Capítulo 53 "Incontrolável"

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Lucas não se sentia bem, estava enjoado e com dor, seu corpo não estava acostumado com esse tipo de esforço. Ele havia saído correndo, sequer lembrou de pegar a camisa ou os sapatos, saiu do apartamento de Guilherme com a calça social e o blazer sem se preocupar com as marcas em seu corpo.
    Chegando ao elevador, Lucas não esperava encontrá-lo. Caliman ficou sem palavras quando viu o estado em que Lucas estava.
Caliman: “Você está bem?”
    Lucas o encarou e lembrou da noite passada, do beijo e de como ele tinha sido só mais uma transa para Guilherme. Aquilo doeu e sentiu um aperto no peito, mas se negava a chorar.
Caliman: “O que ele fez?”
Lucas: “Não é da sua conta.”, falou rouco.
    Caliman apertou o botão para parar o elevador. Aquele gesto, para alguém sempre tão calmo, deixou Lucas apreensivo.
Caliman: “Vou perguntar novamente, o que ele fez?”, disse, encarando Lucas que ainda não respondia, permanecia olhando para baixo, com os braços envolta do corpo, como se sentisse dor.
    Caliman percebeu que não receberia uma resposta, liberou o elevador e desceram. Chegando no térreo, Caliman colocou a mão na cintura de Lucas e cumprimentou o porteiro. O mais novo estranhou aquele gesto, mas estava com dor, gemendo baixo, com certeza precisava daquela ajuda, não tinha condições de ser orgulhoso naquele momento. 
Caliman: "Vou te levar para meu hotel mas não se preocupe, vou só cuidar de você."
    Lucas consentiu. Caliman chamou um táxi e levou Lucas para o hotel em que estava hospedado, a viagem foi rápida, mas Lucas não deixou de ficar constrangido com os olhares de Caliman em seu corpo.
    Já no hotel, subiram até o quarto em silêncio.
Caliman: “Deixei minhas malas no apartamento do Guilherme. Tenho apenas algumas mudas de roupa aqui.”
Lucas: “Humm…”
Caliman: “Se quiser, pode tomar um banho, acredito que minhas roupas sirvam.”
    Lucas começou a tirar a roupa de forma lenta para evitar sentir alguma dor e sentou para retirar a calça. Durante o banho, lembrava das palavras de Guilherme: "Foi só uma foda." 
Lucas: "Como sou idiota!" disse com tristeza.
    Demorou se esfregando e tentando tirar qualquer resquício em sua pele daquela noite com Guilherme.
Caliman: “Se quiser, tenho remédio.”, disse do outro lado da porta.
    Lucas saiu do banho e evitou se olhar no espelho. Se secando, sentiu um pouco de dor nos pulsos que estavam levemente vermelhos. Agradeceu mentalmente por ter um emprego que permitia que trabalhasse de casa.
    Vestiu a roupa que Caliman emprestou, estavam meio folgadas. Saindo do banheiro, encontrou Caliman sentado na cama com uma mochila aberta e algumas pomadas e remédios soltos.
Caliman: “Bem, eu não sabia o que você iria precisar, então trouxe praticamente tudo.”
Lucas: “Humm…”, disse secando seus cabelos com a toalha.
Caliman: “Eu quero te ajudar, Lucas.”
    Lucas achou interessante aquele comportamento, mesmo o tratando mal, o mais velho queria ajudar. Sentou na cama do lado dele suspirou quando ele pegou seus pulsos.
Caliman: “É, dessa vez ele exagerou na força.”, disse passando uma pomada delicadamente no pulso de Lucas.
Caliman: “Posso?”, disse apontando para a camiseta e recebendo um aceno positivo.
    Caliman ficou espantado e evitou falar qualquer coisa para Lucas. “O Guilherme exagerou.”, pensava, enquanto passava outra pomada em praticamente todo o corpo de Lucas.
Caliman: “Sei que temos nossas diferenças, mas…" Parou de falar por um instante, então continuou: "O Gui não era assim. Eu não sei até onde vocês se conheciam também…”
Lucas: “Não o suficiente, eu garanto.” disse, pesaroso.
Caliman: “Bem, vou te contar uma história. Há um tempo, eu decidi viajar para a Tailândia após meu ex terminar comigo. Casualmente, encontrei o Guilherme, ele estava com uma roupa estranha para quem iria viajar e fiquei encarando ele, tempo demais talvez, não sei ao certo… Mas segundo ele, eu estava interessado em uma viagem louca de sexo na cabine.”, disse rindo a última parte ao recordar de Guilherme naquele dia.
Caliman: “A viagem para a Tailândia é muito longa, demorou demais pra chegar e ficamos conversando nesse tempo todo. Ele é um cara que passou por muitas coisas, Lucas. Ele me contou de vocês dois, do tratamento para agressividade…”
Lucas: “Ele falou da surra que deu no Rodrigo?”
Caliman: “Sim e no quanto se sentiu traído por você. O que o levou a fazer algo que até hoje o deixa traumatizado.”, disse, após terminar de passar a pomada em Lucas.
Lucas: “Como assim?”, disse colocando a camiseta.
      Caliman contou que quando ele e Lucas brigaram, Guilherme entrou em um espiral destrutivo, começou a sair e fazer coisas insanas. "Típico dele.", pensava Lucas. Caliman continuou, contou da vez que Guilherme foi à mesma boate que eles tinham ido na noite anterior e encontrou com Alexandre, um antigo conhecido e parceiro nas aventuras sexuais de Guilherme, o mesmo rapaz da noite passada.
Caliman: "Você sabe que ele não pode beber por causa dos medicamentos, não é? Então, o Alexandre colocou droga na água do Gui. Isso fez ele apagar, então..."
Lucas: "O quê? O que aconteceu?" Disse, já ficando nervoso.
Caliman: "Eu não deveria estar te contando isso, mas quero que você entenda o comportamento do Gui ontem na boate... Ele não sabe lidar com os próprios sentimentos..."
Lucas: "Você está me assustando, fala de uma vez!"
Caliman: "Ele foi estuprado!" Disse, de supetão "O Gui apagou, as coisas saíram do controle e o Alexandre continuou o que fazia, mesmo com o Gui inconsciente. Por causa da droga, o Gui teve convulsões. A sorte é que encontram ele caído e chamaram uma ambulância, se não..."
    Lucas ficou paralisado, tentando processar tudo. 
Caliman: "Não estou dizendo que justifica a atitude do Gui ontem, mas você pode entender? Lembra como ele ficou desesperado quando o Alexandre se voltou pra você?"
      Sim, Lucas se lembrava muito bem. Mas o beijo que Guilherme deu em Caliman, fez com que Lucas não percebesse mais nada.
Caliman: "A briga dele com o Alexandre, não foi por minha causa. Foi por causa de você."
        Lucas olhou para o teto, passou a mão na cabeça, desceu para o rosto. Ficou calado por alguns minutos enquanto Caliman o observava. 
Lucas: "Acho melhor eu ir embora, obrigado por tudo."
Caliman: "Como assim? Só vai embora depois de tudo que eu te contei?" disse, interrompendo o outro.
Lucas: "Olha, eu... Sinceramente, não sei o que dizer, o que pensar... Estou a ponto de enlouquecer!"
      Caliman podia ver que Lucas estava no limite. Realmente a história deles era muito conturbada, cheia de decepções e sofrimento mas também cheia de paixão. Na verdade, o que os consumia era justamente essa paixão incontrolável e avassaladora, que excedia a razão. Sempre que eles não podiam mais resistir e se entregavam a ela, imediatamente algo de ruim acontecia. Por isso eles tentavam tanto se controlar para não ceder à esse amor. Entretanto, não havia mais saída para eles. Estavam, irremediavelmente, ligados para sempre.
Lucas: "Olha o que ele fez comigo!"
Caliman: "Eu sei, posso ver os hematomas" disse, sem jeito.
Lucas: "Não, não estou falando disso. Cada marca dessa, fui eu quem quis. Nunca senti tanto prazer na vida..." parou por um instante, andou pelo quarto e continuou: "Estou falando do quanto ele me magoa. E eu continuo deixando..."
     Lucas caminhou até a porta, colocou a mão da maçaneta, quando ouviu:
Caliman: "Não tente controlar algo incontrolável. Quando você se deixar ser consumido, finalmente vai se sentir livre."
     O coração de Lucas perdeu o compasso ao ouvir essas palavras. Como que alguém que o conhecera há poucos dias poderia entendê-lo tão bem? Ou será que Lucas era tão transparente a ponto de Caliman captar tão facilmente sua essência? Com todos esses pensamentos conturbados, Lucas caminhava pela rua pensando em qual decisão tomar.

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