Capítulo 1

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Sequelas...

A perda dos meus filhos nos deixou sequelas. Algumas permanentes e outras reparáveis, porém com muito trabalho duro. Minha reclusão foi uma das sequelas. Não vou mais a empresa fiz um ateliê na minha nova casa além de ter um amplo home office. Risadas não eram mais ouvidas, mas os choros eram constantes, principalmente da Clara durante suas duras sessões de fisioterapia que eram necessárias todos os dias de segunda a sexta pelo menos 90 minutos. Vê-la tentar andar, me torturava e me fazia sentir ainda mais raiva de tudo que nos aconteceu. Minhas sessões de fisioterapia as vezes eram no mesmo horário que era, para tentar incentivá-la, e para que ela visse que a mamãe estava por perto. A dor física que eu sentia era gigantesca, mas a emocional não tinha como mensurar. Ver minha filha sofrer, me matava um pouco todos os dias. Se é que isso era possível. Eu já estava morta por dentro a um bom tempo. 6 meses em que tudo aconteceu e a ferida na minha alma, no meu coração ardia como se fosse o dia seguinte. A saudade, o ódio me consumia dia após dia.

Trabalho com minhas mãos e perdi 60% da mobilidade da mão direita. Débora, minha fisioterapeuta tem sofrido comigo por conta da minha ansiedade em voltar com a minha mobilidade.

20 DE FEVEREIRO...

PRISCILLA NARRANDO...

Estava no meu quarto quando a Rafa chegou. Ela era uma das poucas amigas que ficou do meu lado depois de tudo que aconteceu, além de ser meu braço direito na empresa.

Rafa: Pri? Bom dia.

Pri: Oi Rafa entra – respondi seca como sempre.

Rafa: Trouxe pra você assinar.
Eu: O que é?

Rafa: Aquelas plantas com modificações.

Eu: Ah sim - peguei a caneta com dificuldade e assinei bem devagar. – droga... – resmunguei.

Rafa: Calma Pri... não precisa ter pressa.

Eu: Eu preciso melhorar logo. Eu preciso voltar a trabalhar tenho um monte de projetos pra fazer e não consigo por causa dessa droga dessa mão – falei nervosa.

Rafa: você está indo bem, tenha paciência...

Eu: Paciência nunca tive e nem vou ter. E preciso de uma babá pra Clara, ela fica muito sozinha e eu não consigo cuidar dela sozinha. Infelizmente. E ela se sente muito sozinha.

Rafa: Eu vou procurar alguém com urgência. Quais os horários e salario?

Eu: Segunda a sexta de 8 as 17 horas, 1 hora de almoço e 30 minutos de café. Refeições na casa, plano de saúde e odontológico pra ela e dependentes, vale alimentação de 600 reais, vale transporte e salario de 4 mil reais.

Rafa: Me contrata... – riu.

Eu: Você ganha super bem Rafaela – falei sem humor.
Rafa: Um sorriso nesse rosto lindo de vez em quando faz bem sabia?

Eu: Não existe mais sorrisos nesse rosto – me deitei novamente.Ela foi embora sem falar nada. Acabei dormindo. Acordei quase na hora do almoço com uma mãozinha passando no meu rosto.

Clara: Mamãe... Mamãezinha...

Eu: Oi... Oi filhinha – dei um leve sorriso pra ela. – Tá tudo bem filhinha?

Clara: Vamos papa comigo. – olhei a hora.

Eu: Vamos papa – levantei fui ao banheiro, logo sai e empurrei a cadeira dela até a sala de jantar. – O que você quer comer filha?

Clara: Só pão titi mamãe. – pão titi é o nome que ela deu ao pão de queijo.

Eu: Só isso filha? Tem que ficar forte. Tem salada de fruta que você gosta, tem o suco de laranja também, tem bolo – tentei servi-la e caiu um pouco na mesa.

Ester: Deixa que eu sirvo dona Priscilla.

Eu: Obrigada – suspirei. Eu me sentia muito inútil não poder realizar pequenas coisas como servir minha filha. Era quinta feira logo ela teria fisioterapia e em algumas sessões mais pesadas ela chorava muito e aquilo era uma tortura pra mim. Fiquei na academia com ela acompanhando.

Clara: Dói mamãe não quero mais... Pega aqui – esticava os braços pra mim. Eu queria pegá-la no colo, mas eu não podia.

Eu: Eu sei filha, mas é preciso fazer pra você ficar boa logo. A mamãe ta aqui com você. - me aproximei dela. Nesse dia ela chorou tanto que a Débora achou melhor não irmos até o final. Ela tava bem fragilizada e forçar seria pior para as próximas sessões.

Débora: Melhor pararmos dona Priscilla, senão vai ser pior nas próximas, ela vai ficar com mais medo. Já está bom por hoje, fizemos 40 minutos.

Eu: Tudo bem – fui até ela e a peguei. – Tá tudo bem amor a mamãe tá aqui tá tudo bem – a beijei e abracei. – Ester dá um banhinho nela pra mim, e a coloca na minha cama eu vou deitar com ela um pouquinho.

Ester: Ta bom – ela saiu com ela.

Eu: E ai Débora como ela ta indo?

Débora: Ela está indo bem, ela está mais forte, mas ela está com muito medo e esse medo está atrapalhando a evolução mais rápida dela. Ela acha que vai cair ela não confia em ninguém para segurá-la.

Eu: Ela só confia em mim, e eu não posso segurá-la porque uma das minhas mãos pode não sustenta-la como deveria.

Débora: Sim. Ela já mexe as perninhas coisa que ela não fazia há um mês atrás, ela mexe os pezinhos, pouco mas mexe, coisa que ela não fazia. Ela faz o movimento de quadril e troncos com mais agilidade coisa que ela também não fazia. Ela ta indo super bem. Ela precisa perder o medo.

Eu: Acha que posso tentar tirar a fralda dela de novo?

Débora: Não, de maneira nenhuma. Ela não controla a bexiga dela ainda, ela regrediu nesse ponto. Enquanto ela não voltar a andar ou não tiver pelo menos no andador não acho seguro tirar a fralda dela, isso pode deixa-la mais insegura.

Eu: Ok. Muito obrigada Débora até amanhã.

Débora: Até amanhã – a acompanhei até a saída. Eu subi para o meu quarto coloquei um pijama fechei as cortinas coloquei no canal de desenho que ela gosta, desci pedi para Maria fazer uma mamadeira pra ela de leite com chocolate e o pão titi que ela ama e subi de novo. Tava com o rostinho vermelho de tanto chorar.

Eu: Oh filha tá tudo bem meu amor. – ela me abraçou e deitou em cima de mim.

Clara: Não quero mais mamãe... É ruim... dói... – soluçava.

Eu: Eu sei que dói filha, mas é pra você melhorar. A mamãe também faz e sente dor. Mas é pra melhorar. Lembra que eu falei que é pra gente correr no jardim igual a gente fazia?

Clara: Uhum...

Eu: Pois é amor... Agora toma o tetê e vamos ver um desenho – dei a mamadeira e o pão de queijo pra ela e ela deitou no meu braço. Logo ela dormiu. Fiquei olhando pra ela, como era inocente, como era tão pequena e sofrendo desse jeito. Minha raiva por tudo que aconteceu só aumentava.

NATIESE: AMOR E SUPERAÇÃO (TRAUMAS, REENCONTROS E RECOMEÇO)Onde histórias criam vida. Descubra agora