Suzy e Mary se encontravam na mesma situação, cada uma em uma sala, Suzy dando o seu depoimento para o policial Alison, enquanto Mary finalmente abria o jogo para o delegado, ela já havia aceitado o fim do jogo, era o seu fim ali, mas ela não se arrependia de nada do que fizera, ela nunca se arrependeria daquilo.
- Eu tinha uns quinze pra dezesseis anos, morava com os meus, não éramos ricos, mas também não éramos pobres, tínhamos as nossas dificuldades, mas sempre dávamos um jeito. Então meu pai uma manhã, a última manhã dele com a gente acordou de uma forma estranha, ele estava estranho, como se sentisse que algo aconteceria. Naquele dia, ele me deixou na escola sendo que eu ia de ônibus, ele olhou no fundo dos meus olhos e disse que eu seria uma garota fantástica quando crescesse, mas acho que decepcionei ele nessa parte. Eu entrei no prédio da escola, e algumas aulas depois o diretor da escola anunciou o acidente que havia tido no trabalho do meu pai, ouvíamos sirenes o tempo todo, passando pela a nossa escola e a única coisa que eu pude pensar foi no meu pai e na minha mãe.
Yuki não tirava os olhos da garota, que parecia até confortável contando o ocorrido, como se fosse até um alivio poder compartilhar algo íntimo e traumatizante ao mesmo tempo.
- Um reator havia explodido na ala norte, matando muitos trabalhadores... meu pai era um deles, ela morreu na hora, sem chances de resgate, ou apoio. Eu saí correndo da escola, não me importando com o horário ou ao menos com a minha idade, eu precisava salvar os meus pais naquele momento. Havia vários corpos estendidos no chão cobertos com panos brancos, não tive coragem de abrir para ver qual era o meu pai. Macas e mais macas saiam da empresa, até que vi a minha mãe, eu corri até ela, corri até ela querendo saber o que havia acontecido, aonde estava o meu pai, precisava saber, mas ela não conseguia responder as minhas perguntas desesperadas. Me levaram... até o hospital, aonde acompanhei a minha mãe, menti a minha idade, dizendo que era de maior para poder receber todas as informações, até que recebi a pior de todas. Meu pai não havia sobrevivido, e a minha mãe tinha uma seria embolia pulmonar que estava obstruindo a sua respiração por conta de toda a fumaça. Eu reconheci o corpo do meu pai, eu tive que ser forte para contar a minha mãe, eu enterrei o meu pai sozinha, eu me tornei o "homem da casa" para ajudar a minha mãe que estava internada. Comecei a trabalhar em uma lanchonete, sai da escola com dezesseis anos, e apenas o dinheiro da lanchonete não supria as nossas necessidades, o tratamento da minha mãe, os seus remédios, as contas do apartamento e as coisas básicas para nós sobrevivermos. Então... então eu comecei a me prostituir, todas as noites, você sabe o quão difícil é para uma garota de dezesseis anos, que tinha sonhos, que queria viajar o mundo, ter uma família, ver a sua vida afundando de uma forma tão lenta e dolorosa, porque doía, cada programa doía, os meus clientes, homens e mulheres, não se importavam com a minha triste história, e foda-se quem se importaria com uma puta de dezesseis anos, não é mesmo?
Mary disse com a voz rouca, fazendo uma pausa, encarando a pulseira que seu pai lhe dera, a pulseira que era o seu amuleto da sorte, a única coisa que a ligava ao tal homem. Era tudo o que tinha.
- Guardei o meu dinheiro, administrei o meu dinheiro, cuidei da minha mãe, paguei a minha faculdade com muito sangue e suor, senhor delegado. Se hoje sou uma arquiteta, foi porque eu trabalhei para isso, conheci a Jennie e conheci o principal culpado por ter tirado de mim a pessoa mais incrível do universo. O Kevin não quis ajudar meu pai, sendo que a empresa também era dele, o Kevin... aquele desgraçado egocêntrico, só queria ganhar o dinheiro dele, tudo pra ele, ele era o chefão, todos os respeitavam, sendo que ele não fazia porra nenhuma, meu pai trabalhava mais que todos ali, e morreu por conta de um cara egoísta. Se eu fui egoísta em descontar tudo isso na Jennie? Sim, claro que eu fui, ela não tem culpa, mas eu sei o quanto o pai dela a trata como uma rainha, como o pai dela faz tudo por ela, só queria dar a aquela família o gosto do fracasso, o gosto da necessidade, o gosto do que é ser um ser humano de verdade, mas aqueles filhas da puta não se importam, Kevin não se importa, ganhou dinheiro as custas do meu pai, e quando ele morreu, Kevin apenas colocou outro em seu lugar como se ele não fizesse falta, pro Kevin até que ele não faz falta, e pra mim? E pra minha mãe, senhor delegado? A minha mãe está morrendo por culpa desse cara, e se for pra mim ser presa, pelo o menos estarei tentando vingar a alma do meu pai, e pelo menos estarei tentando levar a minha mãe a um lugar no qual ela descansará sem culpa, sem dor pois isso é a única coisa que eu não quero que ela sinta. Estou aqui, vou continuar aqui, mas pelo menos sei que a minha mãe irá se encontrar o meu pai, e pelo menos eles poderão ser felizes.
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Letras (Jenlisa)
FanfictionUma vida nornal, sem regras, sem arrependimentos. Era assim que Jennie Kim vivia. Do outro lado da parede, uma menina insegura, com traumas, com medo, e sem comunicação com o mundo. Isso muda quando Lalisa descobre um lápis e papéis de cartas.