Capítulo 20

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Batidas na porta da frente me acordaram no dia seguinte.

Conforme andava semi-desperta pelo corredor em direção à sala, percebi que já era manhã há algumas boas horas. O sol atravessava a sala vindo da janela aberta e se espalhava por cima do sofá, destacando as manchas opacas que ele mesmo fizera com a ajuda do tempo. Em seu caminho, o sol deixava entrever um feixe de poeira suspensa no ar que só era comparável em quantidade ao pó grudado no chão. Meu cabelo mesmo estava cheio de nós e a camisola que usava estava furada de um dos lados, próxima à coxa. Mas não liguei para nada disso.

As batidas continuavam, ritmadas, como um tambor enlouquecedor.

Abri a porta. Do outro lado, estava o motorista de Marcelo Bluewater, o homem que quase não me dirigira a palavra durante toda a tarde enquanto me levava para ver o chefe maluco.

- Bom dia. – ele me disse.

- O que você quer aqui? - disse, dando um passo para trás.

- Ele deseja vê-lo esta noite. Saber como está.

- Como?! Ele... Ele sabe como eu estou! Ele é responsável por tudo isso!

- Ele espera a senhora às 20:00h em seu escritório.

Naquele momento, apontei com o indicador na direção do rosto dele. Estava pronta para falar tudo que eu pensava dele e de Marcelo. Mas algo no rosto dele me parou. Foi o olhar de pena, pena de mim. Por um segundo, os olhos dele disseram: "Sei o que você quer fazer. Mas não adianta resistir. Tudo não basta de um jogo. Você é uma peça e deve ser movida de acordo com a vontade do jogador."

- Diga a ele que estarei lá.

Uma ideia veio-me à cabeça. Algo que eu poderia fazer para, se não consertar tudo, ao menos tornar as coisas menos piores. Passei o dia ansiosa e nem mesmo notei que havia roído todas as minhas unhas até que mordi o dedo sem querer e dei um gritinho de dor.

Lá pelas 18:45h, o motorista voltou.

- Desculpe, achei que só viesse mais tarde...

- Não se preocupe, sra. Ferreira. Você está no horário. Só preciso que assine isto para que possamos prosseguir com tudo.

- Assinar?... Prosseguir?... O que?... – questionei, enquanto ele tirava alguns papéis de dentro do paletó.

- Trata-se apenas de um acordo de confidencialidade entre você e o sr. Marcelo. Este acordo garante que nada do que a senhora souber acerca do Dr. Marcelo hoje poderá vir a ser revelado.

Ele se sentou no sofá e pôs os papéis na mesa de centro, entre eu e ele.

- E se eu não assinar?

Ele voltou a me dar aquele olhar de pena, mas dessa vez continuou a falar:

- Sinceramente? – ele falou, movendo os olhos de um lado a outro, medindo as palavras, enquanto tirava uma caneta do bolso e a colocava do lado dos papéis. - Sem assinar isso, ele não te dirá nada. Mas, também, se não permitir que ele te fale o que tem para dizer ele não vai parar de procura-la...

- Está bem – eu disse. – sem pensar duas vezes, debrucei-me sobre os papéis e os assinei.

O homem alto e negro pegou o telefone e falou a alguém do outro lado:

- Podem vir.

Por um segundo, meu coração pulou. Achei que algo terrível me aconteceria. Mas era apenas uma maquiadora e uma cabelereira. A maquiadora era loira e apenas um pouco mais alta que eu. A cabelereira era morena, de cabelos castanho-escuros e olhos negros. Nenhuma das duas parecia saber o que se passava ali ou que poderia vir a si passar dali a poucas horas com Marcelo. Se sabiam, escondiam muito bem.

As duas carregavam alguns pacotes que não pareciam ser maquiagem ou produtos estéticos. Perguntei-as o que era aquilo:

- Nosso cliente pediu que comprássemos algumas opções para esta noite. – a maquiadora me disse, indo, prontamente, pegar um pacote.

Dentro dele havia um longo vestido claro. Ela o estendeu à minha frente; tinha mangas curtas, era justo e cobertos de flores metalizadas em tons de creme. No fim dos quadris, no entanto, o vestido se abria numa cauda de sereia em tons de cinza e branco.

Não consegui esconder a surpresa.

- É um Givenchy. Alta costura. – ela disse, com um sorriso no rosto. – Uma peça para poucas. Você é uma mulher de sorte, Sra. Ferreira.

- Você não imagina o quanto... – sussurrei para mim mesma.

Elas me apresentaram mais alguns vestidos, recusei todos. Tudo era lindo, mas queria acabar logo com tudo aquilo e encontrar Marcelo de uma vez.

Escolhi os peep toe nude com meia pata.

- Belíssima escolha. Esses Jimmy Choo são excelentes!

As duas então se aproximaram. A loira fez em mim um coque despojado, deixando alguns fios soltos dos lados e na frente. A morena fez uma maquiagem leve, realçando meus olhos com delineador apenas parte de cima e sombra doura; nos lábios, um batom mate vermelho.

Quando fui no meu banheiro pequeno e sujo me olhar, nem me reconheci. Aquela era eu mesma? Aquela criatura estava mesmo escondida ali embaixo daquilo tudo?

- Uau. – falei para o espelho.

- Está pronta, Sra. Ferreira? – perguntou o motorista.

Então eu lembrei o motivo de eu estar tão bonita. Suspirei e, com pesar, disse:

- Sim. Vamos.

Meu Mestre Cheio de Segredos (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora