16 - Edith

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Nosso apartamento não é grande, todo espaço que temos se deve ao minimalismo, temos apenas o necessário para nossa sobrevivência com um tanto de conforto, nada de exageros decorativos com moveis e objetos cujo uso não serve para nada além de ocupar espaço. Por isso parecia muito estranho os três homens altos na nossa cozinha falando e se mexendo como se fossem donos da casa.

Papai, que já tinha enviado sua provocação para Conrado na forma de uma foto enunciando nosso "almoço em família", sentou Iago do seu lado no balcão e o ouvia atentamente falando sobre seus amiguinhos enquanto picava temperos para o almoço que Dante estava preparando para nós. Gael estava fazendo sua sobremesa preferida, por que aparentemente a opinião das donas da casa sobre o que irão comer é irrelevante.

Eu tinha acabado de voltar para casa, tomado um banho gelado e analgésico para minha dor de cabeça persistente. Não tinha nem meia-hora que estava ali e já queria ir embora, até que lembrei que era minha casa e eles nossos visitantes não convidados. Mortícia estava entretida ouvindo Gael falar sobre um projeto que tinha em mente para a antiga mansão perto do cemitério que foi fechado por ser muito "dentro" da cidade.

Saí de fininho de volta para o aconchego de meu quarto, já tinha escutado sobre aquele projeto tantas vezes que reprimia a vontade de bater em Gael e enterrá-lo naquele cemitério, assim ele ficaria bem perto de sua mansão desassombrada. Fechei os olhos e deixei o sono fazer sua mágica de desligar meu corpo e arrastar minha mente para o vazio.

...

Abri os olhos em alerta para a presença muito próxima, enfiei a mão debaixo da cama puxando a faca de mesa que eu mantinha sempre ali no espaço entre o colchão e o estrado, girei o corpo com a arma empunhada pronta para atacar.

- Que diabos você tem? – Gael disse num tom baixo e irritado que soou muito com um rosnado, ele segurou meu pulso antes que eu enfiasse a faca nele.

Abri a mão para que ele tirasse a faca e me sentei. Estava muito alerta, assustada e ligeiramente confusa por ver que era dia por causa da claridade que entrava pela janela.

- Que horas são?

- Hora do almoço, eles estão nos esperando – pisquei ainda sem entender do que ele falava, sua mão veio para minha testa e fez uma careta – Espera ai.

Claro que eu ia esperar, voltei a deitar medindo a distância entre a cama e a porta, longe demais. Abro os olhos de volta quando papai me chama empurrando meu ombro com cuidado. O que ele está fazendo aqui em casa?

- Abra a boca – pede.

- O quê? – ele aproveita e enfia algo na minha boca.

- Não morda é um termômetro – franzo o cenho – Você está febril.

Parece que estar com a temperatura quase nos 40ºC é um sinal de alarme. Resisti á ser levada ao médico, me arrastei para o banheiro onde tomei mais banho gelado e voltei para a cama. Agora que o susto de ser despertada por um falso sinal de ameaça já tinha passado, me dava conta que ainda era sexta-feira e de que almoço Gael falava, por isso sai do quarto e fui me juntar á eles.

- É melhor voltar para cama, Eddie – papai meio que mandou meio que sugeriu.

- É só febre – dispensei – Vou me sentar aqui e tomar suco enquanto vocês comem.

E fiz isso por alguns minutos até que me desliguei por completo. Quando acordei de novo estava na cama outra vez, tinha sido o barulho de Mortícia fechando a janela que me despertou. Já escurecia lá fora e isso me alarmou, eu tinha dormido praticamente a tarde inteira.

- Cadê meu celular? – perguntei enquanto me sentava.

- Lá na sala, quer alguma coisa?

Neguei com a cabeça, eu podia ir ao banheiro sem ajuda, aproveitei para tomar outro banho um banho quente por que estava ficando frio. Quando saí do quarto encontrei vovó fazendo o jantar e vovô com Iago á mesa vendo algo no tablet.

- Boa tar... noite – os cumprimentei.

- Olá querida – vovó veio até mim com aquela agilidade silenciosa que papai, Daniel e eu herdamos dela, sua mão fria tocou minha testa – A febre ainda está alta.

- Tomei banho na água quente – informei – Estava com frio.

- Hmmm... – ela fez uma careta de desaprovação – Volte para a cama, vou te levar uma canja.

- Não precisa, vou me sentar aqui e esperar – teimei e puxei uma cadeira na frente de vovô e Iago – Cadê a Mortis?

- Foi buscar umas coisas na farmácia.

- Certo. Vai demorar sua sopa? Eu faltei a rotina de hoje e tenho que chegar mais cedo para pegar a programação com Gael.

- É canja e você não vai trabalhar hoje.

Revirei os olhos, vovó devia achar que eu era uma criança. É claro que vou trabalhar. Vovô me contrariou como que adivinhando o que eu estava pensando.

- Você apagou de exaustão, seu corpo não pode acompanhar esse ritmo frenético de vida, filha – ele disse com aquele sorriso bondoso igual ao de papai que serve para me fazer parecer a bruxa má – Precisa de tempo para descansar, por isso Gael te deu este fim de semana livre.

- Sexta e sábado? Nem pensar, é quando temos maior movimento, eu recuso essa folga.

- Aquele grandalhão tatuado pode te substituir, ele sempre faz isso, não faz? – e antes que eu respondesse informou – Também não vai mais dirigir para Dani.

- Como? Por quê?

- Por que ele já tá grandinho o bastante para se virar sozinho, pode usar um transporte publico como todo trabalhador que não tem carro faz.

- Ou contratar um motorista se não gosta do coletivo – vovó opinou – Ou aprender a dirigir. Ele não pode te usar como motorista só por que a namorada dele deu um pé na bunda.

- Por minha causa.

- Por que você disse algumas verdades que ela não gostou de ouvir, por Deus, aquela mulher devia ser menos fútil e agir de acordo com os vinte e poucos anos que possui.

Ponto para vovó, Fernanda, a ex de Daniel agia como se fosse uma adolescente do ensino médio de algum filme clichê de estudantes norte-americanos, só faltava se vestir de líder de torcida e começar a cantar toda vez que desejasse expressar seus sentimentos.

- Entenda filha – vovô me chamou a atenção – Você precisa de mais tempo para relaxar e descansar, então aceita o favor que estamos te fazendo. Seu pai já falou com Dani sobre isso.

Sem me consultar, claro. Assenti com desgosto, depois resolvia esse assunto, não ia discutir com meus avós quando eles estavam preocupados comigo. Não sou estúpida. Assim que eu me recuperasse da febre poderia voltar a cuidar da minha vida sem a intromissão deles, até lá, eu só precisava exercitar minha paciência.

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