62 - Edith

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- A dona tem certeza disso? – o homenzinho nervoso quis saber pela quarta vez olhando ao redor.

A vizinhança não era das melhores, de fato aquele trecho da rua era uma das piores do Guizo, na casa amarela do outro lado da rua havia uma viatura policial que fora chamado para outra briga de casal que acontecia com alguma frequência e a presença da polícia era a única coisa que fazia o homem parar de espancar a mulher que nunca o denunciava, em uma ou duas semanas os vizinhos chamariam a polícia outra vez.

O barzinho ao lado da casa ao qual eu estava comprando tinha confusão duas vezes por semana quando as pessoas se juntavam para assistir futebol. A oficina de motos virando a rua era fachada para tráfico de drogas. Na casa de tijolos sem pintura, morava um rapaz com tornozeleira eletrônica que passou seis meses preso por roubos de celulares e tinha uma longa lista de acusação de envenenar animais com resto de comida, não havia provas já que qualquer um podia misturar veneno na comida que ele deixava para os animais de rua.

Não era o melhor dos lugares para abrir um negócio, eu sabia. Por isso estava comprando também o bar ao lado, de olho no movimento da oficina, averiguando a situação real do casal da casa da frente e checando o carinha com wifi na perna para o caso dele ser algum maníaco envenenador. Na teoria estava indo tubo bem. Já na prática era tudo muito complicado.

- Tenho – confirmei – Quero minha academia aqui.

O arquiteto trocou um olhar chocado com sua assistente e sorriram para mim, o sorriso amarelo de quem só está concordando com o cliente por que não quer perder o contrato. Era um projeto ambicioso para qual ouvi apenas pontos negativos toda vez que tocava no assunto, não é que eles não confiassem no meu trabalho e sim por que eu queria abrir uma escola de dança á baixo custo numa favela.

De todos os contra fiquei feliz que mamãe tenha ficado á favor, e ela nem foi a primeira pessoa com quem eu toquei no assunto. O primeiro á saber de meus planos futuros foi Gael, com quem conversei uns dias depois de voltar para casa, quando a ideia formada naquela tarde depois de ser dispensada por Victor já tinha se tornado fixa.

Encontrei Gael na Mórbido, como ele batizou formalmente a casa de apoio para crianças e adolescentes em situação de risco. Ele estava conversando com três garotos muitos parecidos entre si, o mais velho e o menor tinha toda a postura marrenta de crianças encrenqueiras tentando intimidar alguém – sem menor sucesso.

A casa tinha entrado em funcionamento teste no mês anterior – eu ainda estava curtindo a praia em férias – e até o momento não havia grandes tragédias que pudesse fazer que o lugar fosse fechado para manutenção. Era o conselho tutelar que fazia uma peneira com aqueles que eles consideravam estar em risco de algum tipo e os mandava para lar protetivo até que fosse comprovado algum perigo á integridade física ou moral do menor.

Bati na porta e os quatro se viraram para mim.

- Nos dê um momento, Eddie – Gael pediu e eu saí.

Fui direto para a cozinha, dando várias voltas até chegar lá só para dar uma olhada em como estava o casarão hoje comparado com a última vez que o vi – ainda em processo de decoração. Contei oito crianças com idades que variavam dos nove á quinze anos. O menino na cozinha me olhou assustado quando entrei, pelos olhos vermelhos e inchados supus que tinha encontrado aquele que apanhou do trio.

Kiki, uma senhora de traços orientais que ás vezes cozinhava para Gael, estava trabalhando na cozinha da Mórbido, ela me deu um sorriso calmo enquanto servia mais biscoitos para o menino que me apresentou como Marquinhos, e sem nenhuma pergunta de minha parte, explicou que os outros meninos tinham batido nele por que ele contou que estavam planejando fugir.

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