9 - Edith

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Domingo eu não faço nada, além de reclamar que não tenho tempo para fazer as coisas e lamentar quando me chamam para fazer qualquer coisa que me obrigue a sair de casa.

Segunda-feira eu sirvo de motorista para Daniel, faço todas as coisas que requerem ficar muito tempo esperando sentada, pego Daniel nem me importando com seu mau-humor de segunda, janto no Anis Estrelado e pego a última sessão no cinema se não tiver companhia ou se este tiver de acordo com meus planos.

Terça-feira eu levo Daniel para seu trabalho, faço faxina, preparo almoço, busco Iago na creche, depois de almoçar e limpar a sujeira nós dormimos até que Mortícia chega, vou para a N8 planejar a noite, busco Daniel, volto para meu trabalho, consigo dormir uma ou duas horas.

Quarta-feira eu deixo meu irmão no prédio rosa, volto para minha cama, busco Iago, faço almoço, vemos TV até que sua mãe chegue da universidade, vou para a N8, busco Daniel, volto para a casa noturna, durmo o tempo que dá.

Quinta-feira eu já estou planejando jogar meu irmão do carro em movimento, não quero sair da cama, levo Iago para almoçar na casa de meus avós, sinto vontade de bater a cabeça de Gael contra o armário das bebidas toda vez que ele diz meu nome, odeio dirigir para Daniel, faço meu trabalho na boate de modo automático, amo minha cama.

Sexta-feira eu não falo com Daniel, apago, sou acordada pra almoçar por Iago que é buscado na creche pela mãe que não tem aulas sexta de manhã, hora da sesta, nem gosto tanto da N8, apenas tolero Daniel, talvez eu me demita da N8, cama? O que é isso?

Sábado eu chego em casa e nem desperdiço tempo fechando os olhos vou direto para um demorado banho gelado, desço para tomar café com meus avós que acordam absurdamente cedo, deixo Daniel no seu trabalho e subo para conversar com Shirley, durmo até a hora de ir para a N8 de onde saio para buscar Daniel e volto mais tarde para meu trabalho já visualizando minha cama quando esta noite chegar ao fim.

Isso é o que costuma serem os meus dias desde que passei a ser motorista de Daniel, há quarenta dias, tudo em piloto automático como um robô programado para seguir uma rotina. Nem sempre que é igual, uma vez ou outra acontece algo no caminho que me faz mudar a trajetória, mas grande parte do tempo é a mesma coisa.

E na quinta em que eu estou com o humor beirando á pura ira, acontece um desses acasos inconvenientes que me fazem questionar por que eu continuo me metendo em problemas que não são meus. Começa com a visita inesperada de papai á boate durante a tarde, enquanto estou imaginando como seria se de repente os saltos stiletto de Sabrina fosse parar na garganta de Gael.

- Uau! Quem é aquele Deus Grego? – Maria questiona ao meu lado, olhando para a porta.

Olho para a pessoa que entra. 1,84 de altura com um porte esguio que no passado fez dele um dos modelos mais cobiçados do planeta, careca, escanhoado, moreno bronzeado pelo sol litorâneo do nordeste onde mora, um sorriso espetacular de dentes brancos e alinhados moldados por lábios que parecessem constantemente sorrir, olhos azuis-escuros tão invejáveis que me faz amaldiçoar a genética.

- Brasileiro – digo.

- O que? – Maria me olha confusa.

- Você disse Deus Grego, afirmo com segurança que ele é o resultado da mistura de dezenas de povos por centenas de anos que resultou nesse espécime mestiço nascido em solo brasileiro.

- Boa tarde, querida – Maria suspirou ao ouvir a voz dele, um timbre rouco e baixo.

- Olá, pai – respondo e apresento – Maria, este é meu pai, Alessandro Olivares.

- Ele parece tão jovem para ser seu pai.

- Nem vou me ofender – resmunguei enquanto papai ria de meu incomodo – Ele não é jovem, só foi agraciado pela natureza com uma genética ridícula de boa da qual eu podia ter herdado pelo menos a altura.

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