Estou atrasada por culpa de Daniel, eu deveria mata-lo, ele tem sorte de que pessoas de quem eu gosto gostem dele também. Parte de meu atraso nem é culpa dele, afinal ele perguntou se eu podia dar uma carona para Shirley, a freelancer que trabalha no escritório cujas funções mudam toda vez que a vejo, agora ela agia como secretária de Daniel por que eu me enganei á respeito de Fernanda que se demitiu mesmo. Eu podia ter dito não para a carona, mas Shirley tem aqueles olhos caídos cor de avelã no rosto em forma de coração que me fazem pensar em filhotinhos.
Dei carona para a falsa ruiva de olhos tristes tendo que fazer um desvio de vários minutos, depois eu tive que parar com ele no mercado por que vovó ligou pedindo alguns legumes para fazer sopa para o jantar e lá se foram quase meia-hora de meu tempo por que Daniel é insuportável quando se trata de comprar coisas, ele reclama de ter que ir e quando chega ele tem que andar por todos os corredores do mercado e comprar tudo o que ele não precisa só por que tá em promoção.
Passei para dizer oi para meus avós e me apressei para me arrumar. Felizmente Mortis é a melhor irmã/colega de apartamento que alguém pode desejar, quando cheguei em casa ela já tinha colocado meu vestido verde-oliva diante da janela para arejar, escolhido os sapatos e arrumado minha mochila com todas as coisas que eu ia precisar no resto da noite.
- Gael mandou um texto – ela avisou quando a cumprimentei apressada ao chegar em casa – Não precisa se descabelar.
Gael não é um chefe prestativo e tão bacana quanto aparenta, ás vezes ele é a personificação do mal, acontece que ele considera Mortis mais organizada do que eu – o que ela é –, por isso de vez em quando a usa como assistente pessoal, como nesses dias que ele quer tudo perfeito então passa o tempo trocando texto com minha irmã para que ela possa me controlar de modo que as coisas saiam como ele planeja.
Comi uma generosa fatia de bolo de laranja com calda antes de sair de casa, sei que quando chegar á boate eu acharei um suprimento de comida de barraquinha ou pizza na Coxia, que é como chamamos toda a parte da boate aonde só os funcionários tem acesso. Gael me enviou um texto quando entrei na garagem dizendo que eu tinha trinta minutos para estar na sua frente.
Eu chegava em quinze, por isso nem me dei ao trabalho de correr. Precisei fazer um desvio, por ser sábado havia um bando de arruaceiros que resolviam fechar a rua de um barzinho com um carro aonde ouviam musica alta, acredite, eles causavam mais problemas quando resolviam sentar numa roda com violão para fazer música ao vivo, era como uma sinfonia de cigarras, aracuã e papagaios, quando se tratava deles era fácil ouvir pela região coisas do tipo:
"Os piores músicos do planeta reunidos todo fim de semana"
"É uma porcaria quando se juntam, mas são ótimas pessoas"
"A gente fica até preocupado quando eles não aparecem por aqui com sua bagunça"
E um monte de outras coisas do tipo que deixava claro que o pessoal local gostava dos adolescentes e universitários que se reuniam aos fins de semana no barzinho para ouvir musica alta, beber e divertir-se, gostavam tanto quanto odiavam a bagunça que eles faziam nos dias que a animação deles ultrapassava a hora de recolher quando vinham aos domingos.
Eu não tinha muita opinião sobre eles, sobre serem péssimos músicos e um grupão animado não era questão de opinião era apenas um fato. Eu apenas passava por aquele bairro considerado por alguns o bairro mais perigoso da zona este, uma minoria de estúpidos que não conhecia os moradores do Guizo ou tivera a má sorte de ser alvo de algum marginal pela região e passaram a julgar todos como criminosos em potencial.
Eu tinha passado a minha adolescência naquelas ruas, estudado na escola que a maioria deles frequentou, tinha saído com eles para as mesmas festinhas, ido aos mesmos lugares. Eu podia ser do bairro vizinho, das pessoas com grana para posar de gente fina entre os ricaços que não pisava ali e quando o fazia era dentro de seus carros caros com motorista de terno, mas nunca menosprezei ninguém.

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Piloto Automático
RomanceEdith não tem nada contra o amor, só preza mais pela sua liberdade. Pelo menos é o que ela vive dizendo para justificar seu desapego ao romance. Victor Hugo é um workaholic que se colocou em celibato depois da morte da esposa e do filho. Nenhum del...