14 - Victor Hugo

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Acordei por causa de um solo de guitarra, olhei assustado procurando o barulho e vi a luz que o smartphone emitia pouco antes de um corpo bloqueá-lo. Esfreguei os olhos e lembrei que tinha companhia, eu tinha dormido com Edith, por isso ela estava no meu quarto.

- Não estou em casa – ela disse em voz baixa – Chame um táxi... Me acordou para dizer isso?... Ah! Sobre?... Não pode adiantar não?... Te vejo no escritório em duas horas.

- Vou usar seu banheiro – ela disse – E pare de olhar minha bunda.

Ri. Como é que ela sabia que eu estava olhando aquela bunda maravilhosa? Não sei, só continuei olhando. Eu tive sexo de todo tipo por um bom tempo, sexo selvagem com marcas que levaram dias para sumir de meu corpo, sexo casual com mulheres que nunca mais vi, sexo rápido em lugares que podia ser considerado atentado ao pudor. Já fiz ménage, já participei de suruba, já tive aulas práticas de dominação com uma profissional e já fui submisso pela curiosidade em estar do outro lado. Deitei com mulheres sem um pingo de experiência, com mulheres muito experientes, com mulheres que só queriam prazer e mulheres determinadas á dar prazer.

Edith é única.

Pelo menos a única em comparação com as que eu já tive. Talvez seja por ser a primeira em quase três anos que despertou meu desejo sem precisar de todas aquelas artimanhas e joguinhos. Edith não precisou se oferecer para mim, ela não precisou de insinuações e provocações, eu a vi e passei a deseja-la de forma inconsciente sem nem mesmo saber seu nome.

Eu a tive e aquilo devia der sido o bastante. Não foi. Foder Edith naquele carro só me deixou mais instigado á saber o que mais podia fazer com ela, eu precisava de mais. E agora que eu tive mais tenho a certeza que ainda há muito mais, Edith tem uma confiança sofisticada que apenas anos de prática constrói e ao mesmo tempo tem uma abertura ao novo. Ela é curiosa e não importa como sacia sua curiosidade, desde que o faça. É como ter na cama uma expert ingênua, não essa não é a palavra... Edith está mais para uma exploradora que quer testar todos os limites de si mesma.

Eu me sinto um pouco como um pervertido apreciando sua nova obsessão enquanto a observo deslizando pelo quarto com movimentos precisos e cuidadosos usando apenas a fraca iluminação que entra pela janela para ver diante de si e apanhar as roupas que nem sei como foram ficar todas espalhadas. Uma inquietação me surge ao pensar como foi que a filha de um escritor de sucesso que trabalha numa agência diversificada conseguiu tanta habilidade na cama.

Admito que de vez em quando eu me pego as voltas com pensamentos machistas sobre como as mulheres deveriam se portar – me julguem – não vou me justificar culpando a sociedade ao meu redor, fui criado para ser melhor que isso. Minha forma de pensar não muda o fato que uma pessoa não adquire certas habilidades sem um pouco de prática. Não gosto disso, saber que ela pode ter estado com muitos homens antes de mim.

Hipocrisia? Claro, eu sei que é. Afinal eu fui tão ativo no passado que era quase um viciado em sexo. Ciúmes? Eu prefiro acreditar que é apenas o velho egoísmo por saber que outro a tocou com o mesmo fervor que eu e tenha recebido tanto ou mais prazer que ela me deu. Não posso ter ciúmes de algo que não me pertence.

Ainda.

Não. De modo nenhum. Ela e eu somos apenas dois adultos livres que sentem atração sexual e não vê problemas em saciar um desejo. Não há chances de me envolver com ela mais do que isto, uma noite de prazer mutuo e só. Olho para ela que se fecha no banheiro e resolvo lhe fazer companhia no chuveiro.

...

Minha mãe não estava sozinha á mesa quando descemos para tomar café da manhã, Sophie estava com ela para meu aborrecimento, na hora me arrependi de não ter insistido mais para Edith ficar para o café, ela ia se atrasar e eu não queria que ela se complicasse por minha culpa.

- O que faz aqui? – perguntei para Sophia depois de cumprimentar minha mãe.

- Ângela me convidou – ela sorriu – Houve uma confusão ontem a noite, quando percebi Fábio tinha me deixado sozinha e sua mãe me disse que podia usar um quarto.

Olhei para dona Ângela que estava com sua atenção na sua torrada com geléia de morango, de propósito ou não ela estava me ignorando.

- Que confusão Fábio fez para te deixar sozinha? – perguntei já teorizando que meu amigo inventou qualquer desculpa para se livrar da companhia da prima.

Sophie riu com esforço de alguma piada que eu não percebi, foi minha mãe quem respondeu minha pergunta:

- A polícia federal invadiu a festa e levou Luís preso. A pobrezinha da noiva dele estava histérica, ele tinha acabado de anunciar o noivado quando os federais invadiram a casa armados e dando ordens.

- Foi horrível – Sophie a interrompeu – E humilhante, no dia do noivado.

- Alguém se feriu? – perguntei para minha mãe.

- Não. Só estavam chocados demais, pelo menos alguns de nós, outros tiveram a audácia de puxar o celular e gravar aquele espetáculo deplorável.

- Parecia cena de novela – Sophie se meteu outra vez – Uma pena que você perdeu, onde estava? Sumiu depois que saiu com aquela negrinha.

- O nome dela é Edith – nem me dei ao trabalho de olhar para Sophie, ela estava começando a me irritar – E eu estava com ela na cama até agora pouco quando ela resolveu ir embora.

Minha mãe arfou. Droga, falei demais.

- Edith dormiu com você aqui em casa? – ela cheirou a fofoca no ar – Não acredito que você a mandou ir embora antes de tomar café, Victor Hugo.

Reviro os olhos para a acusação dela.

- Não mandei ninguém ir embora, mãe, Edith trabalha e não queria se atrasar.

Dona Ângela não aceitou isso, reclamou sobre eu ser um péssimo anfitrião e que podia ter pelo menos insistido que Edith a cumprimentasse antes de ir embora.

- Chega mãe, não é como se ela e eu fossemos namorados ou coisa assim.

Mamãe riu á ponto de cuspir o suco de laranja e se desculpar entre a risada e o choque da própria reação.

- Claro que vocês não são um casal, por Deus meu filho – ela voltou a dar risadinhas.

- O que quer dizer com isso? – questionei incomodado com o tom dela.

- Quero dizer que eu queria falar com ela por que é uma boa moça, eu adoro o pai dela e achei a irmã uma pessoa agradável. Você é meu filho e eu te amo, mas francamente, você não é homem para Edith.

Agora fui eu quem engasguei e Sophie deu socos nada femininos na minha costa em alguma tentativa de me ajudar enquanto corrigia minha mãe;

- Você quis dizer que aquela mulherzinha não é para Victor, não é Ângela.

- Não, eu disse o que queria dizer, Sophie. Do pouco que conheci de Edith posso afirmar que ela é digna de alguém... – e me olhou – Menos complicado.

- Não sou complicado – me defendi.

- Claro que é – dona Ângela me lançou um olhar cheio de piedade que não gostei nada – Eu te conheço melhor do que ninguém Victor Hugo, sei como você é. Eu estou muito feliz que tenha interrompido o celibato, mas prefiro que não use a moça. Você é bonito e rico, pode achar alguém mais fácil disponível para uma noite e nada mais, não acha Sophie?

Arregalei os olhos, minha mãe estava mesmo me oferecendo para aquela oferecida? E como assim eu não sou digno de Edith? Elas mal se conhecem e minha mãe está defendendo ela como se eu fosse um crápula pervertido. Tudo bem que eu costumava ser um cretino que só importava comigo mesmo e meu prazer acima de tudo, mas isso foi no passado. Eu mudei.

Sai de casa sem nem terminar meu café, precisava ficar longe da opinião acusadora de minha mãe e da sem noção da Sophie que ou não notou o que dona Ângela estava fazendo ou se fez de sonsa para se grudar em mim. Eu mudei, posso recomeçar minha vida amorosa se eu quiser e tenho certeza que não cairei mais nas tentações que no passado me fez perder tanto.

Eu poderia fazer Edith feliz e ser feliz com ela.

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