- Não te ouvi chegar ontem – Mortis aponta enquanto penteia os cabelos de Iago que tenta comer seu sanduiche.
- Era tarde – dou de ombros – Passava da meia-noite.
Uma hora e quarenta e seis minutos quando entrei em casa, sei por que usei o celular para iluminar o caminho e evitar acender as luzes. Mortis parou e se virou para mim me olhando de cima para baixo e de volta para cima.
- Estava com alguém? – pergunta num tom casual demais para ser casual de verdade.
- Sim, e antes que pergunte você não o conhece.
- Claro que não conheço – revirou os olhos – Somos de mundos opostos, você é da noite e eu do dia.
- Tia Ed é vamplia?
- Não, querido, eu não sou uma vampira.
Mortis cobriu as orelhas de Iago para me perguntar:
- Ele é bonito? Seu cara de ontem.
- Mais do que é necessário, do nível em que você olha de relance e já começa a fantasiar.
- Fantasiar como em sonhos eróticos no jardim dos prazeres ou fantasiar como em eu você dois filhos e um cachorro? – terminou a pergunta com desgosto.
Ri. Não pude evitar. Antes de ser mãe Mortis era uma romântica incorrigível cuja maior ambição era um roteiro cheio de clichês para sua vida amorosa com direito á beijo na chuva e pedido de casamento com o anel escondido em alguma sobremesa durante um jantar á luz de velas. Depois de se tornar mãe, ela passou a concordar comigo que de todas as formas de amar, o único que não existia fora da ficção é o amor romântico entre um casal.
Paixão insaciável, ciúmes desmedido, carência submissa, sim existem em todo relacionamento em algum nível desarmonizado difícil de acompanhar ou entender. Mas amor incondicional? Amar e ser amado em igual medida indo além da carne e unindo almas? Isso é ficção, lindo para se acompanhar entre personagens criados para serem caras-metades, no mundo real o melhor que se pode fazer é manter uma relação estável e saudável para que no fim da jornada possa dizer: "foi árduo, mas valeu a pena".
- Sabe, Conrado tem razão, é estranho falar com você sobre essas coisas.
Ela fica absolutamente séria, eu sei o que deixa meus irmãos incomodados e não tenho problema algum em usar isso contra eles.
- Tenho vinte e um anos, Eddie, caso não tenha notado eu tenho um filho de quatro anos que não foi gerado com a força de meus pensamentos. Quando vão parar de me tratar como uma mocinha inocente á ser protegida?
"Quando vai contar quem é o pai de Iago?" – devolvo a questão movendo apenas os lábios para que o filho não escutasse.
Ganho um revirar de olhos e a observo sair da cozinha levando dizendo para Iago terminar logo o café da manhã enquanto ela pega suas coisas. Ela mantem a identidade do pai de Iago em sigilo absoluto o que nos leva á criar teorias que de alguém ter adulterado a bebida dela para que ela não pudesse reagir – por que a única coisa que ele diz sobre o assunto é que estava bêbada – ou talvez ela lembre mais do que gostaria de admitir e se for isso por que tanta recusa em dizer o nome? Foi forçada? Tem vergonha do que fez? Ele é casado? Nem Lilith para quem Mortis costuma contar tudo sabe esse pequeno segredo.
Despeço de Iago avisando que serei eu quem vai busca-lo na creche e gritando para Mortis que vão chegar atrasados se ela continuar me evitando. Daniel já me esperava na porta do elevador quando cheguei ao seu andar, nem tive tempo para entrar e cumprimentar meus avós por que meu irmão irritante me empurrou de volta pressionando o botão para descer.

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Piloto Automático
RomanceEdith não tem nada contra o amor, só preza mais pela sua liberdade. Pelo menos é o que ela vive dizendo para justificar seu desapego ao romance. Victor Hugo é um workaholic que se colocou em celibato depois da morte da esposa e do filho. Nenhum del...