18 - Na trave.

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Alguns meses tinham se passado, as garotas haviam treinado de maneira exagerada. O fôlego para correr estava mais apurado, tão quanto a velocidade que elas faziam tudo. A habilidade e a dominação de bola também eram fatores que elas haviam melhorado. Raquel já não canelava suas colegas, Maria já controlava a bola com manha, Natália já era uma das mais rápidas, e Victória e Ana haviam superado suas expectativas.

Durante isso, as garotas perceberam em quais posições se davam melhor. Raquel e Amanda eram as goleiras. Ana e Ária eram os pivôs. Victória, Natália, Juliana e Laís eram as alas, e Maria e Thalita eram as fixas.

Enquanto jogava, Maria sentia que estava cada vez mais dentro daquele projeto, como se estivesse mergulhada no futsal, de um jeito bom. A garota, que não gostava de nenhum tipo de esporte, se via agora apaixonada pelo futsal, de uma maneira que nunca tinha ficado por nada antes.

Era engraçado para ela dizer isso em voz alta, mas sentia-se orgulhosa de si.

E tudo graças a Victória, que teve a iniciativa de criar algo tão belo.

Por isso estava ali, na feirinha de Beija-Flor, que acontecia todos os sábados, procurando algo para dar de presente a amiga. Segurava as mãos magricelas de José, enquanto o guiava entre a multidão de pessoas. Havia decidido levar o garotinho, porque ele amava passear, nem que fosse para a padaria apenas, ele já brilhava seus olhinhos caramelo, com alegria.

A feira tinha de tudo um pouco: comidas, verduras, artesanatos, roupas, bijuterias e mais. Era o dia da semana que mais se via movimentação na cidade, desde os próprios moradores, que aproveitavam para comprar coisas em um preço muito mais barato, desde visitantes de cidades vizinhas.

Maria resolveu passar primeiro na barraca de roupas, enquanto via seu irmão encantado, olhando tudo com atenção. Para o pequeno, aquilo era como o paraíso.

Olhou um vestido florido que caberia bem em Victória, porém não se lembrava da última vez que a menina usou um vestido. Olhou as blusas, mas a maioria eram tops, que Victória não usava muito. Parou para pensar no que a amiga costumava vestir. Victória tinha o estilo mais casual, calças jeans simples, blusas com mangas, ou blusas de times e shorts nos dias de calor. Ela não era do tipo que se importava muito com roupas, por esse motivo, Maria constatou que deveria ir em outra barraca. E foi o que fez.

Parou na barraca de artesanatos, que José ficou encantado com os caminhõezinhos de madeira. Mas como não achou nada, foi para a barraca das bijuterias.

E destacado, estava ali, um colar com um pingente em formato de bola de futebol. Era o presente perfeito para Victória. Não perdeu tempo e comprou o colar, aproveitando comprou uma pulseira com bolinhas de madeira para José.

- Brigado, Ma! - Disse o pequeno abrindo os braços para um abraço. Maria ajoelhou-se para ficar do tamanho dele e o abraçou.

- Agora vamos, José. Já está quase na hora do almoço.

- É! Comida! - Gritou o garoto entre pulos.

***


- Eu estou regredindo, Carmen! - A garota exasperou enquanto andava de um lado para o outro dentro da sala não muito grande.

- Por que diz isso? - A psicóloga perguntou.

- Meses atrás eu gritei com aqueles meninos, você lembra, não é? - A mulher assentiu. - E depois disso eu acho que eu regredi. - A voz de Victória aos poucos ia ficando menos alterada. - Hoje eu gritei com minha mãe só porque ela não fritou o ovo direito, e fiquei com muita raiva do cachorro do vizinho porque ele estava latindo alto e ontem eu perdi o controle na sala de aula de novo porque tirei cinco na prova. Eu estou regredindo, Carmen. - Os olhos de Victória lacrimejavam enquanto falava.

- Você está regredindo ou só está apreensiva por causa de algo que está te incomodando e jogando a raiva em outras coisas?

- Eu não sei, Carmen. Eu não sei...Eu acho que estou incomodada com a falta de respeito que nós estamos recebendo por estarmos jogando futsal. Eu entendo que por parte deveria estar feliz por tudo que conseguimos até agora, mas tem certas coisas que ainda estão as mesmas. Como, o olho torto que recebemos, de até garotas como a gente. Parece que nós somos as estranhas na área. Será que vai ficar assim pelo resto do ano? Ou mais? Se eu não estiver regredindo e só jogando a raiva em cima de outras pessoas, isso não me faz sentir mais aliviada. Por que as coisas não podem ser mais simples?

***


Raquel surpreendeu-se por não ouvir as brigas incessantes de seus pais quando chegara em casa. Pensou que eles teriam saído novamente, mas quando colocou seus pés dentro da residência, viu uma das cenas mais estranhas que já tinha visto.

Rebecca e Kaique estavam cozinhando! Juntos!

Raquel beliscou a si mesma, só para certificar-se que não era um sonho.

- Oi, filha! - Rebecca sorriu para a garota. - Guarde sua mochila, o almoço está quase pronto. - Raquel fez uma careta, o que estava acontecendo ali?

Ainda meio inconformada, subiu as escadas, indo para o quarto, aonde guardou seus materiais e tirou seu uniforme, colocando uma roupa mais leve e confortável.

- Então...O que está acontecendo com vocês? - Raquel perguntou assim que desceu as escadas.

- Nada demais. - Disse o pai. - Só estamos cozinhando.

- Okay, mas isso só acontece uma vez por mês, e me lembro bem que fizeram isso dia primeiro e não acho que hoje é uma data comemorativa.

- Não exagere, filha! - Rebecca repreendeu, porém não parecia com raiva. Parecia feliz. Parecia.

- Como está, filha? - Kaique perguntou.

- Eu estou bem. - Raquel disse fitando o pedacinho de caco de vidro que estava no chão. - E vocês?

- Estamos ótimos!

Raquel sabia que aquilo era fingimento deles, soube no exato momento que viu o caco de vidro no chão. Eles tinham brigado, provavelmente por algo bobo, Rebecca com raiva, havia jogado algum copo ou prato de vidro no chão, Raquel não sabia ao certo. Então, eles olharam no relógio e viram que era quase o horário que a menina chegaria da escola. E voltaram para a atuação, para de alguma forma poderem agradar a filha.

E pela primeira vez, Raquel atuou também, fingindo ter pais normais. E aproveitando, um pouquinho, da companhia que eles estavam lhe oferecendo. 

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