Capítulo 30 - Rainha Insu

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        Normalmente aquele local me trazia paz, porém naquele dia minha mente passava por um turbilhão que me impedia de rezar da maneira apropriada. Aquele era um dos locais que eu mais passava tempo dentro de meu complexo. Desde o dia em que eu fui confinada por meu próprio neto, buscar conselhos de Buda sempre me ajudava a manter a sanidade. Meu santuário não era um local que continha muitos ornamentos valiosos, eu acreditava que o valor dos santuários não deveria estar concentrado nos objetos e sim no espírito e no poder de nossos ancestrais. Meu santuário era ornamentado, não posso negar isto, mas com certeza não era exageradamente. Ajoelhada em frente à estátua de Buda e cercada pelos espíritos de meus ancestrais, tentei concentrar minha mente nos poderes antigos, eu necessitava de apoio. Eu havia recebido a notícia, por meio de Mal-Chin, de que meus netos e seus companheiros já estavam na capital, depois de um ano eu finalmente estava nas mesmas terras que eles. Porém, a euforia inicial foi substituída por uma onda de preocupação e de perguntas que eu não tinha a resposta, fato que me angustiava mais ainda. Eu tinha plena consciência do que a volta deles significava. O confronto estava próximo. Não estava conseguindo me concentrar em minhas preces, senti que eu deveria retornar dali algum tempo. Abri os olhos e me levantei. Respirei fundo e me retirei daquele local sagrado. Resolvi então que iria andar pelo meu complexo, para tentar espairecer um pouco. Enquanto caminhava por entre os belos jardins, as perguntas voltaram a martelar em minha mente. Como eles estariam? Teriam mudado muito? Com certeza o tempo deve ter feito a sua parte, muitas coisas podem acontecer em um ano. Mudanças físicas e de caráter. Me lembrei de cada detalhe do rosto deles. Será que algum pelo já teria aparecido no rosto de meu neto? Os cabelos da minha querida princesa finalmente teriam chegado no comprimento que ela almejava desde criança? Abri um sorriso ao me lembrar daquilo. Enquanto olhava os jardins minha mente começou a desenterrar as lembranças que eu tinha deles quando pequenos. Correndo alegremente pelo gramado, rindo e aprontando. Bastante aliás. Toquei uma grande roseira enquanto lembrava da história que ela continha. Hwawan e Eun Woo estavam brincando ali por perto, foi quando Hwawan chutou a bola e ela foi parar bem em cima da minha pobre roseira. Hwawan começou a chorar e tremer de preocupação pois ela sabia que aquela era a minha roseira favorita. Eun Woo tentou consolar ela e prontamente se embrenhou na roseira para pegar a bola. No final ele saiu de lá todo arranhado, porém com um sorriso fofo no rosto e a bola na mão. Uma lágrima desceu por minha face. Eles eram tão jovens, tão inocentes, alheios a todo o mal que este mundo tem a oferecer. Eu ainda podia cuidar deles, protege-los de tudo. Mais uma lágrima caiu. E agora, eu sabia que eu não tinha mais esse poder. Ah, como era fácil mantê-los em segurança, queria que aquele tempo pudesse voltar.

        Resolvi que deveria voltar ao santuário e tentar realizar minhas preces mais uma vez. Me ajoelhei e pedi para que os deuses os protegessem. Protegessem meus netos, o mestre, o meu querido médico...Como ele estaria? Uma pontada de dor me atingiu. Ele deveria estar bem alto...bem mais alto do que eu, acho que quando ele fosse me tratar novamente ele teria que se abaixar bastante. Foi então que me debulhei em lágrimas. Porém, meus soluços foram abruptamente interrompidos por uma risada seca, que me feriam os ouvidos. Era um som parecido com uma espada arrastando no chão. E eu sabia exatamente a quem ela pertencia. Ele era tudo o que eu mais e o que eu menos queria ver. A semelhança entre eles chegava a machucar. Era como um veneno, um truque. Tentava convencer minha cabeça de que aquilo era só uma ilusão. Não era ele. Eu sabia que não podia ser ele. Mas, então por que eu ansiava em que ele se aproximasse? Os passos ecoavam dentro do santuário como o tique-taque do relógio. Cronometrados, calculados, de uma frieza impressionante. "Não é ele, não é ele". Mais perto, cada vez mais perto. "NÃO É ELE! ". Porém, quando eu fui me afastar ele já estava perto demais. Já era tarde. Podia sentir sua respiração em meu rosto. Senti o ímpeto de tocar seu rosto, somente para confirmar se era realmente mais um truque da minha mente. Não foi necessário que eu mexesse um músculo sequer, a confirmação veio no momento em que eu olhei dentro de seus olhos. Eram olhos vazios, tristes. Tão belos, mas tão gélidos e mortais. Seu cabelo escuro estava caído sobre um dos olhos, bagunçados e despenteados. Sua boca se curvou em um sorriso selvagem. Ele parecia um animal pronto para atacar, com sede de poder. Ele parecia o monstro que ele era. Porém, atrás dessa máscara de frieza haviam coisas que ele não queria que os outros vissem. Para o azar dele, ele não era tão bom ator assim. Olhando com atenção, as olheiras em baixo de seus olhos e o olhar cansado deixavam bem evidentes que aquela guerra também estava o afetando. Ótimo, ele merceia sofrer. Porém, o ódio que eu sentia por ele era instável. Eles eram tão semelhantes. Minha face murchou, marcando a vitória dele. Satisfeito, ele lentamente afastou seu rosto do meu, um sorriso aberto deixando a mostra seus dentes brancos. Ele levou a mão até meu queixo e segurou firme. Tentei virar o rosto, porém ele segurou mais forte, me forçando a encará-lo. Encarar o monstro que ele era. Aquele não era meu neto, não era. Eu não podia me deixar levar pela aparência. Eun Woo não agia daquele jeito. Como aqueles dois poderiam ter saído do mesmo ventre?

        - Não me toque Yeonsangun – rosnei enquanto puxava meu rosto das mãos dele.

        - Avó? Por que a senhora está me tratando assim? – Ele falou, fingindo estar ofendido enquanto apertava ainda mais meu rosto – O seu próprio neto.

        - Meu neto está morto – respondi – ele morreu no instante em que esse monstro tomou conta dele – olhei com nojo para ele.

        - A senhora pode até falar isso – ele largou meu queixo e começou a andar ao redor de mim – Mas está estampado no seu rosto o que você sente por mim, está mais claro do que o Sol que brilha lá fora!

        - Eu não tenho mais nenhum outro sentimento por você a não ser ódio e pena, Yeonsangun.

        - Por favor – ele riu – você quer mesmo fingir que você não sente isso? Que a sua mente – ele passou os dedos por meu cabelo – Não te engana?

        - Eu...

        - A senhora quer mesmo fingir que você não enxerga a nossa semelhança? – Ele parou de frente para mim – É ISSO MESMO QUE VOCÊ QUER? – O seu grito ecoou por todo o santuário, me fazendo estremecer. – Me perdoe vovó – ele abaixou o tom de voz – eu não queria te assustar.

        Somente continuei o encarando, meus olhos ardiam, porém eu me recusava a chorar na frente dele.

        - Vovó – ele pegou minha mão e levou ao rosto dele, sua pele era mais fria do que o gelo – Olhe bem para mim. Você sabe que somos parecidos. Não precisa ficar com medo de mim – sua voz ficou suave e seus olhos mostraram uma coisa...compaixão? Não, eu deveria estar vendo coisas – é só você admitir que eu sou seu neto e que eu e meu irmão, somos iguais – a última palavra me afetou e ele percebeu, tirando o seu rosto de minhas mãos logo em seguida.

        - Nunca! Vocês dois não são iguais...não podem ser!

        - Olhe bem vovó, nós somos iguais! Irmãos, gêmeos, idênticos! Nascidos do mesmo ventre. Esculpidos da mesma forma. Semelhantes.

        - Não! Por mais que sua aparência e a dele sejam iguais, o caráter de vocês é totalmente o contrário! O dele é puro e o seu é podre.

        - Tem certeza? – Sua voz parecia como uma canção, uma canção mortífera – Vamos analisar bem os fatos avó. As pessoas falam tanto de mim, mas olhe só para o meu irmão! Todos me culpam por tudo, mas e o Eun Woo? E ELE? – Ele gritou – ninguém o culpa por nada. Ele nos abandonou! Abandonou seu povo! ABANDONOU VOCÊ! O neto perfeito! Ele fugiu, como um covarde – ele era realmente muito bom em convencer, um verdadeiro político. Um manipulador – Se escondeu em uma ilha afastada daqui, largou o país em uma situação desastrosa, sem falar no nosso pai...ah, nosso querido pai, que foi deixado aqui para morrer, adoecendo a cada dia por conta da fuga do filho, até que o pobre não aguentou e partiu desse mundo. E mesmo assim, o filho dele nem veio para se despedir do pai. Meu irmão largou o país em uma confusão, pobreza, desordem, largou tudo isso em minhas mãos! E eu tive que assumir! E mesmo assim, as pessoas ainda me culpam, me culpam por tudo! Será que eu realmente sou o vilão dessa história? As pessoas vão mesmo deixar aquele traidor assumir o poder do país? Pense bem avó – ele se aproximou de mim e sussurrou – a história tem sempre dois lados. Basta você escolher aquele em que quer acreditar – ele se direcionou para a saído do santuário – só não vá se arrepender depois. A sua escolha pode mudar tudo, eu prometo que não irei interferir em sua decisão. – Ele fez uma pausa e se virou para mim – E mais uma coisa, eu não preciso da sua pena. Eu não a mereço. E eu posso te garantir, que até a última gota de pena que você sente por mim vai acabar no instante em que eu trouxer a cabeça dos seus dois netos de presente para você. Aliás, acho que você vai ter que aumentar esse seu santuário, logo, logo você vai ter mais dois entes para pedir conselhos. - Dito isso ele saiu do santuário, me deixando lá, sozinha.

        A imagem das cabeças de meus netos, sangrando e sem vida nas mãos de Yeonsangun me assombraram. E junto com aquela imagem, as palavras dele cravaram suas garras em minha mente, mas e se ele estivesse certo...balancei minha cabeça. O que eu estava pensando? Eun Woo nunca foi e nunca seria igual a ele. Eu sentia repulsa em chamar Yeonsangun de neto.

        Respirei fundo e me levantei. A única coisa que eu poderia fazer era esperar que meus netos conseguissem tirá-lo do trono e governassem de maneira justa e honesta. Falando em governar, meus pensamentos se voltaram para a minha neta. Quando ela me pediu ajuda fiquei chocada e triste ao mesmo tempo, porém, se aquele era o desejo dela, quem era eu para impedir? Minha ajuda já havia sido enviada, agora eu iria esperar que o resto do plano se cumprisse. "Que Buda os ajude".  

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