Vinte e Seis

226 22 9
                                    

Quarta-feira, 4 de Maio

É incrível a rapidez com que nos recuperamos.

Nos três dias e meio de viagem entre Rockford e Los Angeles, as cicatrizes na barriga de Eva ficaram bem sutis e os pontos da cirurgia começaram a desaparecer. Claro, vai haver uma marca, mas será preciso olhar bem de perto para poder enxerga-la. À medida que o ânimo dela retorna, eu me sinto mais alegre também.

Como o caminho até Los Angeles passa bem no meio de Las Vegas, ligo para o meu avô, mas a ligação cai direto na caixa postal de Glória. A mensagem diz que os dois estarão fora da cidade durante a semana inteira, visitando o Grand Canyon. Olho para Eva.

Meu avô sai para viajar com sua namorada. Eu saio para viajar com a minha cadela. Quando foi que a minha vida se tornou tão patética?

Seleciono a minha lista de musicas do ano de 2003 e aumento o volume, cantando junto com o iPod enquanto penso no motivo pelo qual estou viajando para Los Angeles – o numero 18, Michael Fassbender.

Eu conheci Michael há dois anos, quando ele foi contratado como assistente de produção para o programa semanal e Tv de Elisabeth, o Elisabeth Sterling Style. Foi seu primeiro emprego de verdade; ele havia acabado de concluir a faculdade. Sim, ele era mais novo do que eu, mas era por isso que eu gostava dele.

Eu havia acabado de sair de um relacionamento patético e as chances de que um homem de 21 anos e recém-formado na faculdade fosse casado eram mínimas. Uma semana depois de começarmos a trabalhar juntos, Michael e eu já havíamos progredido para longas conversas ao lado do bebedouro e longas pausas ao lado da maquina de fotocópias.

Não sei o que ele viu em mim, mas, em minha opinião, ele era uma lufada de ar fresco. Sendo tão jovem, ele não havia passado por muitas das decepções da vida, nenhum coração partido de verdade, nenhum problema com a carreira e, assim, ele não era do tipo calejado com a vida.

O entusiasmo que ele sentia em relação a todas as coisas era contagiante. Eu me sentia mais nova quando estava com ele. Bem, pelo menos, na maior parte do tempo.

Às vezes, entretanto, durante as nossas conversas, Michael dizia coisas que me lembravam a nossa diferença de idade. Por exemplo: a primeira vez que ele veio até meu apartamento, olhou para as minhas coisas e disse; "Nossa, seus móveis são mesmo de verdade".

Em outra ocasião, eu contei a ele sobre um velho walkman que eu tinha que costumava engolir fitas cassete. Não queria jogá-lo fora porque eu geralmente conseguia recupera as fitas colocando uma caneta dentro de um dos orifícios da fita e rebobinando-a manualmente. Mas, no dia em que a minha fita favorita com Debbie Gibson foi destruída além de qualquer salvação, aquele walkman foi para direto na lata do lixo.

Quando eu contei aquilo para Michael, ele ficou me olhando como se não houvesse entendido nada.

- Você se lembra das fitas cassete, não é? – eu perguntei.

Michael balançou a cabeça.

– Não.

- Eram fitas que continham música. Nunca viu uma dessas?

Michael balançou a cabeça.

– Não.

- Nem um walkman?

- Também não.

- Debbie Gibson?

- Não, desculpe.

Depois de ver a expressão de preocupação no meu rosto (sem dúvida acompanhada por algumas linhas de expressão e uma ruga na testa), Michael tentou fazer com que eu me sentisse melhor dizendo que sabia o que eram aquelas coisas (com exceção de Debbie Gibson), e que simplesmente não se lembrava de ter vivido na época em que eles eram realmente usados. Michael não se lembrava da época anterior aos CDs e aos downloads de musica digital.

Qual seu número? Onde histórias criam vida. Descubra agora