3 - Edith

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- Gira devagar, doçura, desse modo vai quebrar o salto – Gael fala num tom arrastado e monótono.

Ele está zangado.

- Ou o pescoço – aponto.

Diana, a dançarina-estrela da N8, para seus movimentos pouco graciosos, desliga o celular que tocava uma musica pegajosa dos anos noventa e se vira irritada para mim.

- Eu não me meto no seu trabalho, não se meta no meu, Eddie.

- Não esqueça, doçura, que Eddie é minha chefe de segurança, inclui-se na função dela impedir que você morra enquanto estiver no meu clube á serviço.

Ela revira os olhos e volta para o centro do palco, religando o celular. Gael estreita os olhos na direção dela que voltou a sua dança lenta de movimentos estranhos que me faz pensar em alguém sendo eletrocutado. Gael sobe no palco, ele está calçando salto de 12 cm e consegue se mover com uma graça felina, é invejável, ao menos para mim que mal consigo me equilibrar num salto dez fino.

- Vou mostrar outra vez, vê e grave – Gael tirou o celular da mão dela e desligou a música – Esse barulho te distrai.

E começou a dançar. Diana observava com braços cruzados e uma carranca de mal humor. Eu estava prestes a gritar com ela, sei que Diana é a estrela da casa, com traços asiáticos que herdou da família paterna e o talento natural para dança ela é um espetáculo de beleza brasileira. Infelizmente ela é como aquele antigo ditado: por fora bela viola, por dentro pão bolorento.

- Depois de todo esse tempo era de se esperar que ela tivesse aprendido quando baixar a cabeça – Maria comenta vindo sentar ao meu lado – Gael está olhando para ela como se ela fosse uma lagartixa e ele o gato brincando com a comida.

- Essa é a comparação mais assustadora que você já fez sobre seu Gael com um felino – Caio opinou.

- E como todas as outras fazem mais sentido do que aparenta – afirmei.

- É um espécime assustador quando quer e ainda me deixa de pernas bambas – Maria suspirou de modo dramático fazendo um coração com a mão na direção de Gael, rimos.

Maria é barwomen e Caio é um dos seguranças da casa. São minha dupla favorita dentre todo o pessoal que trabalha na N8, Maria por que é uma guerreira quebrada que ainda consegue forças para seguir em frente quando a maioria já teria desistido de lutar. Maria Cortez fugiu de um casamento abusivo levando só a roupa do corpo, um filho de dois anos e muitos hematomas, o caminho que ela percorreu até aqui é suficiente para três temporadas de uma série realista de drama e aventura.

É claro que em teoria eu não sei nada disso, na pratica ela assumiu o nome de Maria Silva, um nome tão comum que está abaixo da atenção de qualquer intrometido, na prática ela conta que engravidou de um estranho que conheceu numa festa e nunca mais viu, sem família além do filho por quem ela trabalha para dar teto, comida e uma boa educação escolar. Em teoria Gael e eu acreditamos na sua versão da história e não sabemos nada sobre o fato de que o ex-marido dela é a razão por qual ela nunca cria raízes em lugar nenhum.

Já Caio é a tranquilidade personificada que fala com uma calma que chega a ser enervante, todos os 1,98 de altura e músculos tatuados causa uma impressão assustadora que desaparece rapidinho depois que o conhece. Caio já esteve metido em coisa errada quando mais moço, já teve mais segundas chances que a metade das pessoas que eu conheço e só depois de quase morrer que ele aceitou a mão que lhe foi estendida, hoje ele é casado e pai de três crianças.

Talvez a parte ilógica da minha mente tenha transformado a dupla com passado sombrio alvos de minha admiração ou talvez seja apenas questão de empatia. Por favor, há pessoas que eu nunca vi na vida que assim que as vejo já decido que não gosto assim como há aqueles desconhecidos que apenas com um olhar rápido já tem a capacidade de despertar a sensação de familiaridade simpática.

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