio soltinha.
— Bom, não conheço e nem vi ninguém assim hoje. Não faz mesmo ideia de onde pode ter conhecido ela?
— Não. Na verdade, eu nem sei se realmente conheço ela ou se foi coisa da minha cabeça. De qualquer forma, deixa para lá. Foi só curiosidade mesmo — viro a esquina. — Vamos parar em algum lugar para comer?
— Por mim tudo bem.
Conversamos e almoçamos por um total de uma hora e meia. Ao sairmos eu ainda passei na farmácia e comprei uma nova bombinha para Maia, melhor ter a mais do que faltar. E por fim, chegamos no condomínio. Deixei o carro na minha vaga e subimos até o terceiro andar, nosso apartamento.
— Esse ator é muito bom — me animo, vendo a atuação magnífica dele.
— O quê?
Estávamos assistindo um filme de suspense, e ao invés de ela estar concentrada nos detalhes, parecia estar com a cabeça em outro lugar.
— Me diga, no que está pensando?
— Não consegue ler minha mente? — Ela ri.
— Ainda não, bobona. Desembucha.
— Não é nada sério.
— Se não fosse sério você não estaria dando tanta importância a ponto de pensar nisso durante um filme de suspense desses.
— Ah, eu só... não sei, ando pensando muito na minha vida e no rumo que ela vem levando ultimamente. Meu problema é se preocupar antecipadamente por algo que nem está ao meu alcance ainda.
— O problema não é seu, é da ansiedade. E não vou dizer que é normal, mas a maioria das pessoas têm. Você só tem que acreditar em si mesma e confiar no processo. Não há nada de errado com você ou com sua vida. Está tudo bem, e eu estou muito orgulhoso da mulher que você vem se tornando — puxo ela mais para o meu lado no sofá, beijando sua testa.
— Obrigada — sorriu. — Eu te amo.
— Eu também te amo, pequena.
— Ah, e outra coisa...
— O que foi?
— Eu acho que já passou da hora da gente ter um bichinho de estimação — risos.
— Você acha? — Sorrio de lado.
— Sim, essa casa precisa de um membro novo.
— Um cachorro? Um gato?
— Um coelho.
— Hum, e por quê?
— Coelhos são animais silenciosos, limpos e independentes, ótimo para um apartamento como esse.
— Então você já andou pesquisando bastante sobre, né? — Fico perplexo com tanta informação sobre o roedor.
— Talvez um pouco — risos.
— Está bem, depois a gente vê isso. Mas, por ora, tem como a senhorita voltar a prestar atenção no filme?
— Mas é claro, vossa alteza — faz reverência.
— Besta — reviro os olhos, balançando a cabeça de um lado para o outro levemente.
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Para Sempre Desde Sempre
RomanceComo muitos jovens de vinte e três anos, Miguel e seus amigos adoram uma resenha. Bombeiro e com estabilidade financeira, ele só quer aproveitar a vida ao lado dos amigos e da namorada. Mas uma grande perda o faz ter que mudar radicalmente seu estil...