O restante dos acontecimentos ficou borrado em minha mente, mas me lembro de ver um deus lindo e majestoso socando o rosto do vampiro. Também vi um cara com uma roupa brilhosa ao seu lado. Muita gente gravando a confusão, Isis e Elisa me acudindo e me levantando. Sirenes ao longe. Azul e vermelho.
Acordei num lugar que não conhecia, com gente que eu não conhecia. Vi Isis, Ivan, Elisa e Vicente. Fiz alguns exames que não recordo bem. Depois disso, eu lembro de ter registrado um boletim de ocorrência e de ter sido dispensada depois de um longo tempo realizando diversos procedimentos.
Não é como se eu não tivesse consciência de tudo o que eu fiz, eu só me sentia inerte demais para agir ou demonstrar algum tipo de emoção.
Isis e Elisa meio que me obrigaram a registrar o BO. Além do mais, Heitor podia tentar fazer algo outra vez, e eu não gostava nem de pensar nessa possibilidade. O que me restava mesmo, era aguardar que a justiça fosse feita.
O dono do casarão se disponibilizou a ceder as filmagens do quarto de Veludo Vermelho. Por sorte, todos os quartos e instalações do casarão tinham câmeras de segurança para identificar possíveis ladrões. Soube mais tarde que aquele quarto nem era para estar destrancado.
Quando chegamos no apartamento, eu já me sentia lúcida o suficiente para andar sozinha.
Senti um toque em meu pulso e me afastei instintivamente.
— Sou eu, amiga. Fique tranquila. — Isis me deu um sorriso amável e com cuidado, tocou em mim de novo. Eu deixei daquela vez, mas ainda me lembrava da forma como Heitor tinha encostado em mim.
Na verdade, eu lembrava de tudo.
Enquanto eu registrava o BO e descrevia para a polícia tudo o que eu sabia sobre o Heitor, me incomodou o fato de que eu ainda lembrava de tudo o que me aconteceu. Quer dizer, a maioria das vítimas sofria um tipo de apagão que a deixava somente com lapsos de memória causados pela droga, mas eu era diferente. Eu tinha lutado de forma precária contra o Heitor e de alguma forma, consegui sobreviver com somente alguns arranhões. Cuidaram do inchaço na minha cabeça e dos poucos machucados que adquiri durante a luta. Meu pulso estava arroxeado pela queda da cama, mas na hora do desespero, eu não senti nada. Agora, além das lembranças dolorosas de uma noite que deveria ter sido divertida, eu tinha alguns machucados que iriam sarar daqui a um tempo, mas que sempre me fariam lembrar de coisas que eu só gostaria de poder esquecer.
Os policiais disseram que era provável que a dose que colocaram em minha bebida não fora tão alta, e por isso ainda consegui reagir.
Isis tirou minha fantasia rasgada assim que fui conduzida até o banheiro. Ela e Elisa me deram um banho. Eu estava tão em choque que as deixei ligarem o chuveiro e me colocarem embaixo d'agua. Algumas lágrimas rolaram pelo meu rosto durante o processo.
Me deram um pouco de chocolate quente depois do banho. Vi que era Vicente que me entregava a xícara. Eu estava sentada na ponta da cama do meu quarto, com as pernas dobradas e o queixo apoiado no joelho. Dei alguns goles de passarinho no chocolate e larguei o copo em cima da mesinha. Voltei a posição anterior e fiquei inerte.
— Acho que devemos dormir aqui. — disse Isis, me lançando um olhar preocupado.
— Eu vou pegar mais alguns cobertores para vocês e um colchão. — Vicente disse. Ele estava apoiado no batente da porta com um olhar preocupado.
Isis e Elisa se sentaram com cuidado do meu lado.
— Você vai ficar bem. Nós estamos aqui com você. — Elisa segurou a minha mão. Olhei para ela e derramei mais algumas lágrimas.
Vicente bateu na porta entreaberta para anunciar que era ele que estava chegando.
— Olha, eu trouxe esse cobertor aqui. Ele é bem quentinho. — Isis e Elisa se levantaram e foram até a porta para ajudar Vicente a carregar o colchão e as cobertas para dentro do quarto. Elas colocaram o colchão ao meu lado e arrumaram os travesseiros e cobertores. Vicente voltou a ficar do lado de fora do quarto. — Se precisarem de mim, me chamem.
E saiu, deixando a porta entreaberta.
Eu me deitei com o corpo todo trêmulo e Isis se deitou do meu lado. Elisa ficou com o colchão e deixou a luz acesa. Tentei dormir, mas toda a vez que eu fechava os olhos, eu via o rosto de Heitor.
Consegui dormir depois de um bom tempo tentando. Isis e Elisa ainda conversaram um pouco comigo sobre as aulas de teatro, mas eu nem conseguia responde-las direito. No entanto, a conversa surtiu um efeito relaxante em mim e eu logo adormeci.
Eu sonhava que estava num lugar cheio de luzes estroboscópicas. Tinha muita gente fantasiada, mas eu não conseguia ver seus rostos. Procurei alguma pessoa conhecida na multidão, mas não conhecia ninguém. Alguém colocou um copo com um líquido vermelho na minha mão. Eu bebi. Os rostos das pessoas ao meu redor se levantaram, mostrando chifres pontudos e rostos horripilantes e ensanguentados.
Corri em direção a uma porta que brilhava e entrei num quarto todo vermelho. O pânico tomou conta do meu coração quando vi tudo embaçado. Um vampiro loiro entrou e me atacou. Eu gritei.
— Calma, Madalena. Acorda! — Eu abri os olhos, mas não conseguia me concentrar no rosto de ninguém. Eu me debatia, pois não queria que Heitor me pegasse novamente. A silhueta de um homem na porta entreaberta fez meu pânico aumentar.
— O que houve? — Eu reconhecia a voz, mas não sabia de quem era. Eu só via Heitor com a capa de vampiro na minha frente.
— SAI DAQUI! NÃO ME MACHUQUE!
— Calma, amiga. É o Vicente, lembra? Ele nunca iria te machucar. — Fiz que não com a cabeça e me encolhi na cama, mas fui me sentindo mais desperta conforme o pesadelo se dispersava em minha mente. O mundo entrou em foco. Era mesmo Vicente ali na porta.
— Me desculpe, eu ouvi os gritos... Me desculpe. — Ele parecia se sentir culpado por aquilo, mesmo que nada daquilo fosse culpa dele. Vicente saiu do quarto.
— Tudo bem, isso vai passar. — Isis e Elisa me abraçaram enquanto eu chorava. Meu corpo tremia tanto que eu não conseguia parar.
— Amiga, você vai precisar de terapia. — constatou Isis, ainda me abraçando.
Eu sabia que iria precisar de tratamento psicológico. Na verdade, eu soube disso no momento em que estava na delegacia registrando o boletim de ocorrência. Porém, eu queria poder ser forte e me curar sozinha, mas agora eu sabia que não iria conseguir isso sem fazer terapia.
— Mas eu não tenho dinheiro...
— Eu soube que tem uma faculdade oferecendo apoio psicológico gratuito para vítimas de abuso sexual. Vou me informar direitinho e marcamos, tudo bem? — Assenti com a cabeça e nós voltamos a nos deitar, mas eu não queria dormir de novo. Tinha medo de sonhar com o Heitor e ter outra crise de choro e pânico.
Porém, o cansaço me venceu novamente e eu acabei dormindo quando já estava quase amanhecendo. Meu corpo suava, apesar do frio que fazia lá fora. Quando adormeci, eu ainda acordei assustada umas duas vezes por conta do mesmo pesadelo.
A culpa NUNCA é da vítima!
Se você é/foi vítima de abuso sexual ou de estupro, saiba o que fazer para realizar uma denúncia:
Ligue para os telefones da Polícia Militar (190) e do Disque 180;
Peça ajuda a quem estiver por perto e acione policiais que estiverem no local. Depois, registre um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Casos assim não podem ser registrados por boletim de ocorrência online.
Juntas somos mais fortes!
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Por trás da Máscara [CONCLUÍDA]
Chick-LitMaria Madalena Vitorino de Almeida - Ou Madalena/Madá para os íntimos - está empolgada por ser a caloura em uma das melhores Universidades de artes cênicas do Rio de Janeiro. Claro que ela estaria mais empolgada se não tivesse se inscrito no curso e...