Daegu vibes

1.5K 94 34
                                    

Eu andava cambaleando pelas ruas escorregadias de Daegu.
Segurava uma garrafa de soju e uma sacola com o frango frito que acabara de comprar, confesso que naquela altura a bebida já fazia efeito. Enquanto terminava de beber, procurava as chaves daquela casa, descuidadamente, fazendo com que trombasse com alguém e a sacola caísse numa poça.

Ao levantar o olhar pude perceber com quem tinha trombado: simplesmente com uma das garotas que praticaram bullying comigo na época de escola e destruiram minha vida toda, além de prejudicar minha autoestima. A mesma me olhou de cima a baixo e cruzou os braços antes de dizer:

— Ora Yuna, não sabia que ia acabar desse jeito. — Fala antes de soltar uma risada debochada, céus como eu não aguentava a voz dela.

Apenas pego a sacola e passo por ela sem dar importância. Aquela vadia era o menor dos meus problemas agora.

Ya, não vai me responder, vadia? - disse nervosa.

— Vai se foder. — Saio deixando-a falando sozinha.

Encontro a chave que tanto procurava e ao virar a esquina sigo reto até chegar em casa. Minha casa ficava num beco, eu curiosamente gostava de sua localidade. De noite eu podia ver claramente as estrelas por conta da escuridão que tomava conta do lugar, além de ser completamente silencioso. Eu não ligava para o perigo.

Antes de entrar, jogo a garrafa de soju — já terminada — contra a parede, fazendo com que os estilhaços tomassem conta do lugar e o barulho soasse alto por conta do eco. Não tão alto como achei que seria, talvez a garoa tivesse amenizado o som.

Já em casa, me dirijo ao meu quarto sem me importar com meu padrasto e minha mãe que brigavam e quebravam todas as coisas que viam pela frente. Entro em meu quarto e tranco a porta. O espelho me alertava sobre quão ruim estava minha aparência: eu tinha olheiras enormes por conta das noites mal dormidas, cabelo bagunçado e sem nenhum cuidado, a boca rachada pela ansiedade que me dominava e a pele pálida que indicava que talvez eu já tivesse bebido demais nos últimos dias. Não demorei a me atirar na cama após aquelas observações.

Minha mãe tinha um relacionamento abusivo mas não percebia, por mais que eu tentasse, ela não me ouvia, ainda me xingava e jogava a culpa em mim. Algumas vezes sofri ameaças e recebi tapas por conta da mesma, até já fui expulsa de casa. Logo, cansei de me importar e resolvi parar de querer consertar as coisas. O homem batia nela e as vezes descontava em mim, mas de acordo com a minha mãe ele era perfeito e a culpa era dela e minha.

Naquela noite decidi que não dormiria em casa, estava barulhento demais. Peguei uma bolsa grande com algumas coisas e o celular, troquei a roupa que estava por um vestido preto justo e uma jaqueta de couro por conta do frio. Como não queria passar pela sala novamente, resolvi pular a janela, e por causa da casa ser térrea, não tive problemas. Não era nada que eu já não tivesse feito.

Já na rua, paro em uma banca e compro um maço de cigarros, não demorando para acender um e lembrar das sensações que aquilo me causava. O velho homem que ali atendia me encarava confuso e surpreso, talvez por ver uma menina tão jovem se afundar na vida.

As ruas se encontravam molhadas pela recente chuva e as poças de água refletiam os faróis e as luzes coloridas da avenida. A noite perfeita para mim, me fazendo refletir. Minha vida era uma merda, não tinha amigos, tinha 3 empregos de meio período para que pudesse me sustentar, minha família era um desastre, tinha sido vítima do bullying, não demorando para a depressão acompanhar, além de estar sozinha, nunca tive um namorado, só tinha algumas ficadas e casos de uma noite. E era exatamente disso que eu precisava naquela noite.

Enquanto pensava uma coisa me chamou a atenção: uma nova e grande cafeteria com placas neons e aquecedor. Apago o cigarro e entro ouvindo o toque dos sinos, fazendo com que alguns olhares fossem dirigidos a mim, afinal, o que faria uma moça com um vestido em pleno inverno e chuva?

Como estava com pressa, não esperei ser atendida e fui até o balcão, pedi um chocolate quente e logo me sentei em uma das mesas ao canto direito com vista para a janela, que era um bom ponto observatório. Ao tentar me distrair lendo o cardápio, percebo um olhar insistente que caia sobre mim. Um garoto de óculos com um casaco muito maior que ele. Ao ver que eu o observava, o mesmo desvia o olhar rapidamente. Ele era fofo, mas eu sabia que não poderia fazer ninguém feliz.

Ah o que estou pensando? - falo baixo comigo mesma.

O chocolate quente chega e eu o bebo rapidamente, não aguentando mais os olhares sobre mim vindos daquela mesa. Me dirijo ao caixa, lentamente, para realizar o pagamento e sair dali, porém escuto um dos acompanhantes do garoto de óculos dizer algo para ele, o que me faz olhá-los discretamente.

— Se conseguir levá-la para cama eu te dou cem dólares, é pegar ou largar. — Diz com um sorriso divertido.

Termino a compra com um isqueiro novo, pago tudo e me dirijo a mesa na qual a conversa rolava. Os cinco garotos ali presentes me olham surpresos e com um certo espanto.

— Você não tem cem dólares. — Digo simplista.

— Ah, é? Como sabe? — O babaca diz com um sorriso irônico.

— Porque o dinheiro que você tinha, eu gastei. — Digo jogando sua carteira sobre a mesa.

Os garotos me olham sem entender.

— Tchau Dawon, e obrigada pelo chocolate quente. — Digo o nome que estava na identificação. — Ah e você — Aponto para o garoto de óculos. — Você deveria escolher melhor seus amigos, eu sei que seu lugar não é aí.

— Então onde é? — O garoto parecia deixar a timidez de lado ao responder.

— Isso é por sua conta. — Digo piscando.

Ao sair dali, acendo mais um cigarro e me dirijo para o único lugar que poderia me animar naquela noite.

One Last Time | KTH Onde histórias criam vida. Descubra agora