08 ➳ Chuva

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Sakura adora trabalhar em dias como esse. O céu completamente escuro, nem parecia que era oito horas da manhã. As nuvens pesadas traziam uma ventania sabatina, fez com que ela enrolasse Sarada como um pacotinho antes de sair de casa, esperando toda a chuva enfurecida que prometia cair sobre Konoha.

Seus pacientes começavam, aos poucos, a entrar pela porta da frente em busca de atenção, cuidado, um pouco de carinho e exames médicos. Seu marido estava certo, ela nasceu praquilo ali.

- Sakura-san - um de seus auxiliares cumprimenta ela, sorridente, aparentemente cansado, mas ainda assim, disposto para ser instruído por Ino na sala cirúrgica do hospital.

Sakura entra em sua sala, abrindo as cortinas e fechando as janelas, pois os pingos de chuva já começaram a bater estrondosos contra o vidro.

Ela empilha um emaranhado de papéis num canto da mesa relativamente organizada, e vê as consultas marcadas para a primeira hora do dia de hoje, há mais de uma semana.

- Bom dia, Ryuri! A ficha 1045, por favor - Sakura chama pelo número de pacientes atendidos desde quarta-feira, sendo hoje, apenas sexta.

- Bom dia, Sakura-Sama - o secretário geral responde. - Já está indo ao seu consultório!

­- Obrigada! - Sakura agradece e desliga o interfone fixado sobre sua mesa. Ela não conhecia esta paciente, nunca havia escutado esse nome, mas sabia que precisa de uma atenção especial, caso contrário, Ryuri e Ino não a teriam feito ser atendida, já de imediato, pela Chefe de Saúde de toda Konoha.

Sakura deixa sua caneca de café de lado ao ouvir batidas sutis na sua porta. Ela sorri: - Entre!

- B-Bom dia... - timidamente, uma mulher adentra a sala de Sakura.

Ela é muito bonita - é o que a Uchiha pensa. Tem um corpo de dar inveja, completamente definido, cheio de curvas e um cabelo impecável. Extremamente pretos e lisos, ainda mais cumpridos dos que os da Hinata quando mais jovens, talvez menos dos que o de Kushina.

- Bom dia, Watanabe Kalmia - Sakura sorri. - Sente-se, por favor.

- Obrigada, doutora - Kalmia suspira, muito arrependida de ter saído de casa sem um casaco. Não podia se dar ao luxo de ficar doente. Bem, não ainda mais doente.

- É a primeira vez que nos encontramos, Kalmia-San, não tínhamos seu registro no hospital, você pode me contar um pouco?- Sakura é muito amigável, ela deixa a mulher confortável, é assim com todos os seus pacientes.

Noutro dia Naruto riu, achando inacreditável o amor dela com os necessitados do hospital, sendo que com ele sempre foi tudo abaixo de grito e pancaria.

- Eu... Me mudei recentemente para Konoha, vim de uma cidadezinha muito modesta na Vila das Flores. Bem, Tsnudade-sama me fez voltar a andar, há alguns anos atrás, mas eu não pude continuar o tratamento, pra ser sincera, eu não quis... - Kalmia suspira, e Sakura apoia o rosto na mão, ouvindo-a com interesse sincero, preocupada.

- Eu havia desistido, pra ser sincera - quando a mulher se cala, Sakura oferece sua mão sobre a mesa, dando-lhe segurança para falar quando a chuva despenca agressiva do lado de fora.

- Eu... Costumava ser bailarina, desde muito pequena e... Descobrir a doença acabou comigo. Eu não dançava mais, então consequentemente eu não ria, não queria conversar, me isolei dos meus amigos, só ficava em casa, triste. Depois a guerra estourou, meus pais morreram com o ataque dos zetsus brancos à aliança shinobi... Depois daí, as minhas pernas simplesmente pararam de funcionar.

Sakura fica em silêncio.

Sutilmente, ela solta a mão de Kalmia e pega a apostila com os estudos de Tsnudade quanto ao caso.

- Era uma doença degenerativa? - a doutora pergunta, querendo entender o que a Sennin havia anotado.

Kalmia balança a cabeça dizendo que sim.

- Na primeira sessão de fisio, junto com essa erva raríssima, ela reduziu a degeneração e atrofia dos músculos e nervos principais há quase nada... - Sakura comenta, entendendo o que aconteceu.

- Você vive bem, caminha, corre de vez em quando, mas mesmo assim está querendo continuar um tratamento que podia acabar com as suas pernas, isso se não acabar com a sua vida? - Sakura compreende o que sua paciente está pedindo. E ela não ousa perguntar o porquê ela optou por isso, pelo contrário, por via das dúvidas, a pergunta é direta: - Você decidiu voltar a dançar?

Kalmia sente seu coração acelerado. Ela nunca mais havia pensado nisso, ela já tinha até voltado ao trabalho leve com as flores, jardinagens e matemática, porque é o crânio em matemática, mas, de uns dias pra cá... É o que mais a deixa excitada. A ideia de dançar outra vez.

- Sim... - a voz da mulher mais velha é um sopro, quase vacilante quanto a sua própria decisão. - Quer quiser... Eu... Nós podemos fazer isso, não podemos?

Sakura sorri abertamente, fechando o fichário organizado.

- Ah, como nós podemos... - os olhos da mulher brilham imensamente, o sorriso iluminado era a coisa mais brilhante que Sakura havia visto naquele dia feio em Konoha.

- Claro... - agora seu tom um pouco mais pesado, infelizmente tem que trazer a verdade. - Isso pode ser literalmente doloroso, olhe... Nós faríamos fisioterapia, enquanto eu estudo um método eficiente de curá-la definitivamente. Não posso prometer que isso realmente vai acontecer, mas posso prometer que eu vou descobrir a origem dessa doença, e fazê-la parar de machucá-la tanto assim, principalmente em dias como esse...

Kalmia a olha com os olhos marejados. Ela nunca pensou que alguém pudesse saber ou entender a dor insuportável que ela sentia em dias de chuva, tudo porque o jutsu de mercúrio fundido às células de um sennin lendário atraem todos os raios, todos os trovões, a temperatura úmida do inverno fazia parecer que suas pernas estavam sendo picoteadas, depois eletrocutadas e por fim esmagadas por um trator.

- O que você acha de três sessões por semana, sendo a última com experimentos substanciais? - Sakura pergunta, olhando a agenda para marcá-la.

- Você quem sabe, por mim tudo bem - Sakura sorri.

- Segundas, quartas e sextas, das 08hrs às 12hrs, então - Kalmia acente, aliviada por finalmente dar um passo devolta aos palcos.

- Experimente isso, aplicação em dose exata nas veias dos braços ou diretamente na medula espinhal, mas normalmente a primeira opção é mais fácil - Kalmia pega alguns vidrinhos do medicamente, ganhando inúmeras minúsculas seringas inusadas. - Pra dias assim, a dor ameniza.

- Obrigada... - Kalmia agradece, muito desconfortável, erguendo-se devagar para ir até a porta.

- Kalmia-San, você não quer que eu chame alguém para acompanhá-la até em casa? - Sakura oferece, preocupada com os passos lentos da mulher. Kalmia sorri, negando levemente, agoniada em dores.

- Não se preocupe com isso, Sakura-san. Não moro muito longe daqui - era mentira, havia pelo menos seis quarterões a serem percorridos, no temporal, com as pernas contraídas em metal.

- Só mais um pouco... Você consegue... - Kalmia prefere caminhar na chuva, mesclando suas lágrimas de agonia. O quão fraca ela poderia ser? Aarg! Era patético.

A fervura da atrofia subia por seus tornozelos, fisgando a ponto de parecer que havia lhe rasgado, as veias trituradas, fazia Kalmia esquecer que sonhava em voltar a dançar, tirava da sua mente a vontade de continuar aquela coisa mesquinha.

Ensopada, ela chega em casa e tira suas roupas. As deixa emboladas em um canto, junto com as meias e os sapatos. Ela queria preservar aqueles sapatos, em Konoha as pessoas calçavam coisas estranhas demais pro gosto dela.

Kalmia vai para o banheiro onde infelizmente já até havia um banquinho no box, ela abre o chuveiro quente e se senta, muito deprimida.

Às vezes ela não conseguia pensar nas flores, mesmo que hoje fosse dia de exportá-las para cá. Ela nem conseguia ouvir o som do piano, ou do violino, ou sentir aquele cheiro recente, que ela acabara de descobrir.

Cheia de dor, isso a faz sorrir. Lembrá-lo de máscara, sem máscara, bravo, sorrindo. É, definitivamente ela havia conquistado algo bom em sua vida, pela primeira vez em muito tempo.

GRITE - Hatake KakashiOnde histórias criam vida. Descubra agora