Passei três dias deitado na cama, sem fazer nada. E quando digo "fazer nada", quero dizer: escutar música o dia todo, me lamentar por ter nascido e desejar que tudo o que estou sentindo, simplesmente, desapareça (se soubessem os meios de fazer os sentimentos desaparecerem que passam pela minha cabeça, ficariam aterrorizados). Na tarde de sexta eu ouvi alguém bater na porta. Minha mãe já tinha saído para trabalhar e eu não estava me sentindo bem para atender ninguém. Permaneci no meu quarto, fingindo que não existia e pedindo para que minha inexistência se tornasse realidade.
Já estava escurecendo, a casa estava vazia, a música já tinha saído dos fones e invadido todo o quarto pela caixa de som. Tocava "Boys Don't Cry", da banda The Cure. Àquela altura, todo meu estoque de lágrimas já havia secado e eu só olhava o céu pela janela com melancolia e tristeza.
- Você vai abrir a porta, ou eu vou ter que subir até ai? - Cortou uma voz no ar.
Olhei para baixo pela janela e Leo estava me encarando com cara irritada no meu quintal. Eu queria ficar sozinho, mas agora que ele havia me visto eu não teria como escapar.
- Oh, Romeu! - Caçoei dele pela janela - Romeu! Por que és tu, Romeu?
- Gostei da referência, mas eu prefiro ter um tapete mágico para chegar até aí. - Resmungou ele.
- Entendi o recado.
Saí da janela e pausei a música, dei uma rápida olhada no espelho para ver meu rosto, estava acabado, como sempre. E com olheiras bem grandes, como de costume. Desci as escada e abri a porta, Leo me encarava com uma pequena insatisfação no olhar, olhei a forma como estava arrumado e notei a calça comprida e os sapatos.
- Veio da escola? - Perguntei. - Mas, são 19h?
- Vai me convidar para entrar? - Perguntou ele.
- Por favor. - Fiz um gesto com os braços para que entrasse.
Ele passou pelo arco da porta e olhou o lugar de forma singela para que eu não notasse que ele estava fazendo isso. Se voltou para mim e me encarou com seus olhos castanhos intensos.
- O que faz aqui tão tarde? - Perguntei.
Ele se aproximou e colocou a mão em meu queixo, virando meu rosto para a esquerda.
- O soco foi feio. - Disse, olhando a marca no meu olho.
Minha cabeça trabalhou mais de mil perguntas por hora. Como ele soube do soco? Como ele soube onde eu morava? Por que ele veio até aqui? Ele esperou desde a saída da escola?... Mas. quando endireitei meu rosto e encontrei seus olhos de novo, agora mais próximos, as perguntas sumiram da minha mente.
- Quer ver meu quarto? - Perguntei, tentando manter o foco.
- Você está sozinho? - Ele perguntou, se afastando.
- Minha mãe está no trabalho, e somos só eu e ela. - Respondi.
- É lá em cima? - Perguntou ele.
- O que? - Perguntei perdido.
- Seu quarto? - Respondeu ele, sorrindo.
- Ha! sim. Vem!
Eu subi as escada na frente, ele veio atrás. Entrei no quarto e parei na porta o observando entrar. Ele jogou a mochila em um canto e foi direto para a janela.
- O que estava fazendo quando eu cheguei? - Perguntou ele.
- Olhando as estrelas, elas me acalmam. - Respondi.
Ele fez silêncio por alguns minutos.
- Chama esses pontinhos de estrelas? lá do sítio você consegue ver a ursa maior inteira. - Ele parou e olhou minha cara de quem não estava entendendo nada - É uma piada, a Ursa Maior só pode ser vista no Norte e no Nordeste do Brasil. Mas as estrelas lá são muito mais bonitas.
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Do Meu ao Seu Interior
RomanceLeo e Nick são dois jovens cursando o último ano do ensino médio em uma cidade do interior do Rio de Janeiro. Leo mora na parte mais abastada do município, numa fazenda acessível apenas pela longa estrada de terra que delimita os limites da cidade...