Capítulo 26 - Flagrante

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A minha vida acadêmica estava exatamente do jeito que eu queria: atarefada, desafiante e com aulas super interessantes, e eu logo caí em uma agradável rotina que se dividia em participar das aulas, realizar minhas atividades e ensaiar meu número, que já estava pronto.

O evento iria ocorrer hoje, e eu já estava praticamente roendo as unhas de nervoso, assim como Isis e Elisa, que finalmente tinha encontrado a inspiração que procurava.

Heitor me mandou mensagem a respeito da festa do tal Patrick, o veterano de quem me falara. A festa iria acontecer dali há somente um mês e ele já queria que eu confirmasse a minha presença.

Alguma coisa me dizia que não era prudente sair com ele de novo, mas decidi confirmar a minha presença. Fazia tempo demais que eu não ia a uma festa, e talvez eu pudesse despista-lo quando chegasse lá.

Eu me encontrava no camarim, já com o meu figurino montado. Eu usava um longo vestido de cetim que brilhava em um tom prateado e meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto. O vestido era de tecido leve e tinha fendas nas laterais, para que eu pudesse me locomover. Eu quase nunca usava meu cabelo preso pois além de deixar meus cachos muito marcados, eu preferia que ele ficasse solto e volumoso, mas achei que o cabelo solto poderia me atrapalhar, então optei por prendê-lo.

Olhei para os cristais em cima do camarim, sentindo um nervosismo estranho e nada característico. Era quase como aquela mesma sensação ruim que precedia uma tragédia na minha vida, e eu já estava com medo do que ia acontecer.

Andei de um lado para o outro com inquietação e nervosismo, pois nenhuma das minhas técnicas de concentração e relaxamento estavam funcionando. Eu me sentia uma pilha de nervos.

— Oi, tá pronta para a transformação? — Vicente perguntou, entrando no camarim. Ele já estava muito bem caracterizado, com um tipo de uniforme de trabalho que não consegui identificar qual era.

— Qual é o seu número?

— Eu vou ser um android. — Ele apontou para seu visual como se aquilo explicasse tudo. Franzi o cenho.

— Tipo um celular?

— Não, tipo um robô. — Vicente se aproximou de mim já com o pincel na mão. Ele claramente não ligava para a minha lerdeza. — Pronta?

— Sim. — Me sentei na cadeira, inclinei a cabeça para trás e Vicente iniciou sua pintura mágica. Nós não nos falamos muito durante o processo, mas eu me sentia nervosa demais com a sua proximidade. Eu sentia sua respiração quente tocar meu rosto e tentei controlar meus batimentos cardíacos, que para mim estavam tão altos que qualquer pessoa conseguiria ouvir.

— Estou te sentindo mais nervosa do que o normal. Você está bem? — Engoli em seco, e por um momento eu realmente acreditei que Vicente conseguia ouvir meus batimentos cardíacos. Era loucura, mas eu tenho certeza de que se ele encostasse no lado esquerdo do meu peito ou no meu pulso que conseguiria sentir o quanto eu estava acelerada.

— Eu... Bom... Eu estou nervosa demais com o meu número. Sei lá, é como se algo ruim fosse acontecer.

— Relaxa, você é incrível. — Abri os olhos bruscamente e Vicente se deu conta do que havia dito. Ele arregalou os olhos e quase deixou o pincel cair — Quero dizer, você é talentosa, não tem porque surtar agora. Feche os olhos. — Fiz o que ele pediu, mas ter sido chamada de incrível por Vicente era um elogio e tanto, principalmente quando fora claramente involuntário.

Um tempo depois, a minha maquiagem já estava pronta. Ele havia usado tons de branco e lilás por todo o meu rosto, criando o aspecto que eu queria.

— Ficou linda. — Eu estava impressionada com o talento de Vicente. Ele fizera os traços brancos por todo o meu rosto do jeito que eu havia pedido. Havia glitter em meus olhos e por um momento eu me senti como se fosse uma personagem da série Euphoria.

— Eu sei, eu sou incrível. — Ele passou a mão pelo peito e abriu um sorriso convencido. Parei de encarar o espelho e me virei de frente para ele.

— Você bem que podia me ensinar a fazer essas coisas legais.

— Aí eu vou ter que te cobrar pelas aulas.

— Quanto você me cobraria? — Eu podia usar a mesada dos meus pais para pagar Vicente. Seria de grande utilidade aprender a fazer maquiagens artísticas. Eu não posso depender de Vicente para fazer as maquiagens para mim o tempo todo, então a melhor alternativa era eu mesma aprender.

Porém, enquanto eu pensava no preço que ele poderia me cobrar, percebi que Vicente me encarava com a cabeça tombada para o lado. Seus olhos emitiam um brilho aguçado de sedução, e eu me senti tonta com o peso de seu olhar.

— Nada, não. — Ele balançou a cabeça, mas eu podia ver os pensamentos pervertidos se dissiparem de sua cabeça — Relaxa.

Ele se retirou e eu fiquei ali, com o coração batendo acelerado no peito.

O evento estava lindo demais. As pinturas dos alunos eram bem bonitas e transmitiam conceitos incríveis e as vezes abstratos. As apresentações já haviam começado e realmente tinha um grande público lá fora. Grande parte do público era composta pelos estudantes, mas notei que havia muita gente desconhecida. Comecei a pensar em quem daquela plateia poderia ser um caça talento, mas era difícil adivinhar só por meio da aparência. Sem contar que eu estava um pouco longe do palco, e as luzes baixas me faziam ter dificuldade para visualizar todo o mundo. Me dirigi até a coxia para esperar a minha vez e assisti Isis se apresentar.

O seu musical falava de uma garota negra e periférica que tinha o sonho de ser uma cantora reconhecida. Ela caminhava pelo palco e atuava com tanta confiança que foi lindo de ver. Ela dançava e cantava músicas de sua autoria que se encaixavam perfeitamente em seu número. Foi maravilhoso.

Elisa decidiu fazer um monólogo pesado sobre uma adolescente viciada em drogas. Foi a coisa mais intensa que eu já a vi fazer, e dava para ver o quanto a minha amiga estava entregue ao papel. Tive que me conter para não chorar com o fim do seu número.

Heitor também participou do evento e eu dei graças a Deus por não ter lhe visto na coxia. Ele entrou no palco pelo lado oposto para se apresentar e estava bem concentrado. Seu número era meio confuso e falava sobre um rei que era um anjo caído que tinha perdido a coroa.

O número de Vicente foi realmente legal. Ele era um android sem emoções que foi adquirindo sentido e sentimentos com o passar do tempo. Foi um número emocionante, porque assim como minhas amigas, eu conseguia ver o quanto Vicente se entregava ao personagem.

Os números de todas as pessoas que eu tinha visto estavam divinos, o que me deixou um pouco insegura. No entanto, foi só a minha vez chegar para que todos os pensamentos de insegurança fossem varridos da minha cabeça. Eu simplesmente não conseguiria lidar com aqueles pensamentos negativos naquele momento.

O meu número era sobre uma garota que tinha depressão e cada marca branca em meu rosto demonstrava um traço de seu sofrimento. Eu usei um pouco de expressão corporal misturada com a dança e comecei meu número me arrastando pelo chão, como se eu não tivesse forças para caminhar. Me conectei com a minha personagem de tal forma, que por um momento pareceu que tudo a minha volta tinha deixado de existir.

Usei o chão e a minha voz o tempo todo para fazer as emoções fluírem por mim, e as lágrimas que caíram do meu rosto eram reais. Eu sentia a dor que a minha personagem sentia, e projetava toda a minha verdadeira tristeza para poder executar aquele papel. Quando terminei, me levantei e agradeci pelos aplausos que recebia. As luzes dos holofotes pararam de me cegar por um instante e eu abri um sorriso satisfeito que morreu quando localizei meus pais na plateia.

Meu coração afundou no meu peito e eu fiquei sem reação. Eu queria que tudo aquilo não passasse de uma alucinação, mas era inconfundível: Meus pais realmente estavam ali. 

Por trás da Máscara [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora