O problema de brigar com meu irmão ou com minhas irmãs é que minha família funciona como uma rede de fofocas imediatas, então, quando acordei da pancada que me desmaiou recebi a desagradável informação de que mamãe e papai já tinham sido avisados de minha desavença com Daniel, em outras palavras, os dois estavam vindo para casa brigar com a gente por termos brigado e como mamãe estava só a algumas horas de carro de distância, ela chegou primeiro.
E a bronca não foi pouca. Eu, para ela, devia ter enlouquecido de vez. Como é que pude atacar Daniel sabendo que meu irmão jamais bateria numa mulher se pudesse evitar? Pobre Dani precisou ser ponteado no rosto que ficaria com uma cicatriz, além de eu ter quebrado seu nariz quando o chutei com tal violência que não condizia com a mulher centrada que eu era... Blá, blá, blá...
Ela não perguntou minha versão dos fatos, como se é esperado quando se trata de mamãe. Conhecendo como me conhece, está sempre pronta para ouvir que eu perdi o controle e fiz alguma coisa terrível como tentar matar meu irmão só por que ele não me deixou sair quando queria continuar uma conversa que dei por encerrada apenas por não seguir o rumo que eu queria.
Exagero dela, eu não sou assim tão absurda.
Então veio papai. Esse foi pior, ele tem a capacidade de te fazer se sentir culpado mesmo quando você sabe que tem razão – não que eu ou Daniel tivéssemos. Ele trouxe meu irmão quando veio falar comigo e pela expressão emburrada de Dani eu calculei que papai já tinha tentado arrancar dele alguma coisa. Não é da natureza de papai exigir ou gritar ou resolver as coisas com o mesmo nível de fúria gélida que mamãe usa, não.
Alessandro Olivares sentará com você enquanto tomam café e conduzirá uma conversa amistosa na qual você se sentirá induzido a contar a verdade, não que tenha consciência disso por que quando notar já terá contado aquele segredo sórdido que jurou jamais contar nem para o próprio reflexo ou, e aqui enfatize o ou, em raras situações como quando seus filhos saem trocando tapas, ele os colocará frente a frente e pedirá com a serenidade de quem pode esperar o tempo que for:
- Comecem a se explicar.
Olhei para Daniel, que tinha ganhado vários pontos na bochecha no sentido da orelha para a boca, ele ia ficar com uma cicatriz bem visível que nem uma barba espessa seria capaz de esconder e o nariz, que não ficou torto como eu imaginava toda a vez que diziam que estava quebrado, estava bem inchado e pelo modo com que respirava com a boca entreaberta ele não conseguia respirar normalmente.
- Está doendo muito? – perguntei apontando o nariz.
- Só quando toco nele – disse pausando e sugando ar – Ou tento respirar normalmente. E sua perna?
- Só quando apoio o resto do meu corpo sobre ele ou quando me mexo – respondi com meu melhor sorriso, tá tudo beleza.
- Suponho que devíamos nos desculpar – comentou sentando na almofada aonde eu tinha colocado meu pé.
- Suponho que esteja certo, mas eu não estou inclinada a me desculpar ou te desculpar.
- Idem. Na verdade meu único arrependimento é. Não ter batido seu nariz naquela porta.
Ri e lamentei.
- Doí tanto que vejo estrelas quando rio.
- Bem feito. Se eu rir. Engasgo.
Gemi quando, sem querer, ri da sua dor. Ele bebeu água da garrafa que trazia, explicou que a garganta secava rápido quando tinha que respirar pela boca e falar ao mesmo tempo, além da sensação estranha de não sentir cheiros, para não falar de quando esquecia e fechava a boca.
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Piloto Automático
RomantiekEdith não tem nada contra o amor, só preza mais pela sua liberdade. Pelo menos é o que ela vive dizendo para justificar seu desapego ao romance. Victor Hugo é um workaholic que se colocou em celibato depois da morte da esposa e do filho. Nenhum del...