- Você também tem alguém?! - Gritou Ana Nicole enquanto passava pelo homem e entrava em sua antiga casa.
- Você sabe que horas são, filha? - Perguntou Renato com voz sonolenta. O homem pardo estava com olheiras um tanto quanto profundas, que Ana Nicole ignorou.
Era um pouco mais das duas da manhã. O "passeio" de ônibus de Ana até ali não tinha sido nada agradável. O veículo àquela hora da madrugada parecia macabro, ainda mais com um bando de jovens bêbados que vomitavam nos seus pés. Ainda bem que Nicole estava com seu tênis já surrado, então assim que desceu, tirou-os e os jogou em uma lixeira. Ficando apenas de meia enquanto caminhava, ligeira. Já que mesmo alterada emocionalmente, sabia que era perigoso caminhar sozinha naquele horário.
Resumindo, estava morrendo de raiva.
- Você tem alguém? - Repetiu a pergunta.
- O quê? - O pai parecia confuso.
- Eu perguntei se você tem alguém para ficar, namorar, ou sei lá! Fazer coisas de maiores de dezoito! - Exasperou Ana.
- Do que você está falando, Ana? - Perguntou o pai com voz calma se sentando no sofá da sala e apontando para que a garota fizesse o mesmo.
A alta danou-se a chorar. Explodiu em sentimento. Sentiu as lágrimas salgadas a invadirem de forma tão intensa. As mãos cobriam o rosto e a cabeça inclinava-se para baixo.
- A mamãe... Ela... t-tá... n-namorando... - Falou entre soluços.
Ana podia jurar que o pai ficaria com raiva, ou triste, talvez de coração partido, mas ele apenas encostou a mão nas costas da filha, calmo.
- Ei, olha para mim... - Ele pediu. Ana limpou as lágrimas e encarou o homem de barba por fazer. - Está tudo bem sua mãe estar com outras pessoas. Nós estamos separados.
- Mas é que... Eu ainda tinha esperanças... que vocês pudessem voltar...
- Eu sei, filha. Eu sei. Mas tem coisas na vida, que não acontecem do jeito que queremos. - Ana fungou o nariz e então caiu em lágrimas novamente. Abraçou o pai fortemente, entre soluços, e esperou poder ficar do lado dele assim, para sempre.
***
Acordou com batidas fortes do lado de fora da casa, mas resolveu não se importar e ficar deitada, só mais um pouco. Ouviu quando alguém abriu a porta, provavelmente o pai, e uma voz feminina começou a gritar.A voz de sua mãe.
- Merda! - Resmungou Ana tentando levantar-se rapidamente. No ato, acabou caindo da cama de bunda no chão.
- Ela tá aqui? Cadê ela?! - Ouvia a mãe gritar. Levantou-se do chão, arrumou seus cabelos com a mão e inspirou fundo, tentando se preparar para o que viria a seguir.
Em passos pavorosos, saiu de seu quarto e entrou na sala de estar, aonde sua mãe ainda gritava.
Quando os olhos de Sandra vidraram na filha, ela suspirou e caminhou até a menina. Ana pensou que ela a daria um belo de um puxão de orelha, mas isso foi o que aconteceu só depois do abraço apertado.
- Nunca mais faça isso, mocinha! - A mulher gritou, puxando Ana pela orelha e a levando para o carro.
- Ai, mãe, isso dói! A minha mochila. Ela tá lá dentro!
- Eu pego depois, agora entra nesse carro. - Sandra praticamente empurrou Ana Nicole para dentro do veículo. Depois o fechou e voltou para a casa de Renato para buscar a mochila roxa da garota.
Quando o carro começou a mover, Sandra desviou o olhar da estrada para olhar Ana por um segundo.
- Não acredito que fez isso de novo! O que você estava pensando que estava fazendo? Eu te procurei igual uma doida! E agora, foi por quê? Por que eu estou namorando?
- Não é só por isso! - Ana exasperou. - Eu só não entendo! Você e meu pai nunca brigavam, nunca discutiam por muito tempo, e olha como estão agora! Você mal olhou para ele quando entrou! E sei que ele também mal olhou pra você! Vocês não conversam. Você me leva até aqui e nem ao menos para sair do carro e o cumprimentar! Eu não entendo por que tudo acabou desse jeito! No fim, vocês nunca se amaram, né?
- Entendo que isso seja um momento difícil pra você. Entendo mesmo. Mas isso não justifica você ter mentido pra mim e ter saído de casa desse jeito. Você está de castigo.
- Qual castigo pode ser pior do que não ter meus pais juntos?
- Você está sem o futebol, por uma semana.
- Manhê! Isso é injusto.
- Iremos falar sobre injustiça mais tarde.
***
- Alô, meninas.- Alô, Nicole. Você não apareceu o dia inteiro. Estávamos preocupadas. - Falou Victória pelo telefone.
- Eu estou bem... Pelo menos um pouco. Mas estou de castigo e não vou poder ir no futsal essa semana.
- O que aconteceu? - Perguntou Maria.
- Longa história... Depois eu conto para vocês, com mais calma.
- Beleza. Vamos sentir sua falta no jogo. Mas você virá na aula amanhã, não é? - Perguntou Nat.
- Sim, irei.
Depois de mais alguns minutos de conversa, todas desligaram a ligação. Raquel estava deitada sobre sua cama, pensando o que iria fazer naquele dia tão monótono. Talvez sair de seu quarto e descer as escadas não fosse uma má ideia.
E foi isso que fez. Não ouvia nenhuma gritaria, o que era um bom sinal. Significava que não tinha ninguém em casa.
Antes de abrir a geladeira, encarou o post-it com a letra de sua mãe.
"Nós vamos sair hoje. Voltaremos amanhã de manhã. Tem uma coisa em cima do sofá para você."
Raquel levantou as sobrancelhas, abriu a geladeira, pegou um leite, o colocou em um copo e misturou com o achocolatado. Ficou ainda mais surpresa quando viu um embrulho na sala. Seus pais não eram de lhe dar presentes. Quando abriu, meio receosa, percebeu que se tratava de um par de chuteiras novas. Raquel não pôde evitar de sorrir. Pegou-as e colocou-as nos pés.
Foi aí que percebeu que não era seu número de calçado. Sério que não lembravam quanto ela calçava? Pegou-as e jogou-as contra a parede. Com raiva. Quando se acalmou um pouco, as guardou de volta na caixa e escreveu um post-it.
"Elas não servem."
Raquel poderia muito bem apenas pedir para que eles trocassem as chuteiras. Mas ela não gostava de pedir nada. Já estava acostumada a fazer as coisas por conta própria. Portanto, subiu seu quarto e pegou algumas notas que tinha na caixinha vermelha. Notas essas que havia juntado quando ainda trabalhava na sorveteria da esquina. E então, saiu pela porta da frente, determinada a comprar um par de chuteiras para si.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Garotas Também Jogam Bola ✔
Roman pour Adolescents"Em uma cidade com nome de pássaro existia cinco garotas, cinco nomes, cinco vidas não tão fáceis quanto gostariam, cinco histórias paralelas que se cruzaram de uma forma inusitada e futebolística demais. Cada uma tinha seu motivo para estar no time...