Fui acordado pelo barulho súbito do abrir de uma porta. Sequer lembrava de ter cochilado. As chaves ainda tilintavam penduradas sobre a fechadura da porta recém-aberta.
Pensei ser outro rufião bêbado invadindo o quarto errado, até processar que não estava na hospedaria e a figura que fechava a porta era completamente diferente dos rufiões.
Tão logo fechou a porta, a mulher que entrara parecia ter deixado o imenso peso dos seus ombros levá-la próxima ao chão arrastando-se para a mesa que ficava no meio da sala/cozinha.
Sentou-se jogando o peso do corpo na mesa retangular. Após um largo suspiro que não escondia a exaustão, ela olhou para mim.
– Faça o favor de acordar Hellen, preciso de um chá! – Disse Sadsa, com a voz rouca de cansaço.
Bati na porta da esquerda, diretamente ao lado da minha cama em frente à lareira, que já estava às cinzas. Foi apenas com isso que meu cérebro pareceu lembrar-se que estava na casa de Elly.
O quarto estava inteiramente escuro, o que não impedia minha visão. E eu não tardei em bater na porta. Em pouco tempo, fui recebido por Elly, que trajava um roupão de trapos simples e pôs-se rapidamente a buscar lenha para reacender o fogo.
Quando ela tencionou acender os lampiões, Sadsa a interrompeu.
– Não, deixe apagados. Prefiro que não vejam luminosidade aqui dentro.
– Você foi seguida, irmã? – Perguntou Elly, em voz baixa.
– Considerando o conselho, não duvidaria. Além disso. ainda fiz questão de vir para minha casa ao invés de usar meus aposentos no castelo. Claro que pelo menos um espião deve ter me acompanhado. – Ela suspirou e continuou:
– Eles me tratam como um poço de músculos sem cérebro, mas não a ponto de me considerar uma completa imbecil. Só que tudo bem, eles sabem que venho aqui todas as vezes que estou irritada, então em pouco tempo devem ir embora. Não é como se o castelo tivesse recursos sobrando para vigiar cada passo de cada ministro.
– Preferiria que viesse em momentos menos conturbados, irmã.
– Isso seria o mesmo que nunca conseguir vir. – Disse Sadsa, com um sorriso triste.
– Vou acender o fogão e pôr a água para ferver. Pode deixar, acenderei com a tampa fechada na zona em que a luz puder ser vista pelas frestas da janela.
– Você é meu maior orgulho, Hellen. Pelo menos, fiz algo que valesse à pena.
– Ah, minha irmã... – Respondeu Elly, com um sorriso triste.
Antes de Elly acender o fogo, Sadsa sem saber que eu podia enxergar no escuro, começou a despir-se, ao que corri a fechar os olhos.
Foi somente quando percebi pequenas luzes bruxuleantes através das pálpebras fechadas que ousei abrir os olhos novamente.
– Garoto, tenho algo a confirmar com você, mas prefiro esperar para ter certeza de que não estou sendo observada, nem que seremos ouvidos.
Com isso, ela bebeu o chá servido minutos mais tarde e esperou calada. Elly e Sadsa farejavam o ar com alguma constância.
Ter sido acordado no meio da noite contribuía ainda mais para a sonolência que este absoluto silêncio incitava. Acho, inclusive, que isso me fez ver coisas, pois eu jurava ter visto um pedaço de bolo na tigela claramente vazia, em cima da mesa, quando entrei na casa algumas horas atrás.
– Não sinto nenhum cheiro diferente, irmã.
– Nem eu, mas não é como se desse para ter plena certeza. Tem cheiros demais na Cidade Inferior para procurar um que não saibamos exatamente qual. Enfim, tudo bem. Bata a porta do meu quarto e faça como se eu estivesse me retirando para dormir. Toda precaução é pouca.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Legado de Sangue Feérico
Fantasi"Se meu segredo for revelado, facilmente poderei perder a vida, mas não sinto que ela valha o esforço." - Pensa Nidav olhando para si. Após a morte de seu pai, o jovem se vê sozinho e perdido, carregando um fardo que o atormenta todas as noites. Qua...