Capítulo 54

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Eu nunca quis fazer aquelas coisas com você, e então eu tenho que dizer antes de ir. Que eu apenas quero que você saiba, eu encontrei uma razão para mudar quem eu costumava ser.
Uma razão para começar de novo e a razão é você.
[...]
Eu sinto muito ter te magoado, é algo com que devo conviver todos os dias.
E toda a dor que eu te fiz passar, eu gostaria de poder retirá-la completamente e ser aquele que apanha todas as suas lágrimas.

        The Reason – Hoobastank

         Point of View Christopher

O som da respiração pesada, o cheiro de terra e calor, o toque da pedra fria sob minhas mãos calejadas. Nada fazia sentido. Eu estava ali, e não estava. Era como cair em um sonho febril, sendo lançado em outra vida, outra época, sem controle, sem explicação. E então, eu a vi.

Ela estava no alto, acima de todos nós. Uma mulher vestida com tecidos finos e adornos de ouro que refletiam a luz do sol como se ela fosse um fragmento do próprio céu. Seus olhos eram profundos, carregados de uma intensidade que eu nunca tinha visto em ninguém. Uma parte de mim soube, naquele momento, que aquilo era perigoso. Mas eu não conseguia olhar para outro lugar.

                         Quetzaly.

Seu nome sussurrou em algum canto da minha mente, embora eu não soubesse como. Parecia familiar, como uma palavra que você nunca pronunciou, mas sempre conheceu. Ela olhava para mim com curiosidade, como se eu não devesse estar ali — como se um simples trabalhador não tivesse o direito de erguer os olhos para ela. E, ainda assim, algo se passou entre nós naquele instante.

Por um momento, sua figura se distorceu, e não era mais Quetzaly diante de mim. Era Dulce. O mesmo olhar curioso, o mesmo ar inatingível, como se eu nunca pudesse alcançá-la, não importa o quanto tentasse. Meu peito apertou, e a dor familiar da falta dela me esmagou, mesmo dentro daquele sonho bizarro.

Dulce se aproximou lentamente, seus pés leves como se flutuassem sobre a terra. Cada passo seu me puxava mais fundo para dentro desse sonho, dessa memória desconhecida. Era estranho estar ali, tão próximo, sentindo a atração de alguém que, de alguma forma, me pertencia e, ao mesmo tempo, nunca seria minha.

Aos poucos, a cena desapareceu, como uma neblina se desfazendo ao amanhecer. Fui arrancado de volta à realidade, acordando em silêncio. O peso no meu peito estava ali, firme, como se eu tivesse trazido algo daquele sonho comigo. Sem sobressaltos, sem sustos. Apenas um vazio crescente que preenchia todos os cantos da minha mente.

                 Eu estava de volta.

              Nós havíamos voltado.

Mas não havia alívio, não havia alegria, nem sequer surpresa. Havia apenas um pesar longo e denso, porque eu sabia que, a partir daquele momento, tudo mudaria. A vida que compartilhamos, todas as palavras ditas e não ditas, as promessas quebradas, o amor que nunca foi suficiente — tudo isso ficou para trás.

Levantei, respirei fundo e olhei uma última vez para a janela do quarto dela. O quarto de Dulce. Cada canto daquele lugar tinha um pedaço de nós, e sair dali seria como deixar partes de mim espalhadas, sem a menor chance de recolhê-las. Mas era isso. Eu tinha que sair.

               Eu não poderia ficar.

                          Não mais.

Entrei no carro e dirigi. A praia. A única coisa que me pareceu lógica no meio do caos. No caminho, parei em uma loja de conveniência e comprei um maço de cigarros. Fazia tempo que não fumava, e, quando encostei o filtro nos lábios, senti o gosto agridoce da promessa quebrada. Eu havia considerado parar. Por ela. Pelo que perdemos. Mas naquele momento, nada mais importava.

It's a Boy Girl ThingOnde histórias criam vida. Descubra agora