48| O grande dia

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Abri os olhos lentamente; estava no casebre escuro e frio novamente. Impossível. Fazem quase três anos desde que não piso no meu antigo lar.

Nas últimas três noites as memórias tem assombrado meu sono, perturbado minha mente e revirado meu estômago. Não é como se eu sentisse medo ou aversão pelas atrocidades que cometi no passado, mas, é diferente pensar nelas agora, sendo uma nova Joy, pareço ter sido uma assassina fria e uma alma suja.

Levanto da cama dura e vou até a porta, entretanto, o chão parece derreter me sugar para baixo. Tento me agarrar ao máximo na porta, que se transforma em grades de ferro, maciças e geladas. Estou afundando com mais velocidade, o chão parece querer me engolir, na verdade, agora o piso é uma piscina de sangue denso e bem vermelho. Agarro-me com mais força contra a grade, então, um jovem que aparenta ser mais velho que eu, caminha até aonde estou e agacha.

Ele me observa com os olhos sombrios; lembro-me dele, é o mesmo garoto que aparecia perto da lareira nos meus pesadelos.

Tento gritar, agarrar sua mão, alcançar seu corpo, mas estou sufocando no sangue fresco. Enquanto isso, ele apenas me observa.

Agarro seu pulso, puxo seu braço, mas a grade impede que eu consiga me estabilizar e o sangue torna tudo mais escorregadio. Aqueles olhos me assombram, e seu rosto muda lentamente para o rosto de pessoas que já matei. Todas com expressão vazia, porém é possível reconhecer uma pontada de ódio e desgosto no brilho do olhar. Por fim, me vejo agarrando o braço de uma criancinha, pequena, indefesa. Estou sujando toda sua roupa com sangue e ela mal consegue ficar de pé, pois estou puxando-a para baixo.

Ouço um tiro e me assustou com o estalo alto, o clique do gatilho e o boom da bala saindo da arma. Solto o braço da menina; ainda puxo o chão acima de mim, mas minhas mãos escorregam e afundo lentamente, tossindo e me movendo freneticamente na piscina vermelha. O rosto da garota se revela, e percebo que sou eu. Ela estava vestindo o mesmo vestido rosa florido do dia em que fugi com minha tia para longe de minha casa que era invadida, no dia mataram meus pais.

Quando nos alcançaram, já estávamos longe, quase nos limites da floresta. Minha tia me empurrou para longe e disse que era para eu ser corajosa e me proteger; não muito tempo depois, ouvi o disparo que matou meu último familiar, o disparo que arruinou meu futuro e que me obrigou a ser a assassina, ladra, trapaceira e golpista tempos depois. Não era culpa minha ter me tornado isso, era culpa daquele disparo.

Afundei por completo no sangue.

°°°

Acordei ofegante. Percebi que aquele tinha sido mais um pesadelo, fruto de minha imaginação fértil e momentos ácidos de minha vida.

A fronha do travesseiro estava encharcada de suor, assim como o lençol da cama. O edredom grosso e pesado estava quase caindo cama de tão distante de mim. Ao tocar meu rosto, percebi que meus olhos estavam molhados, portanto, dessa vez, eu chorei de verdade enquanto dormia. Era raro de isso acontecer, mas levando em conta a maravilha de meus sonhos, era o mínimo que meu corpo podia fazer para responder a violência de meus pesadelos. Agora entendo o porquê deles, antes eu sonhava com as sombras e meus pais assassinados e não sabia o motivo disso, finalmente entendi que era meu subconsciente tentando me acordar da fantasia de ser a Joy desmemoriada.

Hoje seria talvez o pior dia da minha vida: o cara que eu amo está prestes a subir em um altar com uma Princesa, certamente muito mais importante que eu e com uma alma limpa, sem sangue e culpa nas mãos. O engraçado é que conheci Carter justamente durante uma de minhas turbulentas noites, logo após matar dois homens e prestes a ser morta por um terceiro. Carter, o guarda, nunca me denunciou por assassinato e também não me prendeu, me questiono sobre isso até hoje.

Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora