25 - Escolhas.

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Assim que o clima pareceu mornar, deixando Guerreiras de um lado, e Constelação de outro, Maria resolveu por sair da quadra, precisava beber uma água e se sentar. Estava dolorida. Sentia que estava queimando, as mãos ardiam e sentia o calor dominar seu corpo. Sentou em um dos bancos e se apressou em tirar suas chuteiras. Seus pés estavam inchados e cansados.

Via de longe suas colegas de time cuidando dos machucados e Patrícia conversando com Victória. Também viu a diretora de sua escola conversando com a diretora de Estrela. Apesar de o silêncio instaurar o local naquele momento, com todos conversando apenas por cochichos, o clima ainda era tão pesado quanto o anterior.

- Hm... Maria?

Virou o rosto para ver o dono da voz. Não conseguiu esconder a cara de surpresa ao rever aqueles traços depois de dois anos.

- Hm... É... oi? Eu... - Olhou para os pés e sentiu-se levemente envergonhada por estar massageando-os quando o garoto a viu. - Faz muito tempo. - disse por fim com voz baixa.

- Sim, faz. - Concordou Ezequiel se sentando no banco ao lado do dela.

Ezequiel tinha um sorriso tão bonito, Maria havia se encantado por ele assim que seus pés pisaram em Estrela pela primeira vez. Mas o sentimento forte veio depois. Quando ela olhou para ele de um jeito que nunca havia olhado para ninguém.

Ezequiel a fazia rir, e se sentir menos sozinha. Ele era tudo que Maria tinha naquela cidade. Ele era a única coisa que a prendia em Estrela. Mas não a prendeu o suficiente.

Ele havia se declarado para ela, a pedido em namoro, mas ela disse que iria embora no dia seguinte. Voltaria para sua cidade natal. Naquela época, o impulso falou mais alto e ele retirou tudo que tinha dito para ela. Droga! Ela diria sim, ela tentaria, mesmo com a distância, mas ele retirou o pedido, a declaração! Ele só retirou.

E agora, dois anos depois, ele estava ali, ao seu lado, com o mesmo sorriso.

- Você mandou muito bem. Não sabia que jogava. - Ele declarou.

- Eu não jogava. Comecei faz pouco tempo.

- E já faz muito bem. - Comentou.

- Obrigada. - Agradeceu. - Como anda a vida?

- Vai bem. Meio monótona, mas bem. Eu comecei a fazer uns desenhos. Você se lembra? Você falava que eu era bom.

- E você é. Fico feliz em saber que tentou. - Ela formou um leve sorriso.

- Sinto falta daquela época. - Ele disse enquanto ela voltava a calçar as chuteiras.

- Eu também.

- Sabe, nós poderíamos trocar nossos números. Para conversar.

Maria olhou para ele e sorriu, então desviou o olhar para as garotas que estavam mais à frente. Era estranho, porém bonito, a maneira como, mesmo depois de terem vivenciado um dos piores momentos, ainda estavam ali, uma do lado da outra, como se aquilo consolasse todas de uma só vez. Como se estarem juntas as fizessem mais forte.

Quando se mudou para Estrela, sentia que precisava de algo, como se uma parte dela estivesse vazia e ela precisasse de algo para preenche-la, e por um tempo, Ezequiel foi o que a preencheu.

Mas agora, olhando para suas amigas, não sentia mais esse vazio. Estava, na verdade, transbordando. Ao lado delas, não se sentia feia, não sentia vergonha de quem era, se sentia completa.

- Eu acho que é melhor não. Você é uma pessoa ótima, Ezequiel. Mas eu já tenho o que eu preciso. - Disse ainda encarando as quatro meninas. - E o que eu preciso, precisa de mim.

***


- As Guerreiras, novo time feminino de futsal da escola municipal Garcia Lopes, foi expulso de todos os jogos da cidade de Estrela, atuais e futuros. - Victória leu em voz alta o pequeno trecho do jornal de Beija-Flor. - Sinceramente, não era assim que eu esperava aparecer no jornal um dia.

O barulho dos suspiros cansados das cinco garotas foi por alguns minutos, o único som vindo delas. Estavam tão exaustas e chateadas. Tinham tantas expectativas sobre aquele jogo, que quando essas expectativas foram quebradas, tudo parecia quebrar também.

- Pelo menos elas não resolveram nos denunciar, ou denunciar a escola. - Disse Ana, procurando um lado positivo naquilo.

- Eu que deveria denunciar aquela racista. - Resmungou Vick.

- Ei. - Chamou Ma Duda, segurando nas mãos da cabelos-de-fogo. - Não fica assim.

Agora, com os treinos suspensos por um mês, e com a maioria delas de castigo, a biblioteca da escola era o único lugar que poderiam conversar à vontade por alguns minutos. Apesar de que, teoricamente, a biblioteca deveria ser o lugar mais silencioso da escola.

Victória ainda estava com o olho roxo, por isso, ostentava de um par de óculos escuros, mesmo dentro de um lugar fechado. Já as outras, tinham pequenos arranhões pelos braços e rostos.

Victória encarou Raquel por um instante, lembrando-se de algo.

- Raquel, eu não te perguntei antes, mas por que você cuspiu naquela garota?

Raquel olhou para Victória, já era certo que alguma delas perguntaria isso em algum momento, e até pensou em contar para a ruiva. Mas vendo como ela se abalara tanto, preferiu não. Porque ainda lembrava das palavras da garota, falando exatamente o que a Olívia iria dizer no ouvido de Victória em poucos segundos, e acrescentando um importuno comentário:

- Como você consegue ser amiga daquela negrinha lá?

A moça de franjinhas não sabia ao certo se aquilo era algum tipo de plano, ou armação das duas, mas seja lá o que fosse, Raquel sentiu vontade de bater muitas vezes naquele rosto, porém se contentou com a cara de incrédula que a garota fez quando Raquel cuspiu em sua cara desprezível.

- Ela falou mal da minha família. - Foi o que Raquel respondeu para Victória, não deixando de ser a mais pura das verdades.

***


Colocou a chave na fechadura e abriu a porta de sua casa, jogando sua mochila no sofá quando entrou. Seu corpo pesava e sentia vontade de deitar em sua cama e só se levantar quando fosse extremamente necessário.

- Victória, venha cá. - Eleonora chamou por sua filha.

A adolescente caminhou em passos calmos até chegar na copa de sua casa, de onde havia escutado a voz de sua mãe. Eleonora encontrava-se sentada sobre uma das cadeiras de madeira. Ela fez um gesto para que Victória puxasse uma das cadeiras e se sentasse, e assim a filha fez.

- Nós não tivemos muito tempo para conversar, e eu fiquei muito ocupada com a creche, porém agora eu queria falar com você sobre o jogo em Estrela. - Victória assentiu e depois abaixou a cabeça, com certo receio daquela conversa e com certa vergonha de seu comportamento.

Foram dias pensando em como agira sobre aquilo, e como deveria aprender a controlar a si mesma. Ela tentava, tentava mesmo, mas parecia que sempre algo novo aparecia em sua vida para a desestabilizar.

- Sua professora conversou comigo, e sei pelo que passou, minha filha. Você acha que sua mãe não sofreu essas mesmas coisas? Já namorei alguns garotos brancos e as mães deles já me chamaram de tudo que você pode imaginar. Já me disseram "pessoas como vocês deveriam voltar a ser escravos". Já acharam que eu era faxineira só por ser negra. - A cada palavra que Eleonora dizia, Victória deixava escorrer uma lágrima. Sentia a dor da mãe em cada frase. Não fazia ideia das coisas pelas quais Eleonora tinha vivido. - Mas, meu amor, eu não te ensinei a combater violência com violência. Foi só você dar um soco naquela menina que todas as outras começaram a brigar também, e não te culpando pelo que aconteceu. Só estou pedindo para que você mostre que é melhor, e não parta para a agressão, tudo bem? E se isso acontecer de novo, o que eu peço a Deus que não, não fique calada, grite se for preciso, isso é o que eu mais amo em você, você é toda eufórica e isso é ótimo! Mostre sua voz! Mas não dê motivos para que eles achem que você é agressiva. Porque eu sei que você é a pessoa mais amorosa, amiga, companheira e destemida que eu já conheci. E eu te amo muito, minha filha.  

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