Três

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Quando eu chego na casa da minha mãe, por volta das 21 horas, descubro que não consigo me concentrar em nada, e percebo que isso não tem nada a ver com o meu TDAH, e tudo a ver com a minha PPM (paixão por margaritas).

Sim, estou bêbada. E isso não é tudo - como não fui para casa me trocar, estou com a roupa amarrotada e coberta de tequila. Eu sei que é errado aparecer na festa de noivado da minha irmã nessas condições, mas e se eu não aparecesse? Dulce ficaria decepcionada, e as pessoas começariam a especular.

"Ela não conseguiu aguentar."

"Ouvi dizer que ela está se empanturrando de comida."

"E, além de tudo, ainda perdeu o emprego... que vida horrível, coitada."

Os detalhes da demissão maciça chegaram aos jornais da noite. Assim, eu não sou mais apenas a irmã mais velha e solteira. Eu sou a irmã mais velha, solteira e desempregada.

Minha mãe e meu padrasto, Victor, moram na mesma casa colonial enorme onde eu cresci, a setenta quilômetros ao norte de Nova York, na pequena e pacata cidade de New Canaan, em Connecticut. A festa parece estar animada, então eu entro no meio do povo sem qualquer hesitação.

Quando eu abro a porta da frente, um cheiro forte de alho e perfume enche o meu nariz. Eu quase espirro, mas não consigo, e isso me irrita. Quase espirrar é como quase chegar ao orgasmo. Chegar lá causa um comichão, mas se você não alcança a sensação de desprendimento e liberação de energia, que graça tem?

Eu vejo Dulce em um canto e vou até ela, que está maravilhosa. Uma camada fina de tule aparece por baixo da saia rodada cor de creme que ela está usando. Os botões de trás, no cardigan cor-de-rosa, cintilam. Entretida em uma conversa com alguém que eu não conheço, ela não percebe que estou me aproximando sorrateiramente. Eu sussurro baixinho no ouvido dela.

- Tem mais botox aqui do que no consultório de um cirurgião plástico da Park Avenue.

Ela dá um salto quando ouve minha voz, e se vira para mim.

- Anahí! - diz ela, com uma voz aguda. Os dentes dela estão tão brancos que parecem feitos de porcelana, e o cabelo castanho está tão ressaltado quanto os seus seios. Ela coloca os braços ao redor de mim. - Estou tão feliz por você estar aqui!

- Eu também - respondo, dando um forte abraço na minha irmã. E eu digo aquilo com sinceridade. Apesar de ficar apreensiva em relação a aparecer por ali, eu não perderia esta festa por nada no mundo.

Dulce faz com que eu me vire para olhar para todas as pessoas que estão ali.

- Deixe-me perguntar uma coisa - ela diz -, se esta festa é para mim, então por que nenhum dos meus amigos está aqui?

A medida que olho para um mar de pessoas de meia-idade, todos parecendo ter saído diretamente das páginas da revista Town & Country, eu sorrio. É bem a cara da minha mãe fazer uma festa para Dulce ou para mim e chamar apenas os amigos dela, muitos dos quais nós nem mesmo conhecemos (não que minha mãe não tenha seus velhos amigos, mas ela está sempre fazendo novas amizades).

- Quem são essas pessoas? - eu pergunto, em um tom meio jocoso.

Dulce balança a cabeça.

- Não faço ideia.

- Oh, Dulce. Mamãe está apenas orgulhosa e quer mostrar você para todo mundo - digo, com sinceridade. Minha mãe e suas amigas estão sempre usando seus filhos para tentar mostrar umas às outras quem é a melhor.

Dulce revira os olhos.

- Sim, sim, sim, que seja.

- E o vovô está por aqui? - eu pergunto, olhando ao redor.

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